Por Aguiasemrumo: Romulo Sanches de Oliveira
EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN
Nº 162973/2017/GTLJ-PGR Inquérito n. 4.483/DF Relator: Ministro Edson Fachin
Sumário 1. Introdução...................................................................................................2 1.1 Do art. 86 da Constituição Federal e da Coautoria..............................3 1.2 Da organização criminosa e da atualidade das condutas......................4 1.3 Da regularidade nas perguntas formuladas pela Polícia Federal ao investigado MICHEL TEMER...................................................................9 2. Da continuidade das investigações...........................................................14 2.1 Possíveis crimes relacionados aos fatos denunciados........................14 2.2 Possíveis crimes constantes no contexto probatório originário, os quais demandam ainda análise do PGR...................................................21 2.2.1 Da manutenção das prisões deferidas no bojo da Ação Cautelar nº 4.325................................................................................................21 2.2.2 Do pagamento de propinas para LÚCIO FUNARO e EDUARDO CUNHA..........................................................................25 2.2.3 Da estreita relação existente entre a organização criminosa do PMDB da Câmara e o grupo J & F.....................................................27 2.4 Possíveis crimes que surgiram no decorrer das investigações...........30 2.4.1 Contextualização geral – menções às pessoas de “Ricardo”, “Celso”, “Edgar”, “Coronel” e “Yunes”, bem como das sociedades empresárias RODRIMAR S/A – Transportes, equipamentos e Armazéns Gerais e ARGEPLAN Arquitetura e Engenharia...............30 2.4.2 Da promulgação do chamado “Decreto dos Portos”.................40 2.4.3 Da necessidade de instauração de novo inquérito para investigar esses fatos............................................................................................51 2.4.4 Da tipificação das condutas.......................................................52 2.4.5 Da instauração de inquérito e das diligências.............................54 2.4.6 Da análise de possível prevenção em razão do Inquérito nº 3105 .............................................................................................................54 3. Da situação do colaboradores JOESLEY BATISTA e RICARDO SAUD ......................................................................................................................55 4. Do dano moral coletivo (Artigo 387, IV, do CPP)....................................56 5. Do prazo em que o inquérito permaneceu na Procuradoria-Geral da
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República......................................................................................................61 6. Da conclusão da análise dos materiais apreendidos nas buscas e apreensões nº 4324 (EDUARDO CUNHA e LÚCIO FUNARO) e nº 4328 (RODRIGO LOURES).................................................................................62 7. Requerimentos..........................................................................................63
1. Introdução
O PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA oferece nesta data denúncia, em separado, em 56 laudas, digitadas somente em anverso, lastreada nos elementos reunidos no Inquérito n. 4.483/DF – que segue por cópia –, em face do Presidente da Re- pública, MICHEL MIGUEL ELIAS TEMER LULIA, e RO- DRIGO SANTOS DA ROCHA LOURES, por terem praticado o crime previsto no art. 317, caput, c/c art. 29, ambos do Código Penal.
Entre os meses de março a abril de 2017, com vontade livre e cons- ciente, o Presidente da República MICHEL MIGUEL TEMER LU- LIA, valendo-se de sua condição de chefe do Poder Executivo e lideran- ça política nacional, recebeu para si, em unidade de desígnios e por inter- médio de RODRIGO SANTOS DA ROCHA LOURES, vantagem in- devida de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) ofertada por JOESLEY MENDONÇA BATISTA, presidente da sociedade empresária J&F In- vestimentos S.A., cujo pagamento foi realizado pelo executivo da J&F RICARDO SAUD. Além do efetivo recebimento do montante espúrio mencionado, MICHEL TEMER e RODRIGO LOURES, em comunhão de esfor- ços e unidade de desígnios, com vontade livre e consciente, ainda aceita-
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ram a promessa de vantagem indevida no montante de R$38 milhões.
1.1 Do art. 86 da Constituição Federal e da Coautoria
A narrativa resumida acima reporta a prática de crime de cor- rupção em coautoria. A especial imbricação das condutas dos agen- tes impossibilitou o desmembramento do feito.
Tendo em vista que um dos denunciados é o atual detentor do mandato popular de Presidente da República, a peça acusatória e os elementos de informação que a instruem, após o cumprimento do disposto nos arts. 4º e 5º da Lei 8.038/19901, deve ser remetida para a admissão da acusação pela Câmara dos Deputados, nos termos do art. 86 da Constituição Federal2.
Uma vez admitida pelo quórum constitucional na Câmara dos Deputados, será a acusação submetida a recebimento, instrução e julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.
1 Lei nº 8.038/1990. Art. 4º Apresentada a denúncia ou a queixa ao Tribunal, far-se-á a notificação do acusado para oferecer resposta no prazo de quinze dias. §1º Com a notificação, serão entregues ao acusado cópia da denúncia ou da queixa, do despacho do relator e dos documentos por este indicados. § 2º Se desconhecido o paradeiro do acusado, ou se este criar dificuldades para que o oficial cumpra a diligência, proceder-se-á a sua notificação por edital, contendo o teor resumido da acusação, para que compareça ao Tribunal, em 5 (cinco) dias, onde terá vista dos autos pelo prazo de 15 (quinze) dias, a fim de apresentar a resposta prevista neste artigo. Art. 5º Se, com a resposta, forem apresentados novos documentos, será intimada a parte contrária para sobre eles se manifestar, no prazo de 5 (cinco) dias. Parágrafo único. Na ação de iniciativa privada, será ouvido, em igual prazo, o Ministério Público. 2 Constituição Federal. Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.
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1.2 Da organização criminosa e da atualidade das condutas
A “Operação Lava Jato” desvelou um grande esquema criminoso, envolvendo agentes públicos, empresários e operadores financeiros, voltado para a prática de delitos como corrupção e lavagem de ativos, relacionados, mas não restritos, à sociedade de economia mista federal Petróleo Brasileiro S/A – PETROBRAS. Verificou-se a atuação de organização criminosa complexa, estruturada basicamente em quatro núcleos: a) O núcleo político, formado por partidos e por seus integrantes; b) o núcleo econômico, formado por empresas que eram contratadas pela Administração Pública e que pagavam vantagens indevidas a funcionários de alto escalão e aos componentes do núcleo político; c) o núcleo administrativo, formado pelos funcionários de alto escalão da Administração Pública; e, finalmente; d) o núcleo financeiro, formado pelos operadores que concretizavam o repasse de propinas. A atuação do núcleo econômico era intrinsecamente depen- dente da atuação do núcleo político, uma vez que este era respon- sável por indicar e manter um núcleo administrativo nos entes públicos contratantes voltados para a realização dos interesses ilíci- tos. O núcleo econômico financiava os integrantes do núcleo político, mas, não obstante, precisava ainda comprar proteção. Em paralelo, em constante contato com todos os núcleos citados, figura o núcleo financeiro, responsável por viabilizar o repasse de valores.
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Verificou-se o desenho de um grupo criminoso organizado, amplo e complexo, com uma miríade de atores que se interligam em uma estrutura de vínculos horizontais, em modelo cooperati- vista, nos quais os integrantes agem em comunhão de esforços e objetivos, bem como em uma estrutura mais verticalizada e hierar- quizada, com centros estratégicos, de comando, controle e toma- das de decisões mais relevantes. Alguns membros de determinadas agremiações políticas se organizaram internamente, valendo-se de seus partidos e em uma estrutura hierarquizada, para cometimento de crimes contra a Administração Pública. Nesse aspecto há verticalização da organização criminosa. Noutro giro, a horizontalização é aferida pela articulação existente entre alguns membros de agremiações diversas, adotando o mesmo modus operandi e dividindo as fontes de desvio e arrecadação ilícita. Nessa linha, alguns membros do PP, PMDB e PT, entre outros, utilizando indevidamente de suas siglas partidárias, dividiram entre si, por exemplo, as Diretorias de Abastecimento, de Serviços e Internacional da PETROBRAS. Como visto, a indicação de determinadas pessoas para importantes postos chaves da entidade pública, por membros dos partidos, era essencial para implementação e manutenção do projeto criminoso. Em relação ao PMDB, as evidências apontam para uma subdivisão interna de poder entre o PMDB com articulação na no Senado Federal e o PMDB com articulação Câmara dos Deputados, tendo sido instaurados os Inquéritos n. 4326 e 4327
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perante o Supremo Tribunal Federal para investigar cada um desses grupos, respectivamente. O acordo de colaboração firmado com integrantes do grupo econômico J & F (controlador da JBS) permite visualizar que a di- lapidação do patrimônio público perpetrada pela organização cri- minosa revelada pela “Operação Lava Jato” se repete em diversas entidades e órgãos públicos, bem como em variados setores da ati- vidade econômica. Vale lembrar que o Grupo J & F desenvolve atividade em diversos segmentos, com destaque para o segmento de processamento de proteína animal. A atuação do Grupo J & F (núcleo econômico) era intrinse- camente dependente da atuação de diversos parlamentares (núcleo político), uma vez que estes eram responsáveis por indicar e man- ter servidores públicos em posições-chaves da máquina administra- tiva, como na Caixa Econômica Federal e no BNDES (núcleo administrativo), bem assim em outros órgãos públicos contratan- tes voltados para a realização dos interesses ilícitos. O grupo eco- nômico J & F financiava os integrantes do núcleo político, mas, não obstante, precisava comprar a defesa de seus interesses como, por exemplo, a colocação de pessoas em posições estratégicas da Administração Pública em áreas afetas às atividades da J & F. Paralelamente ao inquérito indicado em epígrafe, com base no qual se oferece a presente denúncia, tramita o supracitado In- quérito n. 4327, no qual já se apurou que os integrantes do cha- mado “PMDB da Câmara dos Deputados” atuavam diretamente na indicação política de pessoas para postos importantes em deter-
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minados setores, sobretudo da PETROBRAS e da Caixa Econô- mica Federal. Além disso, eram responsáveis pela “venda” de re- querimentos e emendas parlamentares para beneficiar, ao menos, empreiteiras e banqueiros. O avançar das investigações no bojo do presente inquérito permitiu vislumbrar que, na verdade, a organiza- ção criminosa que opera para a prática dos crimes investigados no presente apuratório é a mesma analisada no Inquérito n. 4327. Quando da instauração do inquérito nº 4327, vislumbraram-se como potenciais componentes dessa organização criminosa ANÍ- BAL GOMES, EDUARDO CUNHA, HENRIQUE EDUARDO LYRA ALVES, ALEXANDRE SANTOS, ALTINEU CORTÊS, JOÃO MAGALHÃES; MANOEL JUNIOR, NELSON BOUR- NIER, SOLANGE ALMEIDA, ANDRE ESTEVES, FER- NANDO ANTÔNIO FALCÃO SOARES, ANDRE MOURA (filiado ao PSC); ARNALDO FARIA DE SÁ (filiado ao PTB), CARLOS WILLIAN (filiado ao PTC) e LÚCIO BOLONHA FU- NARO. As investigações conduzidas no bojo do Inquérito n. 4.483 in- dicam não apenas a continuidade da atividade da organização cri- minosa, como também a participação de MICHEL TEMER, RODRIGO LOURES, ora denunciados, bem como possivel- mente do ex-deputado federal e ex-Ministro de Estado GEDDEL VIEIRA LIMA, apontado como homem de confiança de MI- CHEL TEMER para o trato de negócios escusos3, de WELLING- 3 Por exemplo, Joesley Batista afirma que outro motivo da reunião foi indagar ao presidente da República quem seria o interlocutor para defender o interesse do grupo J & F junto ao governo federal. Nesse sentido, JOESLEY confirma: "Ai eu passei pra segunda fase da minha reunião, que foi perguntar a ele quem seria o meu interlocutor, dado que o GEDDEL tinha caído, e ele me disse que era o RODRIGO ROCHA LOURES e ainda falei pra ele, ainda perguntei pra ele, "Oh presidente, mas, todos
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TON MOREIRA FRANCO, ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, e de ELISEU LEMOS PADILHA, ministro-chefe da Casa Civil. Deve ser citado como exemplo, nesse contexto, o inquérito nº 4.462, instaurado a partir das colaborações premiadas de executi- vos da ODEBRECHT, no qual constam como investigados, justa- mente, MOREIRA FRANCO e ELISEU PADILHA4. Dentre as possíveis práticas criminosas, está a solicitação, por PADILHA e FRANCO, de vantagem indevida em nome do PMDB e de MI- CHEL TEMER, bem como o pagamento de propina em razão de favorecimento da ODEBRECHT em concessões da Secretaria de Aviação Civil. Os fatos devem ser analisados no contexto da organização criminosa aqui mencionada, com especial atenção para o núcleo do PMDB da Câmara. As práticas espúrias voltadas a atender interes- ses privados, a partir de vultosos recursos públicos, não se restrin- gem àqueles reportados na denúncia ora ofertada. Percebe-se que a organização criminosa não apenas esteve em operação, em passado recente, como também hoje se mantém em plena atividade.
