A pós-graduação faliu no Brasil

Na quarta-feira, dia 8 de julho de 2015, por ironia o Dia Nacional da Ciência, recebemos em todo Brasil o anúncio catastrófico de que o governo federal, do nada, cortou em 75% a verba Proap, que sustenta a maioria dos programas de pós-graduação no Brasil.
Para quem não sabe, o Proap (Programa de Apoio à Pós-Graduação), fornece uma verba usada para custear várias despesas dos programas de pós-graduação brasileiros, incluindo participação de professores em bancas de mestrado e doutorado, diárias para alunos participarem de congressos e cursos, diárias para custear cursos de campo, conserto de equipamentos, serviços de terceiros em geral e muitas outras coisas.
Em janeiro deste ano o governo federal já havia cortado 1/3 da verba do MEC, sem consulta à comunidade de professores e cientistas e sem aviso prévio, medida autoritária que deixou em cheque a Capes, assim como todas as universidades federais, centros de pesquisa, colégios técnicos e outras instituições de ensino.
Agora veio a notícia do corte de 3/4 (75%!) no Proap, feita também sem consulta ou aviso, na calada da noite. Em resumo, a pós-graduação faliu no Brasil e com ela a pesquisa científica e a formação de novos cientistas. Dia 8/7 é nossa data de óbito. Este é o legado da nossa “pátria educadora”.
O blog está de luto.
Agradeço especialmente à Profa. Suzana Herculano-Houzel, que não tem medo de falar a verdade e tem divulgado a realidade da nossa ciência para o mundo todo.
Abaixo tenho divulgado notícias sobre o tema que saíram desde então. Notem como a situação só tem descido ladeira abaixo desde que publiquei este post. Dedico essas notícias especialmente às cheerleaders partidárias, que me xingaram e difamaram nas mensagens aqui do blog e também por e-mail e nas redes sociais. O pior cego é aquele que não quer ver.
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Legenda (em 12/07/15):
Muita gente interpretou errado este post (mas não a maioria, ufa!), então lá vai uma explicação adicional. Crises são momentos em que as cartas são re-embaralhadas, oportunidades para se reinventar e crescer. O luto aqui não significa jogar a toalha. Muito pelo contrário, significa um protesto, uma provocação. Nisso eu atingi meu objetivo, que era sacudir meus colegas e fazer eles discutirem o assunto e repensarem suas certezas. Minha mensagem principal é: precisamos repensar nosso modelo de pós-graduação e pesquisa no Brasil, precisamos parar de depender de uma ou duas fontes governamentais centrais quase que exclusivamente. Precisamos de múltiplas fontes de receita nos PPGs, inclusive a iniciativa privada, para termos autonomia concreta. Senão dependeremos para sempre do humor de cada governo.
Os custos de se fazer ciência em qualquer lugar do mundo, grosso modo, envolvem pagamentos pessoais (salários e bolsas) e auxílios à pesquisa (os famosos grants). Os grants cobrem todo tipo de gasto que se possa imaginar, desde reagentes e equipamentos de laboratório até xerox e diárias de membros de bancas de conclusão de curso. Na grande maioria dos estados brasileiros, grants individuais para pesquisadores ou projetos vêm do CNPq ou das FAPs, enquanto grants para PPGs vêm da Capes. Os PPGs de algumas universidades também contam com receita via grants das reitorias, que, nas federais, dependem basicamente da verba repassada pelo MEC e das taxas de bancada que algumas FAPs dão (overhead). Mas o grosso da verba de grants de PPGs federais, em alguns casos mais de 90% da receita, depende do Proap da Capes: foi isso que o corte do dia 8/7 atingiu.