domingo, 25 de junho de 2017

Hospital de Base: remédio urgente é o dinheiro, dizem servidores veteranos






O Correio ouviu profissionais de longa data da unidade para saber o que pensam sobre a mudança de modelo de administração. Eles dizem que o hospital precisa de socorro financeiro




postado em 25/06/2017 10:26 / atualizado em 25/06/2017 11:05
Há 56 anos, o prédio projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, na SQS 101, recebe os casos mais críticos de pacientes brasilienses, vindos das redondezas e até mesmo de lugares mais distantes do país, o que confere ao Hospital de Base a condição de protagonista da saúde pública da capital federal. Na última semana, uma decisão histórica marcou a biografia da unidade: o Executivo local mudou o modelo de gestão, que passa de uma administração direta, ou seja, sob comando exclusivo do governo, para um conselho administrativo. Médicos, enfermeiros, pacientes e voluntários se esforçam para driblar os vestígios de uma crise que parece não ter prazo para acabar.

Correio, durante dois dias, conversou com servidores que consideram o hospital a própria casa. Ouvimos histórias de amor, de luta e, sobretudo, de esperança. Os veteranos concordam que a realidade vivida hoje não se pode prolongar por mais nenhum dia. Faltam profissionais, leitos, insumos e medicamentos. Entretanto, eles titubeiam se a escolha da Secretaria de Saúde vai pôr em xeque os problemas ou acentuá-los. Longe da polêmica do cabo de guerra entre sindicatos, Câmara Legislativa e governo, três personagens resgatam a memória do hospital que teve seu auge nos anos 1980.  

Uma história de amor

Ed Alves/CB/D.A Press

"Não sou contra a implantação do instituto, mas é certo que ele funcionará só se tiver dinherio. A solução é ampliar o financiamento da saúde"
 
>> Geraldo Gutemberg, médico anestesiologista
 
“Lembro que, quando comecei a fazer residência, todos me diziam que eu estava no hospital onde encontraria os cirurgiões mais reconhecidos do Brasil.” Com essa frase, o médico anestesiologista Geraldo Gutemberg, 62 anos, revive os dias de glória do Base. Entre 1981 e 1982, ele aprendeu o que exerce nos últimos 35 anos. Hoje, no entanto, compartilha outro sentimento: “Estamos em estágio final de morte, na UTI, e precisamos de ajuda, muita ajuda”, lamenta.
 
Vindo de Manaus, Geraldo remexeu na memória e contou casos de alegria e de tristeza durante esse período. “O Hospital de Base era a vitrine da Secretaria de Saúde. As pessoas tinham amor em trabalhar lá. Hoje, estamos no fundo do poço. Não sou contra a implantação do Instituto, mas é certo que ele funcionará só se tiver dinheiro. A solução é ampliar o financiamento da saúde.” Por ano, o governo gasta R$ 550 milhões para manter o funcionamento do hospital.  “Se não tem dinheiro suficiente atualmente, será que terá com o Instituto? É um futuro complicado”, reflete.

“Há 35 anos, eu não imaginava que a saúde fosse chegar aonde chegou. Estamos tentando consertar as coisas. É preciso coragem para tentar mudar. Há hospitais sem conserto, como o de Brazlândia e o do Gama, que vivem situações extremas. O centro cirúrgico do Base está muito ruim”, completa. Geraldo admite que é preciso reconstruir os laços com os pacientes. “A população está contra o profissional. O paciente tem o médico como o vilão, mas não é assim. Vivo uma história de amor com este hospital. Eu me aposento esse ano, mas estou com o coração apertado.”
 