os assuntos", porque a gente conversa assuntos íntimos, né, e ele me disse com a palavra: 'Rodrigo é da minha mais estrita confiança'. Ai depois dessa palavra eu disse, ta bom, então de agora pra frente não lhe incomodo mais, sigo falando com o RODRIGO" (em TD 02 Joesley Mendonça 20170407.mp4, a partir de 12min50s. Em sentido semelhante, RICARDO SAUD afirma que : "O dinheiro do EDUARDO CUNHA tinha terminado e o MICHEL TEMER sempre pedia para manter eles lá, o código era ´Está dando alpiste para os passarinhos, os passarinhos estão tranquilos na gaiola´. Começou com GEDDEL, depois passou e tal. Quando o GEDDEL foi abatido no meio do caminho, o JOESLEY foi lá fconversar com o MICHEL TEMER e nessa conversa JOESLEY falou que estava acabando o alpiste lá dos passarinhos, como é que vai fazer? Ele falou não, continua, continua, isso é muito importante, isso é muito importante. JOESLEY então naquele momento falou, ue RICARDO, então vamos continuar pagando mais uma ou dois pro LÚCIO, até definirmos de onde vai vir esse dinheiro agora pra pagar" . 4 O presidente MICHEL TEMER consta do relato referente ao inquérito nº 4462, não tendo sido incluído no rol de investigados, uma vez que os fatos ali mencionados são anteriores ao exercício do seu mandato como presidente da República.
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Registre-se que, apesar de a investigação da organização crimi- nosa do PMDB da Câmara dos Deputados continuar no bojo do inquérito próprio (n. 4.327), as provas produzidas no presente pro- cedimento investigatório irão também subsidiar a análise daqueles fatos. Assim, desde já, o Procurador-Geral da República pugna pelo compartilhamento da prova do inquérito nº 4.483 para o in- quérito nº 4.327.
1.3 Da regularidade nas perguntas formuladas pela Polícia Fe- deral ao investigado MICHEL TEMER
Em petição apresentada em 09/06/2017, a defesa do Presi- dente MICHEL TEMER manifestou-se quanto às questões for- muladas pela autoridade policial no Ofício n. 0811/2017 - RE 0091/2017-1 - PF/MJC - Inq. 4483,5 com o intuito de instruir as investigações. Na oportunidade, insurgiu-se contra a legalidade e o conteúdo dos questionamentos, o que justificaria a sua postura de não respondê-los.
No entanto, uma análise detida das referidas questões con- firma a regularidade da atuação policial.
Por expressa determinação do art. 6º, incisos III e IX, do Código de Processo Penal, logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: “colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias”; assim como
5 Ver fl. 450 e ss. do Inquérito 4.883.
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“averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, fami- liar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e de- pois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter.”
Além de necessárias para a completa revelação e compreensão dos fatos investigados – isto é, para a formação de uma opinio delicti consistente e conectada com a realidade –, tais providências são in- dispensáveis para atender aos múltiplos escopos do art. 59 do Código do Penal, em homenagem ao princípio constitucional da in- dividualização da pena (art. 5º, inciso XLVI, da Constituição Fede- ral).
Com efeito, a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade dos supostos agentes, bem como as circunstân- cias e consequências dos crimes em apuração, além do comporta- mento das vítimas, também são objetos naturais de todo e qualquer inquérito, por expressa determinação legal. Frise-se que o referido rol abrange, inclusive, outras agravantes e atenuantes previstas em lei, como é o caso dos artigos 61, 65 e 66 do Código Penal.
Nos delitos em que se vislumbre concurso de pessoas, cada coautor ou partícipe deve responder na exata medida de sua culpa- bilidade. Tal preceito, constante do art. 29 do Código Penal, remete ao artigo 62 da mesma lei. Lá estão delineados vários papéis que o legislador considerou especialmente relevantes. Portanto, sempre que se vislumbrar sua ocorrência, também devem ser investigados.
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Outrossim, o conteúdo dos questionamentos não revela qualquer tentativa de se buscar responsabilizar o Presidente da Re- pública por fatos anteriores ao mandato ou alheios ao exercício de suas funções.
Uma vez delimitada as condutas potencialmente criminosas que constituem o cerne da investigação, tudo o mais que é impor- tante para a compreensão do seu contexto – seja no aspecto obje- tivo ou subjetivo; sejam fatores atuais, posteriores ou até mesmo anteriores ao mandato – está sendo apurado dentro da legalidade, sem objetivar responsabilização penal adicional.
Como se vê, não há qualquer abuso em investigar os elemen- tos em referência, tampouco necessidade de autorizações específi- cas, pois não há exacerbação aos limites impostos pelo art. 86, § 4º, da Constituição Federal – bem ao contrário do que alega a defesa nos itens 39 a 46 da petição.
Assim é que, para oportunizar autodefesa e também com o objetivo de contribuir para o esclarecimento dos mencionados ele- mentos, foi conferido ao investigado o direito de esclarecimento dos fatos. E, nesse aspecto, a autoridade policial formulou as 82 (oitenta e duas) questões ao denunciado, sem qualquer traço de ile- galidade ou abuso.
Em segundo lugar, é incontroverso que o garantia ao silên- cio, consagrado no art. 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal, foi rigorosamente resguardado no caso concreto, inclusive medi- ante pronunciamento judicial específico. Dessa forma, mesmo na
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hipótese de questionamento impertinente, abusivo ou capaz de conduzir o investigado à autoincriminação, bastaria o silêncio do requerente para neutralizar qualquer constrangimento.
Noutro passo, nota-se uma incoerência na conduta da defesa ao afirmar que as questões referentes à gravação não poderiam ser respondidas antes da conclusão da perícia, por considerar que aquela “por hora (sic) é um nada jurídico”. Partindo da premissa – ja- mais contestada pelo Presidente da República – de que existiu um diálogo gravado pelo colaborador JOESLEY BATISTA na noite de 7/3/2017, bastaria ao investigado – se quisesse – relembrar a conversa havida e expor sua versão. A rigor, nada disso dependeria de laudo do instituto de criminalística.
Quanto às “perquirições a respeito do local, da data, dos motivos dos encontros e do maior ou menor grau de relacionamento” do Presidente da República com outras pessoas aparentemente envolvidas – por exemplo, o ex-Deputado Federal RODRIGO LOURES (questões 1, 2, 3, 7 e 12) e o empresário JOESLEY BATISTA (questão 15) – não há dúvida de que são pertinentes e oportunas. Objetivavam aclarar circunstâncias e motivos dos ilícitos em apuração, elemento subjetivo (dolo ou culpa do investigado), além de alargar a com- preensão dos investigadores sobre eventual concurso de agentes ou pertinência à organização criminosa sob apuração. Nada disso, por- tanto, representa “violento e inadmissível golpe à garantia inserida no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal.”
O mesmo se pode dizer de eventual ciência do Presidente da República, MICHEL TEMER, acerca de reuniões supostamente
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havidas entre outros envolvidos – por exemplo, entre RODRIGO LOURES, JOESLEY BATISTA e RICARDO SAUD (questões 26, 32 e 38). Aqui, evidentemente, não se trata de algo estranho ao objeto apuratório ou, muito menos, de uma tentativa de “atribuir ao Presidente da República poderes adivinhatórios”, como sugere a defesa nos itens 35 e 36 da petição. O cruzamento de declarações sobre os mesmos fatos é sempre enriquecedor, quando múltiplas testemu- nhas ou investigados os presenciaram ou deles tiveram conheci- mento. Daí o interesse da autoridade policial, no intuito legítimo de elucidar as circunstâncias em derredor do elemento subjetivo dos delitos em apuração (dolo ou culpa do investigado), assim como de eventual concurso de agentes ou pertinência à organização crimi- nosa.
Por sua vez, indagações em torno do temor de eventual cola- boração premiada de Lúcio Bolonha Funaro ou Eduardo Cunha (objeto das questões 19 e 20) consistem em perquirição sobre o “es- tado de ânimo” dos investigados “depois do crime”, condição pessoal perfeitamente relevante e passível de apuração, por expressa previ- são do art. 6º, inciso IX, do Código de Processo Penal. Para um bom conhecedor de Direito Penal, não há qualquer motivo para as- sombro ou suspeita de ardil.
Por fim, questões como a 3 e a 14 não têm por objeto meras “apreciações pessoais” do investigado. Na verdade, são tentativas de compreender o exato sentido de algumas expressões relevantes - utilizadas pelo próprio investigado - no diálogo captado ou em pro- nunciamentos públicos. Em suma, pressupõem a existência de rela-
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cionamento do investigado com outros envolvidos, razão pela qual tais perguntas revelam-se adequadas ao enfoque investigativo.
Assim, feitas essas anotações, o Procurador-Geral da Repú- blica não vislumbra qualquer ilegalidade nos questionamentos en- dereçados ao Presidente da República, MICHEL TEMER, na condição de investigado.
2. Da continuidade das investigações
2.1 Possíveis crimes relacionados aos fatos denunciados
Em relação aos fatos ora denunciados, a autoridade policial menciona no seu Relatório Parcial o seguinte:
GILVANDRO VASCONCELOS COELHO DE ARAÚJO, Conselheiro do CADE, às fls. 475/477, afirmou que conheceu RODRIGO DA ROCHA LOURES em razão de questões institucionais afetas ao CADE, quando ocupava interinamente a presidência do órgão e, especialmente, sobre a ligação telefônica mantida com ele em 16 de março de 2016:
“QUE, indagado acerca de ligação telefônica estabelecida com RODRIGO DA ROCHA LOURES, tendo como assunto a venda de gás natural advindo da Bolívia, o declarante confirma tal contato, esclarecendo que recebeu de RODRIGO DA ROCHA LOURES a notícia de que haveria, nos dias seguintes, uma reunião no âmbito da Superintendência-Geral do CADE acerca do tema; QUE RODRIGO DA ROCHA LOURES demonstrou preocupação com essa questão, pois envolvia, no entendimento dele, prática anticoncorrencial por parte da PETROBRAS, o que traria reflexos negativos ao mercado de energia e, consequentemente, a própria imagem do País. QUE RODRIGO DA ROCHA LOURES não fez qualquer solicitação ao declarante, nem mesmo de forma subliminar, ao menos na compreensão do declarante; QUE o declarante ouviu a exposição de RODRIGO DA ROCHA LOURES e limitou-se a afirmar a ele
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que encaminharia o tema à área técnica; QUE o próprio RODRIGO DA ROCHA LOURES fez menção no diálogo de que o Superintendente-Geral Adjunto, de nome KENYS, era quem estava à frente da questão na área técnica; QUE o declarante não repassou a preocupação de RODRIGO DA ROCHA LOURES a KENYS, tendo-a direcionado a EDUARDO FRADE, Superintendente-Geral do CADE; QUE disse a EDUARDO que haveria uma reunião para tratar de tema que envolvia a possível ‘discriminação’ praticada pela PETROBRAS no setor de energia; QUE, ao que recorda, EDUARDO disse apenas que ‘iria ver’; QUE o declarante nunca mais tratou dessa questão com RODRIGO DA ROCHA LOURES, tampouco ele perguntou algo a respeito ao declarante; QUE o andamento da questão técnica acerca da qual RODRIGO DA ROCHA LOURES havia demonstrado interesse tinha tramitação em seara estranha às atividades do declarante; QUE, portanto, se o declarante tivesse a intenção de interceder na condução do assunto teria que contar com outros servidores do CADE; QUE essa hipótese não ocorreu, absolutamente”.
