Primeira mulher a chefiar o MPF, Raquel Dodge precisará não só de apoio popular, mas de políticos e de outros órgãos de controle
28 jun 2017, 23h10 - Publicado em 28 jun 2017, 23h08
Não é pouco: Raquel Dodge será a primeira mulher a ocupar o cargo de Procuradora-Geral da República. Seu nome acabou de ser escolhido por Michel Temer (PMDB), apesar de ela ter sido a segunda mais votada na lista tríplice proposta pela Associação Nacional dos Procuradores da República. Dodge perdeu por pouco para Nicolao Dino: 621 contra 587 votos. Além de ser irmão do governador maranhense, Flávio Dino (PC do B), Nicolao é considerado da turma do atual PGR, Rodrigo Janot. Junto com o juiz Sergio Moro, Janot é, no momento, a pessoa mais importante na Operação Lava Jato.
Janot e Moro são parecidos em vários aspectos. São, até onde se sabe, incorruptíveis. Não sei se alguém já tentou fazer algum acordo esperto com Moro, mas o jornalista Vladimir Netto conta uma história didática sobre as tentações que circundam um chefe do Ministério Público Federal.
Em 2014, pouco meses antes de morrer, o advogado criminalista Márcio Thomaz Bastos foi ao gabinete de Rodrigo Janot. “MTB” havia sido o primeiro ministro da Justiça de Lula. Deixou discípulos como Alberto Toron, advogado que comentou à Folha de S. Paulo, em outubro daquele ano, que os procuradores da Lava Jato “estão tratando isso como um caso meramente policial e não estão percebendo a dimensão econômica”. Toron defendeu que os empresários sofressem penas econômicas. “Quem fala em multa de 1 bilhão de reais está falando em algo muito sério e que dói no bolso de quem eventualmente se locupletou.” Sugeriu que Janot tomasse decisões mais individuais e delegasse menos poder para sua equipe.
MTB havia tentado “estabelecer um diálogo” com Janot, mas isso não foi adiante. Alguns meses depois, a Polícia Federal encontrou, na casa do empresário Ricardo Pessoa (UTC), um papel escrito “1 bi. Confissão cartel”. (Bom, um cliente recente de Toron anotava coisas mais constrangedoras.) O primeiro desafio da nova PGR será evitar o assédio de advogados criminalistas.
O segundo será implementar, caso aprovada pelo Conselho Superior do Ministério Público Federal, uma norma que limita a cessão de procuradores que trabalham em determinada unidade estadual do MPF para outra unidade (mais informações aqui). Ao contrário do que tem sido aventado, isso não é necessariamente um plano diabólico para enfraquecer a Operação Lava Jato.
Mesmo que a operação perca expertise caso alguns procuradores sejam substituídos, há outros e outras mais do que capacitados (e com os incentivos institucionais corretos) para assumir as tarefas. Parece mais batalha de ego travestida de “ameaça à democracia”, como tem sido praxe nos últimos meses. Ainda assim, Dodge correrá risco de perder apoio popular caso a norma seja implementada. Apoio popular é, sim, necessário para ela, pois a instituição que comandará a partir de setembro vive disso. Sem aprovação do povo, o Ministério Público teria perdido força há muito tempo. O desafio será mantê-lo sem entrar em guerra com os políticos.
Finalmente, seu terceiro desafio será apaziguar os ânimos de outros órgãos de combate à corrupção – como o Tribunal de Contas da União e o Ministério da Transparência – a respeito dos acordos de leniência firmados com empresas corruptas. A Lei Anticorrupção (12.846/2013) diz, no décimo parágrafo do artigo 16, que cabe ao Ministério da Transparência (apenas Controladoria-Geral da União, à época) firmar esses acordos no âmbito do Poder Executivo Federal. O Ministério Público Federal aproveitou a brecha jurídica e tomou a dianteira, definindo acordos com a anuência silente (em público) da CGU e outros órgãos. Essa incerteza jurídica pode, a médio prazo, desestimular empresas de celebrarem esses acordos.
As tarefas são complicadas, mas uma coisa é certa: o país tem o Ministério Público mais autônomo do planeta. Isso poderia dar à nova PGR um longo período de lua-de-mel, mas as circunstâncias político-criminosas torná-lo-ão curto.
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