Dedicação de uma vida 

Luis Nova/Esp. CB/D.A Press

"A criação do Instituto Hospital de Base não aumenta as receitas da unidade. Orçamento da saúde e educação sempre fica para trpás em momento de crise"
 
>> Cláudio Viegas, pneumologista e clínico geral 

Quando o pneumologista e clínico geral Cláudio Viegas, 61 anos, chegou à capital federal, em 1970, vindo do Rio Grande do Sul, ele encontrou aqui cerca de 200 mil habitantes e a promessa de fazer parte de um grande hospital. Cláudio viu o sonho de concretizar. Do grande pronto-socorro até a implantação de 40 especialidades — com destaque para atendimentos de politraumas, patologias onco-hematológicas e neurocardiovasculares, cirurgias cardíacas e neurocirurgias —, ele vivenciou durante quatro décadas a rotina daquele lugar. A experiência virou o livro Fragmentos, publicado quando o hospital completou 50 anos.

“Tenho uma avaliação ainda superficial do que pode acontecer. O Base é um centro que concentra especialistas. Minha preocupação é que haja uma destruição dos projetos de ensino”, pondera. Cláudio foi interno, médico residente e médico concursado da unidade. Testemunhou os problemas se multiplicarem quando, em 2000, a Fundação Hospitalar foi extinta e a necessidade de investimentos aumentou. “O Base avançou por causa da qualidade dos profissionais que estão lá. A complexidade dos pacientes recebidos ali nos obriga a não falhar”, explica.

Cláudio tem razão. Desde o dia da inauguração, poucas reformas de modernização foram executadas. Nenhuma delas aumentou espaço físico. Para ele, a solução da saúde pública é só uma: investimento financeiro. “A criação do Instituto Hospital de Base não aumenta as receitas da unidade. Orçamento para saúde e educação sempre fica para trás em momentos de crise. Agora, o hospital que trabalha com politraumatizados não pode ter doentes crônicos. É preciso organizar o fluxo de pacientes separando os crônicos e os agudos. Hoje, no mesmo centro cirúrgico opera um paciente com câncer e um acidentado de trânsito”, critica.

Cláudio se aposentou no ano passado. Além do Base, passou pelo Hospital Universitário de Brasília (HUB) e pelo Hospital das Forças Armadas (HFA). Ele conta que a convivência entre servidores estatutários e celetistas é delicada. Com o Instituto, o Base passará a funcionar com as duas categorias. “As condições de trabalho são iguais para todos, mas os salários são diferentes. Essa convivência é difícil”, conta. E ainda emenda: “Institutos, OSs (organizações sociais) não podem, e nem devem, ser implantados em unidades de alta complexidade, sobretudo com emergência de porta aberta”.


Funcionária e paciente

Luis Nova/Esp. CB/D.A Press
 

"Isso não pode acontecer. Temque se investir em insumos, equipamentos e medicação. Se o instituto for resolver esses questões, ótimo"
 
>> Terezinha de Fátima Alves, técnica de patologia clínica

Logo no início da entrevista, a técnica de patologia clínica Terezinha de Fátima Alves, 56 anos, destaca: “Sou funcionária e paciente. Vou falar do hospital com esse olhar”. Há 17 anos no laboratório de análise clínica, ela anda pelo Corredor 3 do ambulatório como quem caminha no quintal de casa. “O sonho do médico e do enfermeiro é ver o paciente fazer os exames, tomar as medicações e ter sucesso no tratamento”, comenta.

Ela elenca as dificuldades que o hospital enfrenta: faltam alguns exames, há aparelhos quebrados e escassez de medicamentos. “Sempre houve dificuldades, mas, como está hoje, nunca passamos”, pondera. Assim como Terezinha, 3,4 mil servidores batem o ponto no hospital. Apesar de o número parecer alto, a equipe está defasada. “Os colegas se aposentam e não são repostos. Isso sobrecarrega e dificulta a prestação de serviço com excelência”, diz. No setor dela, 10 servidores fazem as análises de todos os pacientes.

A derrocada, conta Terezinha, ficou mais acentuada a partir de 2005. “Temos que fazer um planejamento para funcionar. Veja o tamanho do nosso pronto-socorro e, ainda assim, paciente é barrado. Isso não pode acontecer. Tem que investir em insumos, equipamentos e medicações. Se o instituto for resolver essas questões, ótimo. Já vi gente com o melhor plano de saúde sendo atendido aqui. Isso representa muito. O paciente é o que temos de mais precioso.”

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