EDUARDO FRADE RODRIGUES, Superintendente-Geral do CADE, além de também expor as circunstâncias em que conheceu RODRIGO DA ROCHA LOURES, apresentou esclarecimentos acerca do episódio central, que envolve a questão PETROBRAS e EPE:
“QUE o declarante recorda de ter sido procurado por GILVANDRO DE ARAÚJO para ser comunicado de conversa que ele havia tido com RODRIGO DA ROCHA LOURES, a qual versou sobre questão anticoncorrencial praticadas pela PETROBRAS que poderia ter repercussões negativas no mercado de energia; QUE GILVANDRO limitou-se a repassar ao declarante a preocupação de RODRIGO DA ROCHA LOURES, sem fazer qualquer pedido ou sugerir qualquer encaminhamento ao declarante; QUE GILVANDRO em momento algum deu a entender que havia recebido qualquer pedido ou recomendação de RODRIGO DA ROCHA LOURES; QUE, como o declarante tinha ouvido de GILVANDRO que uma reunião para tratar do tema havia sido agendada para os dias seguintes, apenas certificou-se quanto a isso, sem dar seguimento à preocupação que RODRIGO DA ROCHA LOURES havia manifestado; QUE, portanto, o declarante não repassou a nenhum técnico do CADE o fato de que a questão que era objeto de inquérito administrativo e que seria tratada em reunião era motivo de atenção ou preocupação de RODRIGO DA ROCHA LOURES; QUE o declarante pode afirmar que o inquérito administrativo no âmbito do qual tramita no CADE questão envolvendo interesses das empresas EPE e PETROBRAS teve andamento absolutamente normal, sem qualquer interferência nos atos praticados pelo próprio CADE, inclusive no aspecto da celeridade; QUE a tramitação do inquérito seguiu rigorosamente o padrão, em sintonia com os esclarecimentos apresentados no Ofício ProCADE/2017, aos quais o declarante faz remissão; QUE salienta apenas que, em todo o curso do inquérito administrativo não houve qualquer decisão de mérito do CADE; QUE o que ocorreu, na verdade, foi uma composição entre as partes, em âmbito privado, sem participação do CADE; QUE perguntado se houve
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estímulo do CADE no sentido dessa composição, esclarece o declarante que, em regra, o CADE ‘encoraja’ as partes ao entendimento direto; QUE, neste caso, EPE e PETROBRAS vinham mantendo tratativas à margem do CADE desde o início do inquérito administrativo; QUE, inclusive, EPE e PETROBRAS já haviam firmado pelo menos dois contratos de fornecimento de gás ao longo da tramitação do inquérito administrativo, o que demonstra que havia um canal paralelo de negociação sem a participação ou orientação do CADE”.
Com igual propósito, vieram aos autos os esclarecimentos de KENYS MENEZES MACHADO, que, na condição de Superintendente Adjunto do CADE, teve relação mais próxima com a tramitação do Inquérito Administrativo em questão:
“QUE, desde que deu entrada no CADE representação da Empresa Produtora de Energia (EPE), relatando ‘discriminação de preços e recusa de contratar no fornecimento de gás natural’ por parte da PETROBRAS, o declarante acompanha o desenrolar do processo administrativo; QUE, perguntado como estava o referido processo em março de 2017, o declarante afirma que estava na fase de inquérito administrativo, no bojo do qual haviam sido realizadas diversas diligências, sendo que o mérito estava sendo analisado; QUE, em março de 2017, a EPE deu entrada com novo pedido de medida preventiva no CADE, que foi seguido de reunião em que o pedido foi explicitado; QUE, como a rigor ocorre, o pedido ensejou a comunicação à denunciada, a PETROBRAS, que também pediu a realização de reunião; QUE, além disso, o CADE solicitou dados à PETROBRAS, destinados a saber se a postura dessa estatal em relação à EPE estava sendo adotada com outras empresas do mesmo setor; QUE, durante a tramitação do inquérito, EPE e PETROBRAS, sem qualquer participação do CADE, chegaram ao entendimento acerca do fornecimento de gás, ao menos por período de tempo limitado, como já tinham feito em duas vezes anteriores; QUE esse acordo foi comunicado ao CADE por ambas as empresas, que enviaram cópia do contrato; QUE a composição entre as partes normalmente era recomendada pelo CADE em questões que envolviam discriminação de preços e recusa de contratar; QUE o entendimento entre as partes, diretamente, era recomendado pelo CADE uma vez que, se houvesse a necessidade de arbitrar preços e quantidades, exigiriam estudos aprofundados sobre o mercado específico para permitirem a emissão de decisão que não fosse discriminatória; QUE, em síntese, tratava-se de questão complexa que demandaria tempo para a decisão de mérito da medida preventiva; QUE, perguntado se, antes de ser firmado o contrato entre EPE e PETROBRAS, EDUARDO FRADE ou GILVANDRO DE ARAÚJO fizeram algum comentário com o declarante acerca da questão, afirma que tinha falado do assunto apenas com EDUARDO; QUE, por ser Superintendente-Geral, ele mantém com o declarante reuniões mensais, em que são apresentados todos os casos; QUE, por isso, o declarante levou ao conhecimento de EDUARDO o andamento do assunto que envolvia EPE e PETROBRAS, assim como fizera em relação a outros tantos; QUE nunca houve iniciativa de EDUARDO FRADE ou de GILVANDRO DE ARAÚJO em obter informações acerca do andamento
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do inquérito administrativo em questão; QUE o declarante não tomou conhecimento, até os fatos se tornarem públicos, do interesse do então Deputado Federal RODRIGO DA ROCHA LOURES a respeito do inquérito administrativo que envolvia EPE e PETROBRAS; QUE o declarante pode afirmar categoricamente que o referido inquérito administrativo teve tramitação normal no CADE, no aspecto da regularidade de seus atos e também no tempo em que foram praticados, ou seja, nunca houve qualquer manifestação apressada; QUE o declarante nunca recebeu qualquer orientação, de quem quer que seja, para que fizesse ‘pressão’ junto à PETROBRAS no sentido de que, para evitar a aplicação de medida preventiva, a estatal chegasse ao entendimento direto com a EPE”. (fls. 483/484)
Às fls. 486/497, consta manifestação do CADE sobre o ocorrido, na forma de esclarecimentos acerca da tramitação dos feitos naquela autarquia, pontuando também, na linha de seus dirigentes, que não foi exarada qualquer decisão de mérito no inquérito administrativo nº 08700.009007/2015-04; que a composição entre as partes interessadas ocorreu sem qualquer participação do próprio CADE e que o contrato de 13/04/17 foi o terceiro firmado entre EPE e PETROBRAS, desde o início do processo administrativo.
Portanto, segundo os dirigentes do CADE, em consonância com a manifestação oficial do órgão, o processo administrativo transcorreu dentro dos limites normais, sem sofrer qualquer influência pela ligação telefônica realizada ao presidente interino GILVANDRO DE ARAÚJO.
Há, porém, informações adicionais a respeito da matéria, decorrentes do diálogo gravando em 24/04/17, por RICARDO SAUD, executivo do Grupo J&F, quando em conversa com RODRIGO DA ROCHA LOURES.
Saliente-se que o correspondente arquivo foi objeto de perícia, cujo Laudo Pericial nº 1053, foi acostado às fls. 690/737. Segundo o diálogo, RODRIGO DA ROCHA LOURES afirmou que havia retomado o assunto com a pessoa a quem tinha ligado, obtendo esclarecimentos detalhados a respeito da questão que envolvia EPE e PETROBRAS:
“RODRIGO: Não, deixa eu te dizer. Eu acho que esse... isso aqui... o que que... acho que... virou a regra, até pra você entender. RICARDO: hum RODRIGO: Havia... há... há... há muito tempo, uma solicitação, desde que ele assumiu a essa operação lá, o grupo assumiu essa operação lá, no Mato Grosso... RICARDO: Uhum, isso, Mato Grosso RODRIGO: O que que aconteceu? Depois, naquele dia que eu liguei pra pessoa, é... pesso... eu tava viajando até pros Estados Unidos naquele dia, a pessoa foi, na semana seguinte encaminhar. Aí, resumo da ópera, eu estive com essa pessoa na
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semana passada, ela veio, é... estivemos juntos, né, e ela... e ela veio me relatar o que é que havia sido no detalhe, é... resolvido. Eu entendi. Eu disse: “Bem, mas qual é a... a... a sustentabilidade dessa decisão? A... a fundamentação dessa decisão?” RICARDO: (Ininteligível), sim. RODRIGO: Aí a pessoa me disse o seguinte: “Olha, este é o patamar pelo qual a Petrobras vai ter que operar, com eles, daqui pra frente. Eles não podem, é... mudar...” RICARDO: recuar RODRIGO: “Re... Eles não podem recuar, porque nós determinamos que este é o procedimento. Os problemas que nós tamos tendo dessa natureza, com Petrobras e gás, não são mais referentes à questão da Bolívia. O problema que tá tendo é lá na Amazônia. Eles tão fazendo uma operação. A Petrobrás tá fazendo uma operação de gás lá na Amazônia, e tá tendo problemas de outra natureza até com os venezuelanos. É uma outra confusão {que tem lá}, mas não é, não tem nada a ver com vocês.” Como esse contrato é o contrato que foi, é... antes de vocês adquirirem essa unidade, já vinha sendo feito há muito tempo pleitos... RICARDO: (Ininteligível). RODRIGO: ... pra poder indenizar ele. E não resolveu. Então... RICARDO: Nós só conseguimos comprar por isso. E agora... RODRIGO: agora resolveu RICARDO: {agora} resolveu RODRIGO: Então, Ricardo, pra você saber, esse procedimento, é o proce... é o entendimento, é a compreensão desta atual formação dos órgãos envolvidos. Tanto da... do Cade, quanto da Petrobras. Ou seja, essa é... esse é o padrão. Não será mais do que isso. Não será menos do que isso. Pode mudar? Pode. Mas pra mudar, o que que precisa mudar? Precisa mudar a composição inteira do Cade. A tendência do... do Cade precisa mudar, e a tendência da Petrobras precisa mudar e a tendência de vocês precisa mudar. Por exemplo, se vocês começarem a litigar dizendo “Ah, isso aqui não é bom. Nós achávamos que era bom, mas a gente quer mais.” Vai dar problema. Se a Petrobras disser “Eu não, eu não vou manter isso.” Vai dar problema, porque a Petrobras não pode dizer isso pra você. E a Petrobras tá com uma série de problemas concorrenciais, com outras partes, não com vocês, é... que nós precisamos, é... criar condições pra que haja concorrência no Brasil, porque se não, nos leilões de óleo e gás que nós vamos fazer no segundo semestre, o pessoal lá fora não vem. Então eles querem, é... que a Petrobras tenha uma condição de disputa igual à dos outros. Ela não pode ser dona da... RICARDO: monopólio”
Percebe-se que RODRIGO DA ROCHA LOURES, nesta ocasião, já dispunha de informações mais elaboradas acerca do tema e, conforme indicam os seus próprios termos, as teria obtido da pessoa a quem havia ligado, ou seja, de GILVANDRO DE ARAÚJO, com quem afirmou ter estado na semana anterior. GILVANDRO, no entanto, foi categórico ao asseverar em seu depoimento que, após o telefonema, “nunca mais tratou dessa questão com RODRIGO DA ROCHA LOURES, tampouco ele perguntou
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algo a respeito ao declarante”.
