Se há um verbete que vai entrar para a história de 2015 é o termo “pedaladas fiscais”. Foi assim que ficaram conhecidas as distorções contábeis do Governo Dilma para maquiar rombos no orçamento do ano passado. A estratégia, que colocou a presidenta na corda bamba do cargo, trouxe efeitos colaterais para a economia deste ano e pode aumentar o tamanho do déficit fiscal do Brasil, hoje calculado em 52 bilhões de reais, segundo a equipe econômica do Governo. Com as pedaladas, esse rombo das contas públicas pode superar os 100 bilhões de reais.
Mas o fato é que com menos receitas e num momento de necessidade de apertar o cinto, as pedaladas estão aumentando as despesas do Governo, mantendo o país no 'cheque especial'. Elas somavam, até dezembro de 2014, cerca de 50 bilhões de reais, valor até acima dos 40 bilhões de reais apurados pelo Tribunal de Contas da União, que rejeitou, por unanimidade, as contas de Dilma por ter ultrapassado o limite que a Lei de Responsabilidade Fiscal impõe.Nesta quarta, o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, encaminha ao Senado a defesa dessas manobras contábeis que estão trazendo consequências em 2015. Uma das linhas de argumentação da Advocacia Geral da União é que as pedaladas já foram utilizadas diversas vezes em outras gestões. O ex-presidente Lula chegou a dizer que a tal contabilidade criativa visava proteger os brasileiros mais vulneráveis para que não faltassem recursos para programas essenciais como Minha Casa Minha Vida.
É desse rechaço das contas públicas que a oposição no Brasil se alimenta. São as pedaladas que endossaram os pedidos deimpeachment à presidenta Dilma, que voltam à baila em novembro, quando o Congresso pode dar seguimento ao pedido endossado pelo jurista Miguel Reale Junior e o ex-petista Hélio Bicudo.
- Mas além de uma brecha para a queda de Dilma, qual é exatamente o efeito prático das pedaladas para os demais brasileiros?
Com mais dívidas que o esperado, o Governo tende a repassar a fatura desse débito para o contribuinte, seja por mais impostos, ou pela redução de investimentos em serviços públicos, como saúde, educação, e obras de infraestrutura.
- Mas o que conta exatamente como pedaladas de 2014?
São dívidas de subsídios não repassados ao BNDES e ao Banco do Brasil por linhas de crédito que eram oferecidas ao mercado, além de passivos com o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) - um deles envolvendo o programa Minha Casa, Minha Vida. Saintive destaca que todos os pagamentos de benefícios aos usuários de programas sociais, como o Bolsa Família, estão em dia. "Todos os valores estão sendo repassados pelo Tesouro aos bancos", para que eles façam o pagamento dos benefícios ou a concessão de crédito subsidiado aos usuários.
- E o Governo já começou a pagar o que deve aos bancos?
Da dívida pendente com as pedaladas no ano passado, o Governo já quitou 30%, ou 17 bilhões, entre janeiro e setembro de 2015. "Estamos fazendo um esforço fiscal bem maior este ano, cortando gastos onde é possível e pagando os passivos atrasados com os bancos [públicos]", afirmou nesta quinta-feira Marcelo Saintive, secretário do Tesouro Nacional. A dívida acumulada com os bancos públicos no âmbito das pedaladas fiscais de 2014 é de 20 bilhões de reais.
- E o Governo não pedalou mais este ano?
O Ministério Público de Contas já investiga suspeitas de pedaladas no orçamento de 2015. Mas o resultado dessa apuração só será divulgado no ano que vem. Vale destacar que o pagamento das pedaladas do passado não limpa a ficha do Governo perante o TCU, nem diante do Congresso, que deve julgar as contas de 2014 no ano que vem a partir do parecer do Tribunal. Caso as contas sejam rejeitadas pela Comissão Mista de Orçamento e, somado a isso, fique comprovado que as pedaladas permanecem também este ano, os pedidos de impeachment já enviados pela oposição ganharão força.
Segundo o secretário do Tesouro, a gestão orçamentária deste ano está livre de pedaladas. Mas ele reconhece que nem todos os repasses de subsídios, referentes a novas operações de créditos contratadas em 2015, estão em dia com os bancos. "O manual de boas práticas financeiras diz que primeiro é preciso pagar as dívidas mais antigas", explica Saintive. Para ele, contudo, a rolagem dessas dívidas não pode ser considerada pedalada. "Tudo está reconhecido como dívida em uma rubrica do orçamento chamada restos a pagar", complementa. Essa rubrica contém todos os valores que deveriam ser pagos entre janeiro e dezembro de um ano, mas acabaram ficando para o exercício seguinte. O pedido de impeachment de Reali Junior e Helio Bicudo, apoiado por 45 movimentos, destaca essa continuidade das manobras neste ano.
Saintive explica que, entre janeiro e setembro de 2015, o governo pagou 21,53 bilhões de reais para os bancos públicos em subsídios devidos de longa data. O valor é 180% maior do que o Tesouro pagou para essas instituições no mesmo período de 2014. Quanto o Governo ainda deve no total para os bancos não foi revelado. Afinal, embora os débitos de 2014 sejam quitados aos poucos, em 2015 novas dívidas vão surgindo, elevando o saldo do "cheque especial" da União.
- E como o Governo vai pagar essa conta?
Se ficar acertado com o TCU que o Governo deverá quitar um valor maior de pedaladas além do que ele já pagou, ele terá dificuldade de garantir receita. Pelo Orçamento de 2015, o Governo só pode gastar até 55 bilhões para cobrir as dívidas contraídas com as pedaladas. Uma das expectativas da equipe econômica é fazer receita com asconcessões de contratos de usinas hidrelétricas. Há um certame marcado agendado para o final de novembro. A projeção inicial é que o Governo conseguiria 11 bilhões de reais com esse leilão. Mas não há nenhuma garantia que ele seja bem-sucedido em seu intento.
- O que vai acontecer agora?
O Governo e o TCU vão negociar para estabelecer de que forma as dívidas podem ser pagas. "O acórdão final sobre esse assunto não foi publicado. A partir de sua publicação, o Governo terá 30 dias para apresentar uma proposta formal de pagamento. Caberá ao TCU aceitá-la, ou não", esclarece Saintive.
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