EDUARDO FRADE, Superintendente-geral do CADE, disse ter conversado com RODRIGO DA ROCHA LOURES, juntamente com GILVANDRO DE ARAÚJO, no início do mês de abril (após a data do telefonema) especificamente sobre nomeações a cargos importantes do CADE que estavam vagos. Tal encontro teria ocorrido de forma breve, nos corredores da Câmara dos Deputados e, em nenhum momento, RODRIGO DA ROCHA LOURES teria pedido informações relacionadas ao assunto que envolvia suposta prática ilícita pela PETROBRAS no mercado de energia.
Do exposto se extrai que, possivelmente, RODRIGO DA ROCHA LOURES e GILVANDRO DE ARAÚJO, contrariando o alegado por este, tenham retomado o assunto para fins de atualização, momento em que houve o abastecimento daquele com informações mais detalhadas. Isso não importa afirmar, no entanto, que houve interferência na condução do processo administrativo que estava submetido ao CADE, em que pesem as estranhezas que marcam o fato, catalisadas pela afirmação de JOESLEY BATISTA a respeito:
“QUE o depoente tem conhecimento de que o CADE não proferiu qualquer decisão de mérito acerca da questão que envolvia a compra de gás boliviano, no entanto houve uma audiência com a Petrobras que o CADE alertou sobre o abuso no monopólio do gás, o que poderia implicar em graves sanções, razão pela qual a Petrobras reviu seu posicionamento e fez um contrato de fornecimento de gás com a EPE - Empresa Produtora de Energia do grupo J&F INVESTIMENTOS, com preço mais adequado ao mercado”.
Logo, no exíguo prazo deste inquérito, não foi possível reunir elementos que permitam concluir que o interesse manifestado por RODRIGO DA ROCHA LOURES - com o peso de sua notória vinculação ao Presidente da República e diante de Conselheiro interessado em assumir a Presidência do CADE - tenha provocado, no seio daquele órgão, ações ou decisões precipitadas ou desviadas da boa técnica.
Porém, ter havido ou não ingerência na atuação do CADE, conquanto constitua circunstância importante na análise dos fatos – no que toca ao agir dos servidores daquele órgão, notadamente - não é fator condicionante à caracterização de conduta típica de RODRIGO DA ROCHA LOURES e de JOESLEY BATISTA.
Ao final, a autoridade policial, em relação a esse ponto,
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conclui no seguinte sentido:
A par disso, tendo em vista a indefinição acerca da legalidade da atuação de dirigentes do CADE no Inquérito Administrativo nº 08700.009007/2015-04, cujo contexto, conforme exposto, está a reclamar a realização de diligências adicionais para sua melhor elucidação, REPRESENTO pela cisão processual e instauração de inquérito específico, em Juízo próprio, com o escopo de apurar a possível prática de condutas previstas nos artigos 317, § 2º, e 321 do Código Penal.
A despeito de confirmada a intervenção ilícita dos denunciados junto ao CADE, a favor dos interesses empresariais do grupo J&F, conforme aclarado na peça acusatória, faz-se necessário o prosseguimento das investigações em relação aos servidores públicos que trabalham no CADE, a fim de que seja esclarecido, efetivamente, se houve alguma conduta criminosa por parte deles. É importante repisar que essa investigação, a ser instaurada na instância competente (Justiça Federal de Brasília6) é autônoma para a análise dos fatos ora denunciados, uma vez que, como se depreende da narrativa fática exposta na denúncia, a responsabilização penal de RODRIGO DA ROCHA LOURES e
6 Nos termos do art. 109, IV, da Constituição Federal (Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral) e do art. 70 do Código de Processo Penal (Art.70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução. §1o Se, iniciada a execução no território nacional, a infração se consumar fora dele, a competência será determinada pelo lugar em que tiver sido praticado, no Brasil, o último ato de execução. §2o Quando o último ato de execução for praticado fora do território nacional, será competente o juiz do lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou devia produzir seu resultado).
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MICHEL TEMER independe de possível crime também praticado pelos servidores públicos da autarquia. Além disso, é preciso perquirir também se eventual ilícito foi praticado por funcionários da Petrobras, em razão do contrato firmado entre a estatal e a EPE, assinado em 13.04.2017, com vigência até 31.12.2017, cuja primeira compra estava prevista para o dia 17.04.2017 e ensejou o pagamento da propina. Dessa maneira, o Procurador-Geral da República pugna, ao final, para que cópia integral dos autos seja remetida à Justiça Federal de Brasília, abrindo-se, de conseguinte, vistas à Procuradoria da República no Distrito Federal, para adoção das providências pertinentes.
2.2 Possíveis crimes constantes no contexto probatório origi- nário, os quais demandam ainda análise do PGR
2.2.1 Da manutenção das prisões deferidas no bojo da Ação Cautelar nº 4.325
Desde já, deve-se ressaltar que parte dos fatos investigados no presente inquérito, relacionados ao pagamento de propinas para EDUARDO CUNHA e LÚCIO FUNARO, para o melhor esclarecimento, ainda demanda análise por parte do Procurador- Geral da República. Isso porque as apurações policiais que versam especificamente sobre esses fatos estão previstas para serem recebidas pela Procuradoria-Geral da República na data de hoje
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(26/06/2017), o que impossibilitou a formação da opinio delicti de imediato. Não se pode olvidar que foram deferidas prisões no bojo da Ação Cautelar n. 4325, em virtude da presença dos fundamentos que a amparam. Em decisão proferida às fls. 60/88, o Exmo. Ministro Relator Edson Fachin deferiu os pedidos de prisão contra LÚCIO BOLONHA FUNARO, ROBERTA BOLONHA FUNARO (ou ROBERTA FUNARO YOSHIMOTO) e EDUARDO CONSENTINO CUNHA. Em decisão posterior, constante das fls. 275/280, foi assegurada a ROBERTA BOLONHA FUNARO a prisão domiciliar. A lei 8.038/1990, em seu art. 1º, especialmente no § 2º, alíneas “a” e “b”, prescreve que:
“ Lei 8.038/1990. Art. 1º. Nos crimes de ação penal pública, o Ministério Público terá o prazo de 15 (quinze) dias para oferecer denúncia ou pedir arquivamento do inquérito ou das peças informativas. § 1º Diligências complementares poderão ser deferidas pelo relator, com interrupção do prazo deste artigo. § 2º Se o indiciado estiver preso: a) o prazo para oferecimento da denúncia será de 5 (cinco) dias; b) as diligências complementares não interromperão o prazo, salvo se o relator, ao deferi-las, determinar o relaxamento da prisão (grifo nosso).
Entretanto, a pendência da análise, por parte do Procurador- Geral da República, sobre esses fatos, utilizando-se de seu prazo de 5 (cinco dias) para oferecimento da denúncia, poderia implicar, por uma leitura isolada do dispositivo legal transcrito, interpretação tendente à revogação (não relaxamento, pois a prisão é legal) das prisões decretadas. Ocorre que tal regra precisa ser harmonizada
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com outros valores, não podendo ser considerada de maneira isolada e descontextualizada do caso relacionado às investigações que se instalaram a partir da prática criminosa. Vem-se reconhecendo que só existe excesso de prazo para prisões preventivas quando a demora é injustificada, uma vez que a sua análise deve levar em consideração, além do tempo, a razoabilidade da medida. Destarte, encontrando-se presentes os requisitos e pressupostos da medida cautelar, somados à complexidade da causa, como o é o caso vertente, a prisão decretada pode e deve ser mantida, desde que não se decorra um lapso temporal desproporcional, aferido considerando-se as condições objetivas da causa. Em avaliação à decisões dessa e. Corte, percebe-se que alguns requisitos são utilizados para definir a razoabilidade de medida, como a complexidade da causa, reconhecida, mutatis mutandis, no HC 95045/RJ, no qual, em seu voto condutor, a Ministra Ellen Gracie, além de sustentar a importância da análise principiológica sobre o tempo de prisão preventiva, informa sobre a complexidade da instrução criminal como alicerce justificador do prazo razoável da medida cautelar. Nesse sentido, anotem-se: os seguintes trechos:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PROCESSUAL. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO. DENEGAÇÃO. (...) A razoável duração do processo (CF, art. 5°, LXXVIII), logicamente, deve ser harmonizada com outros princípios e valores constitucionalmente adotados no Direito brasileiro, não podendo ser considerada de maneira isolada e descontextualizada do caso relacionado à lide penal que se instaurou a partir da prática dos ilícitos. A prisão cautelar do paciente pode se justificar, ainda que não encerrada a instrução criminal, com fundamento no parâmetro da
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razoabilidade em se tratando de instrução criminal de caráter complexo. Habeas corpus não conhecido” HC 95045/RJ - RIO DE JANEIRO HABEAS CORPUS; Relator(a): Min. ELLEN GRACIE Julgamento: 09/09/2008, Órgão Julgador: Segunda Turma.
No caso vertente, a investigação, diante da dinâmica dos fatos, é diferenciada, uma vez que há atuação intensa, contínua e profícua da organização criminosa, conforme se demonstrará nesta manifestação. A complexidade permite a relativização do prazo para conclusão das investigações. Nesse diapasão, desnecessário aqui recorrer-se ao histórico e ramificações que foram descortinadas no curso das investigações referentes a verticalização da chamada Operação Lava Jato e as participações intensas de LUCIO FUNARO e EDUARDO CUNHA, de maneira que a sua complexidade permite a flexibilização do prazo para conclusão das investigações. Com efeito, a garantia da ordem pública se encontra presente pelo imperativo de se impedir a reiteração criminosa, como se verifica no presente caso em relação aos dois mencionados, com inúmeros acontecimentos relacionados a perpetração de crimes contra a administração pública análogos. No caso da ROBERTA BOLONHA FUNARO, conclui-se que é suficiente, no momento, a manutenção de sua prisão domiciliar, com aplicação das medidas cautelares diversas já determinadas pelo STF. Dessa maneira, o Procurador-Geral da República, em razão da complexidade das apurações em relação aos crimes referidos neste
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tópico, pugna, pela manutenção da prisão preventiva dos investigados LÚCIO FUNARO e EDUARDO CUNHA e pela manutenção da prisão domiciliar de ROBERTA FUNARO, uma vez deferida a prorrogação do presente inquérito, conforma a seguir se postula.
2.2.2 Do pagamento de propinas para LÚCIO FUNARO e EDUARDO CUNHA
Considerando a chegada do relatório policial referente a esses fatos apenas na data de hoje (26/06/2017), é importante registrar que há fatos para os quais o Procurador-Geral da República necessita de uma análise mais cuidadosa, aprofundada e responsável para formar sua opinio delicti. É o caso dos fatos relacionados aos possíveis pagamentos de propinas para EDUARDO CUNHA e LÚCIO FUNARO, em troca do silêncio de ambos. Em relação ao pagamento de propina para EDUARDO CUNHA e LÚCIO FUNARO, consta dos autos a transcrição da conversa ocorrida à noite, por volta das 22h40min, no Palácio do Jaburu, em 07/03/2017, entre MICHEL TEMER e JOESLEY BATISTA. Eis o diálogo:
00:10:16 JOESLEY: É, eu queria falar assim, muito assim na...dentro do possível, eu fiz o máximo que deu ali, zerei tudo, o que tinha de alguma pendência daqui pra ali, zerou tal, liquidou tudo e ele foi firme em cima, ele já tava lá, veio, cobrou, tá, tá, tá. Pronto! Acelerei o passo e tirei da frente. O outro
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menino companheiro dele que tá aqui, né? Que o GEDDEL sempre tava.
TEMER: O Lúcio Funaro
JOESLEY: Isso, isso. O GEDDEL é que andava sempre ali
TEMER: É.
JOESLEY: Mas o GEDDEL também com esse negócio agora, eu perdi o contato, porque ele virou investigado, agora eu não posso, também.
TEMER: É, é complicado, é complicado.
JOESLEY: Eu não posso encontrar ele.
TEMER: É complicado, vai parecer obstrução de justiça
JOESLEY: Isso, isso.
TEMER: Todos esses (...)
00:11:16 JOESLEY: O negócio dos vazamentos. O telefone lá do EDUARDO com o GEDDEL, volta e meia citava alguma coisa meio tangenciando a nós, a não sei o quê. Eu tô lá me defendendo. Como é que eu.. o quê que eu mais ou menos dei conta de fazer até agora: Eu tô de bem com o EDUARDO.
00:11:39 TEMER: Tem que manter isso, viu?
JOESLEY: Todo mês...
TEMER: (...) É.
A relação existente entre EDUARDO CUNHA, LÚCIO FUNARO, MICHEL TEMER e o grupo J & F deve ser contextualizada, a fim de que o diálogo transcrito possa ser compreendido em sua totalidade.
2.2.3 Da estreita relação existente entre a organização
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criminosa do PMDB da Câmara e o grupo J & F
Entre os diversos anexos trazidos pelos colaboradores da J & F, alguns se referem especificamente à prática de ilícitos decorren- tes da relação espúria existente entre o grupo econômico e os inte- grantes do PMDB da Câmara dos Deputados, a citar: (i) Caixa Econômica Federal/FI-FGTS (Anexo 4), (ii) Ministério da Agri- cultura (Anexo 5), (iii) A Conta-Corrente – LÚCIO FUNARO (Anexo 6), (iv) Renovação da desoneração da folha de pagamento (Anexo 07), (v) Eleição para a presidência na Câmara dos Deputa- dos (Anexo 8). É importante mencionar que os crimes narrados nos referidos anexos não são objeto específico da denúncia ora oferecida, mas a compreensão dos ilícitos ali descritos ajudará a entender o motivo pelo qual os integrantes do grupo do PMDB da Câmara dos Depu- tados reputavam imprescindível a manutenção do silêncio do ex- Deputado Federal EDUARDO CUNHA e do seu operador LÚ- CIO FUNARO, por meio da continuidade do pagamento de pro- pinas por JOESLEY BATISTA, mesmo depois da prisão daqueles na “Operação Lava Jato”. No anexo 4, intitulado “A interação com LÚCIO FUNARO CEF/FGTS”, JOESLEY MENDONÇA BATISTA, proprietário do Grupo J & F, explica como conheceu LÚCIO FUNARO e como este foi útil aos interesses do grupo J&F, no intuito de adqui- rir financiamento junto ao FI-FGTS para a Eldorado, empresa de celulose do grupo econômico.
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LÚCIO FUNARO, em um dos diálogos com JOESLEY BA- TISTA, também afirmara que, em conjunto com EDUARDO CU- NHA, tinha sido responsável pela nomeação de FÁBIO CLETO para o cargo de Vice-Presidente de Fundos de Governo e Loterias da Caixa Econômica Federal. FÁBIO CLETO era também repre- sentante do governo no Conselho Curador do FGTS. Em troca de intervenção a ser realizada, para a liberação de financiamentos que, segundo FUNARO, passariam por FÁBIO CLETO, foi solicitado o pagamento de propina no valor de 3 a 3,5% do montante a ser financiado. Em relação aos empréstimos obtidos perante a Caixa Econômica Federal, estima-se um total aproximado de R$ 57 mi- lhões em propinas pagas, enquanto em relação às aplicações do FI- FGTS na Eldorado, estima-se um valor de propinas de R$ 32,9 mi- lhões. No anexo 5, intitulado “EDUARDO CUNHA E LÚCIO FUNARO/Ministério da Agricultura”, JOESLEY BATISTA ex- plica que LÚCIO FUNARO o apresentou a RODRIGO FIGUEI- REDO, secretário da Secretaria de Defesa da Agropecuária – SDA, órgão do Ministério da Agricultura. FUNARO, como intermediá- rio de EDUARDO CUNHA, passou a oferecer influência para ob- tenção de atos de ofício no âmbito do Ministério da Agricultura, em troca de propina. JOESLEY BATISTA, nesse contexto, plei- teou a federalização do sistema de inspeção animal do Brasil, tarefa considera por EDUARDO CUNHA difícil, bem como normatiza- ções referentes à exportação de despojos e a vermífugos. Ao todo, por essas normatizações que foram implementadas e beneficiaram
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interesses econômicos do grupo J&F, foram pagos cerca de R$ 7 milhões em propinas. No anexo 6, intitulado “Conta-Corrente – LÚCIO FU- NARO”, JOESLEY explica que a relação entre o grupo econô- mico e o operador financeiro LÚCIO FUNARO era tão intensa, que foi criado pela J&F uma conta-corrente denominada “LÚCIO FUNARO”, na qual eram registrados os créditos e débitos decor- rentes do pagamento de propinas. Exemplificativamente, o colabo- rador narra que, em setembro de 2014, havia um saldo a favor do LÚCIO FUNARO de R$ 50 milhões de reais nessa contabilidade informal e paralela de vantagens indevidas. No anexo 7, JOESLEY BATISTA detalha o pagamento de propina no valor de R$ 20 milhões de reais para EDUARDO CU- NHA com o intuito de que fosse aprovada a renovação da desone- ração da folha de pagamento do setor de frangos. Explica o colaborador que a solicitação partiu de EDUARDO CUNHA. Do total, R$ 5 milhões foram pagos depois que ex-Deputado Federal foi preso, por meio do seu intermediário ALTAIR. No anexo 8, intitulado “Eleição de EDUARDO CUNHA para a presidência da Câmara dos Deputados”, JOESLEY BA- TISTA relata o pedido feito pelo então Deputado Federal EDU- ARDO CUNHA de propina no valor de R$ 30 milhões de reais, montante que seria endereçado para a campanha do deputado à presidência da Câmara dos Deputados. Interessante anotar que, do total de 30 milhões, cerca de R$ 5,6 milhões foram pagos por meio
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de doações oficiais ao PMDB Nacional e a vários correligionários de EDUARDO CUNHA. Dessa forma, verifica-se que a célula da Organização Crimi- nosa do PMDB da Câmara mantinha várias relações ilícitas com o grupo econômico J&F, em esquemas que ultrapassaram centenas de milhões de reais no pagamento de vantagem indevida. Esse pa- norama geral é importante pra compreender o mote dos crimes que ainda impendem ser investigados. Por isso, o Procurador- Geral da República postula a juntada, aos autos do inquérito nº 4.483, dos documentos constantes na PET 7.003 (homologação do acordo de colaboração integrantes do grupo J & F), referentes aos anexos de 04 a 08 do colaborador JOESLEY BATISTA.
2.4 Possíveis crimes que surgiram no decorrer das investiga- ções
2.4.1 Contextualização geral – menções às pessoas de “Ricardo”, “Celso”, “Edgar”, “Coronel” e “Yunes”, bem como das sociedades empresárias RODRIMAR S/A – Transportes, equipamentos e Armazéns Gerais e ARGEPLAN Arquitetura e Engenharia.
Durante as investigações, as provas produzidas no bojo das Ações Cautelares n. 4315 (ação controlada) e n. 4316 (interceptação telefônica) revelaram outros fatos penalmente relevantes, os quais merecem ser devidamente apurados em inquérito próprio.
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Conforme detalhado pela autoridade policial no Relatório Circunstanciado n. 03, datado de 08 de maio de 2017, constante da Ação Cautelar n. 4315, em um dos encontros realizados entre o denunciado RODRIGO LOURES e RICARDO SAUD, diretor de relações institucionais do grupo J&F, com o objetivo de tratar sobre a propina objeto da denúncia ora apresentada, uma terceira pessoa de nome “Ricardo” apareceu e conversou com os interlocutores. Segue trecho do diálogo, ocorrido na cafeteria Santo Grão, em São Paulo7:
( ...) RICARDO : ôh, RICARDO! RICARDO nosso amigo lá? OBS: uma terceira pessoa, também chamada RICARDO, chegou à presença de RODRIGO e RICARDO SAUD . A partir de então, passa-se a denominar RICARDO SAUD e simplesmente “RICARDO”. RODRIGO : é ele RICARDO SAUD : rapaz, você tá parecendo um boyzinho, tudo bom? E o nosso amigo CELSO? RICARDO : tá bem, tá joia RICARDO SAUD : Vem cá, senta aqui, vamo tomar uma aula aqui. Já a proveita e paga a conta aqui, Ricardo. (ininteligível) o Ricardo vai ficar brabo comigo RICARDO : não, deixa que eu pago aqui RICARDO SAUD : pelo amor de Deus, cadê o Celso pra nós fumar um charuto? RICARDO : pôh, vamo fumar! Eu, sexta-feira bati um papo longo com ele RICARDO SAUD : É mesmo. Ele tá bem? RICARDO : tá bem, tá legal RICARDO SA UD: tá lá com ele? RICARDO : tô RICARDO SAUD : (ininteligível) RICARDO : como maior prazer, poh, ele vai adorar. Tu tá rodando por aqui ou... RICARDO SAUD : eu tava nos Estados Unidos né, fiquei um ano lá e agora vou ficar
7 Diálogo referente a encontro ocorrido em 24/04/2017, na cafeteria Santo Grão, bairro Itaim Bibi, em São Paulo, conforme descrição do Relatório Circunstanciado nº 03, de 08 de maio de 2017.
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por aqui uns três ou quatro meses e vou embora RICARDO : (ininteligível) vocês levando pau toda hora hein? (ininteligível) RICARDO SAUD : viu Eldorado agora? (ininteligível) RICARDO : o Zé tá lá ainda RICARDO SAUD : tá igual ao Rodrigo ali. O Rodrigo tem um pé no Palácio e outro na Câmara. Você sabe que o chefe dele é um dos melhores amigos do Michel tem. Você sabia disso né? RODRIGO : sabia RICARDO SAUD : cara, não, você conhece ele? RODRIGO : conheço RICARDO SAUD : esse é do caralho. O Rodrigo é veiaco demais. Vem cá Rodrigo, por que você pôs um pé... O Rodrigo pôs um pé na Câmara, no Congresso Nacional, e um pé no Palácio. Ele tá igual aqueles dois pratos lá RICARDO SAUD : você vai pagar aí mesmo? RICARDO : vou
Em encontro seguinte, o denunciado RODRIGO LOURES, ao debater as formas de efetivar os pagamentos da propina, volta a mencionar o nome de “Ricardo”, que compareceu ao encontro supramencionado, bem como das pessoas de “Celso”, “Edgar” e “Coronel”, conforme transcrição de diálogo que segue8:
(...) RICARDO: Acho que lá, se for o cara da confiança de vocês, pô eu já entreguei dinheiro demais pro coronel lá, nunca deu problema RODRIGO : Nunca deu problema? ....ininteligível...esse é o problema RICARDO : Qual que é? RODRIGO : Esse é o problema....o coronel não pode mais e o outro não pode mais RICARDO : Ah, ele não pode mais? Se fosse ele não teria problema nenhum. Eu e ele...vai na escola...
(...) RODRIGO: Você viu o que aconteceu com o Lúcio?
8 A conversa ora transcrita ocorreu inicialmente no café Il Barista, no Shopping da Vila Olímpia, e, em seguida, no Restaurante Pecorino, no dia de 28/04/2017, por volta das 16h23min.
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RICARDO : Ah, mas Lúcio Funaro, veio... RODRIGO : ...tem que ser uma coisa.... RICARDO : Ah, você que sabe, se você quiser fazer RODRIGO : Eu até pensei, lembra daquele dia que nos encontramos, tomamos um café, que a gente encontrou com o teu xará? RICARDO : O Ricardo é.. RODRIGO : Esse é ...ininteligível.. RICARDO : Com o Ricardo ? RODRIGO : Isso. Com ele poderia fazer RICARDO : Tranquilo RODRIGO : Você conhece ele há muito tempo ou não? RICARDO : Ai eu queria ver se eu não faria com ele lá na JBS, talvez, na Escola não...eu gosto muito dele viu? RODRIGO : ininteligível...a atividade, vocês trabalham juntos...vocês se encontrarem, vocês... isso é uma coisa natural. Como eu que vim comprar... RICARDO : A calça RODRIGO : A calça...ininteligível...mandou vir junto RICARDO : Mas ele depois repassa isso direitinho, vai guardando? Bom ai....você que sabe RODRIGO : Lá tem um amigo... o Celso é muito amigo dele RICARDO : É? Ele é muito amigo do presidente, do nosso presidente... RODRIGO : Ele é RICARDO : E o Presidente confia nele a esse ponto? RODRIGO : ininteligível... RICARDO : Sério? Eu gosto daquele Celso sabia? RODRIGO : Gente fina RICARDO : Muito... e a vida inteira ele foi Michel, viu? Hora nenhuma ele bandeou pro lado da Dilma... RODRIGO : Inclusive.... RICARDO : Por que o cara não vem aqui? Ele é um cara firme, não sei o tamanho da confiança... Pode ué RODRIGO : Então vamos fazer o seguinte...eu vou...ininteligível...com o Edgar. Se o Edgar ....tem duas opções: o Edgar ou o teu xará. RICARDO : Pra mim é mais confortável com o Edgar RODRIGO : Você não conhece e ele também não te conhece RICARDO : O problema é o seguinte, a gente já fez muito negócio lá com o Ricardo e com o Celso...bom se é da confiança do chefe, não tem problema nenhum... RODRIGO : não, não, vocês que têm que resolver, porque, na realidade...você não tá confortável, você diz que não tá confortável e ponto RICARDO : Não...não sei como é que eu explico esse trem...eu quero facilitar pra vocês...eu quero facilitar o que for e a gente já faz....pra ver como é que é...pegando confiança...ninguém vai contar isso...certinho, nós não falhamos. Agora, na escola você pode
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mandar qualquer um RODRIGO : Eu não sabia da escola, isso é uma coisa maravilhosa, isso é maravilhoso RICARDO : É ué, resolve tudo RODRIGO : Isso é maravilhoso. Então vamos fazer assim, você...eu vou pra Nova Iorque naquele final de semana, se o Joesley tiver lá quem sabe falo com ele... RICARDO : Já falei com ele viu, quer te esperar lá RODRIGO : Ele vai tá lá? RICARDO : Ele não quer voltar não RODRIGO : Acho que ele tem que se cuidar RICARDO : É...e tá bem assim graças a Deus...eu tô de longe, eu não tô... RODRIGO : agora, você trabalha no grupo? RICARDO : Eu nunca sai na verdade né, fui pros Estados Unidos na transição aí pra ninguém...o Eduardo muito meu amigo, não posso falar que não é...bom, era amigo de nós todos né? RODRIGO : Saiu uma notícia hoje no Valor você leu? RICARDO : Não, do Eduardo? Falando o quê? RODRIGO : ininteligível RICARDO : Porra não brinca, não falou de nós não? RODRIGO : Não... RICARDO : Eu fui um dos caras que ajudei muito o Eduardo pra eleição dele pra Câmara...mas o presidente tava naquela época o.....(amigo...preciso tomar um remédio, o cara não me dá o trem pra tomar o remédio.....você me arruma uma água com gás com gelo e limão). Você tá olhando aí, não, tá olhando outra coisa né? Deixa eu ver aqui o valor... o valor de hoje? RODRIGO : É, anota aqui pra mim... RICARDO : O que é? RODRIGO : Esse aqui daí eu levo né, de brinde... RICARDO : Anotar o quê? RODRIGO : Não, o gerente...desculpa...o valor de hoje RICARDO : Não, o valor da outra semana né? Nós temos aqui ó 448 RODRIGO : Tá bom... RICARDO : Você vê, de 320, óh, de 320 pra 448.. RODRIGO : então olha aqui RICARDO : Você vê, a gente não guarda papel, mas é assim ó você já tem isso, isso e agora mais isso. Tá vendo porque não dá pra fazer nota? RODRIGO : então nós vamos fazer assim....me mandaram uma reportagem aqui e eu tô tentando localizar RICARDO : Tô vendo também...
Depreende-se dos diálogos que “Ricardo”, “Celso”, “Edgar” e “Coronel” são possivelmente pessoas que intermediavam
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pagamentos ilícitos para RODRIGO LOURES e o Presidente da República, MICHEL TEMER. No diálogo resta explicitado que a pessoa identificada como “Celso” é também da total confiança de MICHEL TEMER. Neste contexto é que a RODRIMAR S/A – Transportes, Equipamentos e Armazéns Gerais surge no bojo da investigação. A terceira pessoa que chegou ao final da conversa realizada em 24/04/17, na cafeteria Santo Grão, em São Paulo, foi identificada como sendo RICARDO CONRADO MESQUITA, diretor da RODRIMAR S/A. No encontro seguinte, ao indicar RICARDO MESQUITA como alternativa para operar os valores de que tratavam, RODRIGO LOURES repassou a RICARDO SAUD o cartão abaixo:
A pessoa citada no diálogo como “Celso”, referido como “muito amigo” do Presidente da República, MICHEL TEMER, foi identificado como sendo ANTÔNIO CELSO GRECCO, sócio e presidente da mesma RODRIMAR S/A. Em depoimento prestado na Procuradoria-Geral da
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República em 10.05.2017, sobre os fatos relacionados aos denunciados RODRIGO LOURES e MICHEL TEMER, RICARDO SAUD esclareceu o seguinte: “A hora em que eu estava levantando para ir embora, veio uma pessoa de nome Ricardo, que eu até conheço, ele é diretor também de relações institucional do grupo RODRIMAR, lá de Santos (…) O RODRIGO pegou e falou 'olha, esse ai é seu xará, você sabe? (...) Depois eu quero te falar sobre ele' (…)” (vide a partir dos 09min45s).
Ao ser indagado sobre se o encontro com RICARDO MESQUITA da RODRIMAR S/ A. teria sido por acaso, RICARDO SAUD explica: “Não, ele estava lá para uma segunda reunião, pelo que eu entendi, com ele (Rodrigo), e na entrega de dinheiro do dia 28/04 eu vou te explicar porque que ele queria me apresentar. Eles são muito amigos, e o CELSO da RODRIMAR é muito amigo do TEMER há muitos anos” (vide a partir dos 10min15s).
Sobre os detalhes para a entrega do dinheiro, RICARDO SAUD esclarece: “Ele (RODRIGO LOURES) veio com a ideia do RICARDO (MESQUITA), que é esse rapaz que ele tinha me apresentado. Ele enfiou a mão no bolso, tirou um cartão, e falou então você vai entregar ao Ricardo da RODRIMAR. Eu falei não, nós já tivemos um problema com o CELSO (dono da RODRIMAR), já te falei, eu não vou entregar pro RICARDO (a partir de 17min40s)”.
Em relação à pessoa identificada no diálogo como “Coronel”, RICARDO SAUD também esclarece: “Como eu tinha entregado, eu não, eu autorizei o Florisvaldo entregar 1 milhão de reais a mando do
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MICHEL TEMER, para o Coronel Lima, lá, cara que foi Secretário de Segurança de São Paulo, eu entendi que ia ser ele que ia continuar, né, ai eu falei como ele então vamos continuar onde eu já entreguei, não, não, lá os canais estão congestionados. Era lá na ARGEPLAN” (a partir de 20min47). Constata-se, portanto, que o coronel referido é JOÃO BATISTA LIMA FILHO9, proprietário da empresa ARGEPLAN ARQUITETURA e ENGENHARIA.
Deve-se mencionar, ainda, que no âmbito do inquérito nº 310510, instaurado para investigar possíveis crimes cometidos pelo então deputado federal MICHEL TEMER e MARCELO DE AZEREDO, por fatos relativos à Companhia de Docas do Estado de São Paulo, aparece a figura de “LIMA” como um dos possíveis destinatários de propinas pagas. Existem, ainda, menções ao nome de JOSÉ YUNES. Conforme restou descrito na denúncia, dentre as opções disponíveis, a que contou com a aceitação de RODRIGO LOURES foi mesmo a hipótese de entrega do numerário em espécie, nas dependências da ESCOLA GERMINARE (localizada no terreno contíguo ao da sede da JBS), dadas as características de suas instalações e pelo fato de já ter servido de local para operações do gênero, como afirmou RICARDO SAUD. Ao tratarem mais a fundo dessa alternativa, RODRIGO LOURES foi claro ao afirmar, em suma, que, além do
9 A autoridade policial, no Relatório Parcial, informa que: João Batista Lima Filho, apesar de intimado a prestar esclarecimentos, “apresentou comprovações de sua impossibilidade de ser inquirido (fls. 520/533). 10 O inquérito, que tramitou sob relatoria do Ministro Marco Aurélio, foi arquivado por falta de provas, conforme manifestação da PGR nº 3963, datada de 08 de abril de 2011.
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“CORONEL”, YUNES11 também não poderiam mais receber o dinheiro. JOSÉ YUNES é indicado por colaboradores da ODEBRECHT como um dos responsáveis por receber valores de propina para membros do PMDB (vide inquérito nº 4462):
RODRIGO LOURES: este é o problema, o coronel não pode mais. O Yunes não pode mais. RICARDO SAUD: Ah, não pode mais? Se fosse ele não teria problema nenhum. Eu e ele. Não, mas vai na escola... RODRIGO LOURES: Mas você viu o que aconteceu com Yu - nes? RICARDO SAUD: Ah, mas o Lúcio Funaro. 12
Por essa razão, tal tarefa seria confiada a uma pessoa chamada “EDGAR”. Segundo a polícia federal, a identidade de “EDGAR” seria EDGAR RAFAEL SAFDIE, conforme abaixo mencionado no Relatório Parcial da Polícia Federal:
O esforço investigativo para identificar e obter esclarecimentos do mencionado “EDGAR” redundou na elaboração da Informação Policial nº 28 - GINQ/STF/DICOR/PF, que trouxe à baila o nome EDGAR RAFAEL SAFDIE, empresário atuante no setor imobiliário, financeiro e de participações, o que se deu por força dos registros de ligações telefônicas em aparelho apreendido com RICARDO DA ROCHA LOURES. Ouvido a respeito, fls. 655/657, EDGAR reconheceu a relação de longa data que mantém com
11 A relação entre MICHEL TEMER e JOSÉ YUNES é fato público e notório: https://oglobo.globo.com/brasil/jose-yunes-junto-temer-da-faculdade-ao-planalto-20649885. Note- se que JOSÉ YUNES é indicado da colaboração da ODEBRECHT como responsável por receber valores de propina destinados a ELISEU PADILHA e WELLINGTON MOREIRA FRANCO. Todos os citados são próximo ao Presidente da República MICHEL TEMER: https://oglobo.globo.com/brasil/yunes-pede-demissao-temer-depois-de-ser-citado-em-delacao-da- odebrecht-20646694 12 A partir dos 22 min do áudio EventoSP.V1-40128.98.avi.
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RODRIGO, rechaçando, no entanto, qualquer participação ou conhecimento dos fatos que estão sendo apurados. De relevante, apenas, a informação de que esteve reunido com RODRIGO DA ROCHA LOURES no dia 23/04/17, em São Paulo, véspera do nome “EDGAR” ter sido ofertado para operar valores advindos da JBS. Não houve tempo hábil para um maior aprofundamento dessa questão particular.
Os elementos de informação até então colhidos indicam que as pessoas de “Ricardo” ( RICARDO CONRADO MESQUITA), “Celso” ( ANTÔNIO CELSO GRECCO), “Edgar” ( EDGAR RAFAEL SAFDIE), “Coronel” ( JOÃO BATISTA LIMA FILHO) e JOSÉ YUNES intermediaram o repasses de valores ilícitos em favor dos denunciados.
2.4.2 Da promulgação do chamado “Decreto dos Portos”.
Também no decorrer das investigações, foram interceptadas ligações telefônicas de RODRIGO LOURES que indicam a promulgação de, pelo menos, um ato normativo recente que beneficiara diretamente a RODRIMAR S.A., empresa na qual atuam RICARDO CONRADO MESQUITA, diretor, e ANTÔNIO CELSO GRECCO, sócio e presidente. Foi o chamado “Decreto do Portos”. No Auto Circunstanciado nº 02/2017, datado de 08 de maio de 2017, constante da Ação Cautelar n. 4316, a Polícia Federal assim tratou do tema especificamente acerca da RODRIMAR S.A, :
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Decreto dos Portos Este evento possivelmente trata da edição do Decreto de Regulamentação dos Portos, que está em estudo nas áreas técnicas do Governo Federal, conforme reportagens abaixo:
Conforme consta na reportagem acima descrita, o Governo Federal estuda conceder um prazo de 70 (setenta) anos para as empresas arrendatárias:
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O senador WELLINGTON FAGUNDES é autor do projeto de lei do Senado nº 768/2015, o qual entre outras coisas, estabelece que a “...cessão de espaço físico em águas públicas necessárias para o funcionamento de instalações portuárias será sempre gratuita...”.
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RICARDO CONRADO MESQUITA é membro do Conselho Deliberativo da ABPT – Associação Brasileira dos Terminais Portuários e Diretor da empresa RODRIMAR, a qual possui interesse na regulamentação da concessão das áreas de terminais portuários, conforme publicado em reportagem do VALOR ECONÔMICO, em 25/01/2017:
Abaixo apresentamos, em ordem cronológica, as chamadas telefônicas que tratam do referido tema.
Possivelmente o citado Ministro MAURÍCIO seja O Deputado Federal MAURÍCIO QUINTELLA MALTA LESSA (PR/AL), atual Ministro dos Transportes, Portos e Aviação Civil.
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Na sequência de diálogos abaixo RODRIGO SANTOS tenta confirmar se o Presidente da República assinou o referido Decreto, consultando o próprio Presidente MICHEL TEMER sobre o assunto:
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Após a negativa do Presidente MICHEL TEMER, RODRIGO SANTOS volta a ligar para RICARDO e para o senador WELLINGTON FAGUNDES:
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O auto circunstanciado nº 03/2017, datado de 26 de maio de 2017, traz também importante conversa existente entre RODRIGO LOURES e GUSTAVO DO VALE ROCHA, subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil, sobre o referido Decreto. Expressamente GUSTAVO ROCHA menciona que “realmente é uma exposição muito grande para o presidente se a gente colocar isso... já conseguiram coisas demais nesse decreto”. Consta do referido relatório da Polícia Federal:
Dando continuidade em observância a análise anterior, quanto ao período estudado que foi divido em quatro eventos que mereceram destaque, são eles: Vínculo com o Palácio do Planalto, Decreto dos Portos, Pleitos de GANDINI e Viagens para São Paulo em 24 e 27 de abril de 2017. Dessa partilha, observar-se que os assuntos referentes ao Vínculo com o Palácio do Planalto e Decreto dos Portos se perdura para o período em exame, como exposto abaixo.
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No áudio ID 3419414, o Deputado RODRIGO LOURES dialoga com GUSTAVO DO VALE ROCHA, Subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, para tratar de assuntos referentes ao PRÉ 93, mas GUSTAVO informa que já atendeu o que era possível em relação essa matéria, e RODRIGO insiste para que as pessoas interessadas devam ser pelo menos serem recebidas e ouvidas.
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Nesse mesmo relatório da Polícia Federal, consta trecho de conversa travada entre RODRIGO LOURES, ora denunciado, e RICARDO CONRADO MESQUITA, cogitado como um dos operadores financeiros para receber o dinheiro de propina paga no caso ora denunciado, sobre o Decreto dos Portos. Informa a Polícia Federal:
No áudio de ID 34663895, o referido parlamentar RODRIGO LOURES conversa com RICARDO CONRADO MESQUITA - membro do Conselho Deliberativo da ABPT – Associação Brasileira dos Terminais Portuários e Diretor da empresa RODRIMAR, que se utiliza do terminal (11)98335-3212, conforme cadastro.
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Em 10 de maio de 2017, realmente, foi editado o Decreto nº 9.048/2017, o qual “Altera o Decreto nº 8.033, de 27 de junho de 2013, que regulamenta o disposto na Lei nº 12.815, de 5 de junho de 2013, e as demais disposições legais que regulam a exploração de portos organizados e de instalações portuárias”.
Têm-se, pois, elementos de prova no sentido de que (i) o denunciado RODRIGO LOURES, homem de total confiança do
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também denunciado MICHEL TEMER, não apenas mencionou diversas pessoas que poderiam ser intermediárias de repasses financeiros ilícitos (“Ricardo”, “Celso”, “Edgar”, o “Coronel” e José Yunes) para TEMER, como também (ii) atuou para produção de ato normativo que beneficiara justamente a sociedade empresária possivelmente ligada às figuras de “Ricardo” e “Celso”, no caso a RODRIMAR S.A., nas pessoas de RICARDO CONRADO MESQUITA, diretor, e ANTÔNIO CELSO GRECCO, sócio e presidente.
2.4.3 Da necessidade de instauração de novo inquérito para investigar esses fatos
Dessa maneira, há nos autos elementos suficientes que justificam a instauração de investigação específica para melhor elucidar os fatos, de maneira não apenas a confirmar a identidade das pessoas mencionadas, como também esclarecer em quais circunstâncias atuaram para repassar dinheiro ilícito aos denunciados.
Ainda, deve-se apurar de que maneira os serviços eventualmente prestados por representantes da RODRIMAR S.A., RICARDO CONRADO MESQUITA, diretor, e ANTÔNIO CELSO GRECCO, sócio e presidente, estão vinculados à edição do Decreto dos Portos (Decreto nº 9.048/2017), assinado pelo próprio MICHEL TEMER.
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Tudo deve ser analisado à luz da realidade revelada pelas investigações da “Operação da Lava Jato”. Não raras vezes, os núcleos da organização criminosa se movimentam para gerar benefícios ilícitos entre si. Nesse sentido, existem já diversas investigações13 nas quais o núcleo político produz atos normativos que beneficiam diretamente o núcleo econômico, esperando vantagem indevida em troca. Essa hipótese, no contexto dos diálogos captados e interceptados, não pode deixar de ser perquirida.
Deve-se ainda mencionar que não existe empecilho, neste caso, para investigar o presidente da República. Isso porque há elementos que indicam a prática de atos no exercício do mandato, vez que relacionados à promulgação do referido Decreto dos Portos, ocorrida em 10 de maio de 2017. Assim, resta afastada a prerrogativa prevista no art. 85, §4º, da Constituição Federal14.
2.4.4 Da tipificação das condutas
As condutas acima narradas enquadram-se, em tese, a possível prática dos crimes de lavagem de ativos e/ou de corrupção ativa e passiva, conforme prescrição do art. 1º, §§1º e 2º, da Lei 9.613/1998, bem como dos arts. 317 e 333 do Código Penal:
13Inquérito nº 4426 (referente a MP 627), Inquérito nº 4437 (referentes às Mps 470, 472 e 613), Inquérito nº 4413 (referente à MP 651-14), Inquérito 4389 (referente à MP 677), todos em trâmite no Supremo Tribunal Federal. 14 Constituição Federal. Art. 85, §4º, O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.
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Lei 9.613/1998 Art. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa. § 1o Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal: I - os converte em ativos lícitos; II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere; III - importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros. § 2o Incorre, ainda, na mesma pena quem: I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal; II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.
(…)
Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003) § 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional. § 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
(...) Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica
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infringindo dever funcional.
2.4.5 Da instauração de inquérito e das diligências
Dessa maneira, o Procurador-Geral da República reputa necessário que seja extraída cópia integral dos autos e seja instaurado um novo inquérito em face de MICHEL MIGUEL ELIAS TEMER LULIA, RODRIGO ROCHA DOS SANTOS LOURES e outros, a fim de que os fatos aqui relatados sejam investigados em toda a sua extensão.
Dentro do prazo inicial de 30 (trinta) dias, vislumbram-se as seguintes diligências, sem prejuízo de outras que a autoridade policial entenda também relevante: (i) oitiva de ANTÔNIO CELSO GRECCO, JOÃO BATISTA LIMA FILHO, GUSTAVO DO VALE ROCHA e JOSÉ YUNES; (ii) autorização para o compartilhamento do do material apreendido no bojo da Ação Cautelar n. 4.328 (Busca e Apreensão) e suas respectivas análises.
2.4.6 Da análise de possível prevenção em razão do Inquérito nº 3105
Em 2011, foi arquivado o inquérito nº 3105/SP, o qual es- tava sob a relatoria do Exmo. Ministro MARCO AURÉLIO. Nele se investigava possível repasse de propina endereçada a MAR- CELO DE AZEREDO e MICHEL TEMER, tendo como o
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contexto fático de fundo a Companhia de Docas do Estado de São Paulo – CODESP.
É preciso analisar detalhadamente os autos do inquérito nº 3105, a fim de verificar se os fatos ora mencionados são conexos àqueles. Isso é importante para saber se existe eventual prevenção do exmo. Ministro MARCO AURÉLIO para análise deste novo in- quérito.
Dessa forma, com a finalidade de se analisar eventual pre- venção, o Procurador-Geral da República informa que providenci- ará vistas dos autos do inquérito nº 3105/SP, com o objetivo de cotejar os fatos ali investigados e os aqui mencionados, de maneira a se posicionar sobre possível prevenção.
3. Da situação do colaboradores JOESLEY BATISTA e RI- CARDO SAUD
No tocante às condutas praticadas pelos colaboradores JOES- LEY MENDONÇA BATISTA e RICARDO SAUD, sabe-se que eles ofereceram, bem como pagaram propinas aos denunciados MICHEL TEMER e RODRIGO LOURES, conforme descri- ção fática contida na peça acusatória.
Entretanto, deixa-se de oferecer denúncia em face de JOES- LEY BATISTA e RICARDO SAUD em virtude do que dispõe cláusula dos acordos de colaboração premiada firmado com a Pro- curadoria-Geral da República, devidamente homologado pelo Su-
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premo Tribunal Federal. A cláusula 4ª do acordo de colaboração premiada prevê o seguinte:
Cláusula 4ª. Considerados os antecedentes e a personalidade do COLA- BORADOR, bem como a gravidade dos fatos por eles praticados e a re- percussão social dos fatos criminosos, uma vez cumpridas integralmente as condições impostas neste acordo para o recebimento dos benefícios, desde que efetivamente sejam obtidos os resultados previstos nos incisos I, II, III ou IV, do art. 4º, da Lei Federal nº 12.850/2013, o Procurador- Geral da República, em relação aos fatos apresentados nos anexos forne- cidos nesta data, objeto de investigação criminal já em curso ou que po- derá ser instaurada em decorrência da presente colaboração, oferecerá ao COLABORADOR o benefício legal do não oferecimento de denúncia, nos termos do art. 4º, §4º, da Lei 12.850/2013.
4. Do dano moral coletivo (Artigo 387, IV, do CPP)
O artigo 387, IV, do Código de Processo Penal, reza:
Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória: (Vide Lei nº 11.719, de 2008) IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infra- ção, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido; (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).
Nota-se que o mencionado dispositivo não restringe a inde- nização a danos patrimoniais. Refere-se, ao contrário, generica- mente a “reparação de danos”. Portanto, a possibilidade de ser arbitrado valor de danos morais coletivos não pode ser excluída da seara criminal. Nesse sentido, Renato Brasileiro:
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“A nosso ver, como referido dispositivo legal faz menção genérica aos danos causados pela infração, sem estabelecer qualquer restrição quanto à es- pécie, depreende-se que a lei não quis restringir a reparação apenas aos danos patrimoniais. (...) Se esta fixação visa antecipar, ao menos em par- te, o valor que seria apurado em ulterior liquidação de sentença no juízo cível, na qual toda e qualquer espécie de dano poderia ser objeto de quantificação, não há por que se negar ao juiz criminal a possibilidade de quantificá-los, desde já, na própria sentença condenatória.”15
No mesmo diapasão, o seguinte trecho do voto condutor no REsp 1.585.684-DF:
“No entanto, considerando que a norma não limitou e nem regulamen- tou como será quantificado o valor mínimo para a indenização e consi- derando que a legislação penal sempre priorizou o ressarcimento da vítima em relação aos prejuízos sofridos, creio que o juiz que se sentir apto, diante do caso concreto, a quantificar, ao menos o mínimo, o va- lor do dano moral sofrido pela vítima, não poderá ser impedido de o fa- zer.
Porém, nesse caso, em decorrência do dever de fundamentação de toda e qualquer decisão judicial, deverá o juiz, ao fixar o valor de indenização previsto no artigo 387, IV, do CPP, fundamentar minimamente a op- ção, indicando o quantum refere-se ao dano moral.”
Com efeito, não se nega que MICHEL TEMER tem, atu- almente, projeção política. Afinal de contas, é o atual Presidente da República, tendo sido vice-presidente da República de 2011 a 2016. É um dos chamados caciques do PMDB, foi eleito presidente da Câmara dos Deputados por duas vezes e eleito presidente nacional de seu partido em 2001. Ludibriou os cidadãos brasileiros e, sobre- tudo, os eleitores, que escolheram a sua chapa para o cargo político
15Manual de Processo Penal. 3. ed. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 318.
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mais importante do país, confiando mais de 54 milhões de votos nas últimas eleições16.
Em dimensão menor, mas no mesmo sentido, deve-se re- gistrar que RODRIGO LOURES violou a dignidade do cargo que ocupou como Deputado Federal. A cena do parlamentar correndo pela rua, carregando uma mala cheia de recursos espúrios, é uma afronta ao cidadão e ao cargo público que ocupava. Foi subservien- te, valendo-se de seu cargo para servir de executor de práticas espú- rias de MICHEL TEMER.
Não há dúvida, portanto, de que o delito perpetrado pelos imputados MICHEL TEMER e RODRIGO LOURES, em co- munhão de ação e unidade de desígnios, causou abalo moral à cole- tividade, interesse este que não pode ficar sem reparação. Nesse sentido, ao definir dano moral coletivo, anote-se a seguinte doutri- na:
“é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção do fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absoluta- mente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isto dizer, em úl- tima instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial.”17
16 No segundo turno, a Chapa vencedora recebeu R$ 54.483.045 votos. Vide em https://www.eleicoes2014.com.br/candidatos-presidente/, acessado em 21 de jun. de 2017. 17 BITTAR, Carlos Alberto. Do Dano Moral Coletivo no Atual Contexto Jurídico Brasileiro, in Direito do Consumidor, vl. 12, p. 44/62.
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Os fatos perpetrados pelos denunciados, devidamente des- critos na peça acusatória, possuem significância que transportam os limites da tolerabilidade, causando frustração à comunidade. Os crimes praticados à sorrelfa, valendo-se de seus mandatos eletivos, possuem alto grau de reprovabilidade, causam comoção social, des- crédito, além de serem capazes de produzir intranquilidade social e descrença da população, vítima mediata da prática criminosa de tal espécie.
Mas não só ao cidadão: a repercussão negativa do fato per- petrado pelo Presidente da República e por Deputado Federal ajuda a comprometer a imagem da República Federativa do Brasil, do parlamento, da Presidência da República, bem como de seus in- tegrantes, os quais deveriam gozar de certo conceito junto à coleti- vidade e dos quais depende o equilíbrio político.
Destarte, o pagamento de indenização por dano extrapatri- monial coletivo é passível de, no futuro, somado à sanção restritiva de liberdade, ajudar a evitar a banalização do ato criminoso perpe- trado pelos denunciados e, outrossim, inibir a ocorrência de novas lesões à coletividade.
Ademais, os interesses privados dos acusados passaram a prevalecer sobre a defesa do interesse público, valor que deveria ser por ele devidamente observado. Em outras palavras: MICHEL TEMER e RODRIGO LOURES desvirtuaram as importantes funções públicas que exercem, visando, apenas, ao atendimento de seus interesses escusos.
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Assim, em uma avaliação preliminar, já que o disposto no ar- tigo 387, IV, do CPP, determina que serão fixados “valores mínimos” para reparação do dano, deve-se levar em consideração a dimensão da mácula causada à coletividade, à reputação do próprio Estado brasileiro, a envergadura dos atores dos atos de corrupção e o re- flexo de suas condutas, em razão dos cargos que ocupam.
Dessa forma, em razão de todos os malefícios sociais gera- dos, além da sanção de natureza criminal, é importante que as re- primendas também atinjam aquilo que é o móvel da prática dos atos de corrupção: os bens do agente público e de pessoas próxi- mas a eles, auxiliadores da prática espúria. Sobre o tema, anote-se a segundo a doutrina:
“(...) entendemos que o valor da indenização deve ser suficiente para desestimular novas práticas ilícitas e para possibilitar que o Poder Público implemente atividades paralelas que possam contorna r o ilícito praticado e recompor a paz social . (...)”18
Nota-se, assim, que são graves os ilícitos praticados pelos acusados, revelando os elementos dos autos que os envolvidos agi- ram com absoluto menoscabo e desrespeito à própria função de Presidente da República e de Deputado Federal que MICHEL TEMER e RODRIGO LOURES exercem, respectivamente, à coisa pública e aos valores republicanos, tudo a reforçar a necessi- dade de reparação de dano moral à coletividade.
Ressalte-se, por fim, que, atualmente, cada vez mais a dou- trina aponta para a importância de constrição de valores e repara- 18 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa, 7ª edição, 2013.
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ção do dano causado pelo delito. Realmente, pouco valor possui uma condenação em que o agente criminoso venha a ter lucro com a atividade delitiva, beneficiando-se do crime. Seria o reconheci- mento de que o crime compensa.
Portanto, conforme já pleiteado na peça acusatória, levando- se em consideração o montante aceito e recebido pelos denuncia- dos, a dignidade do cargo que ocupam, o reflexo do ato espúrio no âmbito interno e internacional, a envergadura dos atores das con- dutas espúrias, Procurador-Geral da República requer, como já so- licitado no bojo da peça acusatória, que MICHEL TEMER e RODRIGO LOURES sejam condenados à indenização por da- nos morais no montante de R$ 10.000.000,00, o primeiro, e R$ 2.000.000,00, para o último.
5. Do prazo em que o inquérito permaneceu na Procuradoria- Geral da República.
É importante registrar que o Inquérito n. 4.483 apenas foi re- metido, por meio virtual, à Procuradoria-Geral da República no dia 22.06.2017. De toda forma, o Procurador-Geral da República man- teve a data final de oferecimento da denúncia para 26.06.2017, a fim de se evitar qualquer alegação de excesso de prazo que possa macular as prisões cautelares vigentes, referentes aos fatos tratados na denúncia.
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6. Da conclusão da análise dos materiais apreendidos nas buscas e apreensões nº 4324 (EDUARDO CUNHA e LÚCIO FUNARO) e nº 4328 (RODRIGO LOURES).
As Ações Cautelares n. 4.324 e n. 4.328 referem-se a buscas e apreensões relacionadas a fatos investigados no bojo do presente inquérito. Faz-se imprescindível que o Supremo Tribunal Federal estabeleça um prazo razoável para que a Polícia Federal conclua as análises dos materiais apreendidos e elabore os relatórios pertinen- tes.
Dessa maneira, o Procurador-Geral da República entende que seja assinalado um prazo máximo de 30 (trinta) dias para a conclu- são dos trabalhos referentes à análise do referido material.
Deve-se registrar que o material em referência foi apreendido em 18.05.2017, portanto, há mais de um mês, existindo, por isso, tempo suficiente para o órgão policial realizar o seu trabalho, haja vista o acréscimo proposto de 30 (trinta) dias.
7. Requerimentos
Forte nas razões acima expostas, o Procurador-Geral da Re- pública requer:
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(a) a cisão do inquérito 4.483/DF, trasladando-se em cópia todo o apuratório para novo procedimento tombado na classe INQ, ao qual deve ser acostada a denúncia hoje ofertada, bem como cópia da presente cota, mantendo-se nos presentes autos as apurações dos delitos remanescentes19;
(b) o regular processamento da denúncia, com o seu recebi- mento e a consequente instrução processual, conforme disposto na Constituição Federal, na Lei n. 8.038/1990 e no RI-STF. A denún- cia e os elementos informativos que a acompanham, após o cum- primento do disposto nos arts. 4º e 5º da Lei 8.038/1990, deve ser remetida à admissão da acusação pela Câmara dos Deputados, nos termos do art. 86 da Constituição Federal. Uma vez admitida pelo quórum constitucional na Câmara, a acusação deve ser submetida a recebimento, processamento e julgamento perante o Supremo Tri- bunal Federal;
(c) pelo compartilhamento das provas do inquérito nº 4.483 para o inquérito nº 4.327 (organização criminosa do PMDB da Câ- mara dos Deputados); (d) a remessa de cópia integral dos autos à Justiça Federal de Brasília, a fim de que seja dada vista à Procuradoria da República no Distrito Federal, para adoção das providências pertinentes em relação à eventual prática de crime por parte de servidores do Con-
19 Providência equivalente foi tomada nos autos do INQ 3883 (que tem como investigado o Senador Fernando Collor de Mello) no qual, oferecida a denúncia referente a parcela dos cri- mes em investigação, inaugurou-se novo apuratório, o Inq 4112, ao qual foi acostada a peça acusatória.
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selho Administrativo de Defesa Econômica – CADE e da Petro- bras;
(e) a juntada aos autos do inquérito nº 4483 dos documentos constantes na PET 7.003 referentes aos anexos de 04 a 08 do cola- borador JOESLEY BATISTA;
(f) a extração de cópia integral dos autos e a consequente instauração de novo inquérito em face de MICHEL MIGUEL ELIAS TEMER LULIA, RODRIGO SANTOS DA ROCHA LOURES e outros, a fim de que os fatos relacionados ao “Decreto dos Portos” sejam investigados, indicando-se, desde já, as seguintes diligências iniciais para serem cumpridas no prazo inicial de 30 (trinta) dias, sem prejuízo de outras que porventura exsurjam pertinentes ao escopo investigatório: (i) oitiva de ANTÔNIO CELSO GRECCO, JOÃO BATISTA LIMA FILHO, GUSTAVO DO VALE ROCHA e JOSÉ YUNES; (ii) autorização para o compartilhamento do do material apreendido no bojo da Ação Cautelar n. 4.328 (Busca e Apreensão) e suas respectivas análises. Registre-se, ainda, que a possível prevenção do Ministro Marco Aurélio, em relação ao Inquérito nº 3105, será analisada a partir de pedido de vista do Procurador-Geral da República nos referidos autos, e, logo em seguida, será formulado requerimento específico ao Supremo Tribunal Federal; e (g) que seja estabelecido um prazo máximo de 30 (trinta) dias para a conclusão dos trabalhos referentes à análise do material apreendido constante no bojo das ações cautelares nº 4324 (EDUARDO CUNHA e LÚCIO FUNARO) e nº 4328
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(RODRIGO LOURES). Tendo em vista que a documentação anexa à denúncia ultrapassa o limite de 10 MB para o peticionamento eletrônico, informa que os documentos serão apresentados no primeiro dia subsequente. Por fim, o Ministério Público consigna que a ausência de inclusão de outras pessoas ou fatos na denúncia não significa arquivamento implícito ou indireto.
Brasília, 26 de junho de 2017
Rodrigo Janot Monteiro de Barros
Procurador-Geral da República
FA/CN/DS/RPQ
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