Luinguista, filósofo, com uma longa carreira académica no MIT (Massachusetts Institute of Technology), é também um ativista político empenhado contra o mainstream norte-americano. Aos 86 anos, veio a Lisboa a convite da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, para uma conferência na Fundação Gulbenkian
Surpreendeu-o a vitória dos conservadores no Reino Unido?
As sondagens indicavam um resultado mais próximo. Todos ficámos surpreendidos. Os Trabalhistas perderam totalmente a Escócia, a sua principal base. Não tinham uma mensagem alternativa convincente. Desde Thatcher que a classe trabalhadora tem sido dizimada e os sindicatos muito enfraquecidos. Aparentemente, para o público foi uma escolha entre quem consegue gerir melhor uma economia neoliberal, ou quem consegue gerir melhor o declínio. E o declínio é sério. A economia britânica está em recessão e a recuperação será mais lenta do que nos anos de 1930.
Cameron reafirmou-se disposto a fazer um referendo sobre a permanência do Reino Unido na UE. Acredita que sairá?
Suspeito que não, já que tem muitas vantagens em lá estar. Mas a população é imprevisível e o sentimento nacionalista muito forte.
Como acha que Portugal e os outros países do Sul da Europa lidaram com a crise?
Creio que estão a cometer um erro sério. A sua única esperança seria apresentarem-se numa frente unida, para poderem opor-se a esses programas de austeridade absolutamente destrutivos e que nem do ponto de vista da economia fazem sentido. Até os economistas do FMI reconheceram isso. E estão a destruir a conquista mais importante do pós-guerra, o estado social.  Nos resgates da Grécia, o dinheiro foi quase todo para os bancos. E em Espanha eram sobretudo os bancos que tinham a dívida. O problema foi das instituições financeiras e dos bancos e as populações é que pagaram. O único país que atuou racionalmente foi a Islândia e teve êxito. Disse que não pagava (suspendeu os pagamentos aos credores internacionais), para grande fúria dos bancos alemães.
O que achou da forma como o Syriza tem conduzido as negociações com Bruxelas?
A Grécia tem muito poucas cartas para jogar, já que a Alemanha tem sido absolutamente cruel a esmagá-la. E isto é dramático por duas razões. Uma é a Alemanha ter destruído a Grécia na II Guerra Mundial. Disse que pagou a indemnização, mas não. Depois, em 1953, a Europa permitiu-lhe que reestruturasse drasticamente a sua dívida, para não a deixar em situação desesperada. Agora que a Alemanha tem uma economia florescente não permite às economias frágeis que façam o mesmo. Acho um erro Portugal e Espanha não apoiarem a Grécia. Se não se unirem, serão devastados por programas de austeridade uns a seguir aos outros.  Nos EUA, as instituições financeiras e o Governo são muito conservadoras, mas mesmo assim foram mais progressistas nisto do que a Europa. As instituições financeiras são predadoras. Há um estudo nos EUA que mostra como os principais bancos foram resgatados com o dinheiro dos contribuintes. Beneficiam de um acordo tácito com o governo de que são "too big to fail", demasiado grandes para falir. Como não serão deixados cair, têm acesso a dinheiro barato, que os bancos de investimento usam em aplicações de alto risco. A Bloomberg, citando números do FMI, disse que os contribuintes entram com 80 mil milhões de dólares por ano. É o lucro deles. Nada disto existia nos anos de 1950 e de 1960, que foram de grande crescimento. Os bancos eram bancos e não instituições de aplicações de alto risco. A desregulação só começou com Reagan. É um sistema destrutivo e de grande corrupção.
Disse que os gregos não tinham muitas cartas para jogar. Mas pareciam dispostos a jogar a carta russa,  dificultando a aplicação de sanções à Ucrânia.
A Europa queria aplicar sanções mas sem grande entusiasmo. Os EUA é que pressionaram. A Europa e sobretudo a Alemanha falaram alto, por uma questão de negócio. E levam a Rússia a aproximar-se da China. ?A crise na Ucrânia é bastante séria, pois pode acabar numa guerra importante. A Ucrânia tem de ser neutralizada e não fazer parte de qualquer aliança militar. Nenhum governo russo tolerará que pertença a uma aliança hostil. Imagine-se que, na Guerra Fria, o México queria entrar para o Pacto de Varsóvia! A Ucrânia nem beneficia em ser membro da NATO, pois correrá mais riscos. Putine não é um sujeito simpático e não iria jantar com ele, mas os russos têm um argumento. Em 1990, houve uma espécie de acordo de cavalheiros. Gorbachev aceitava que a Alemanha reunificada entrasse para a NATO, o que foi uma concessão importante. Em contrapartida, a NATO comprometia-se a não avançar um milímetro para Leste. Gorbachev levou o acordo a sério, mas os EUA não. A NATO foi-se expandido em direção à fronteira russa. Agora a Ucrânia é brincar com o fogo, sem necessidade. Aliás, uma boa pergunta é para que existe hoje a NATO. Na década de 1940, quando foi criada, destinava-se a conter a ameaça russa. Agora, oficialmente, a sua missão mudou. Serve para controlar o sistema global de energia. É uma organização militar sob o comando dos EUA que é suposta dominar o mundo. Mas para que quer o mundo um sistema destes? A opinião pública mundial é fortemente contra. Os EUA são de longe o país mais agressivo e violento do mundo. A invasão do Iraque é o maior crime deste milénio e a da Indochina o maior desde a II Guerra Mundial. E é incrível a campanha global de assassínios de Obama (os drones).
Obama está a chegar ao fim do segundo mandato. Qual será o seu legado?
Isso do legado é um conceito interessante, criado pelas elites. Veja-se o caso de Reagan. Quando saiu era um dos presidentes mais impopulares. Mas houve uma campanha de propaganda que fez dele um grande herói e uma das grandes figuras dos tempos modernos. Até Obama lhe chamou uma figura transformadora. A sua política causou a morte de centenas de milhares de pessoas na América Central, foi o último apoiante do apartheid e levou a efeito ações extremamente agressivas no Médio Oriente. Nos EUA criou uma dívida gigantesca, deu cabo dos sindicatos, e estivemos perto de uma guerra nuclear. Mandou simular ataques para testar as defesas russas, na altura da instalação dos mísseis Pershing II. ?Foi um momento muito tenso na Europa. Os radares soviéticos captaram o teste como um ataque nuclear. Podiam ter retaliado. Só não foi assim, porque o ser humano que estava encarregue de transmitir a informação  (o coronel) Stanislav Petrov decidiu não o fazer. Além disso, criou uma política de guerra  à droga que fez com que a população prisional dos EUA, que era pouco acima da média da OCDE,  seja hoje quatro a cinco vezes superior. E era um projeto racista, pois tem atingido sobretudo os negros. Este é o legado de Reagan. E quanto ao de Obama, vai também depender de como a classe intelectual a apresente.
Mas, para si, o que deixa ele?
Nunca esperei nada de Obama. Escrevi sobre ele antes das primárias, olhando para a sua página na internet. Achei que havia ali oportunismo e falta de princípios. Mas teve coisas moderadamente positivas.
Como o resgate da indústria automóvel?
Isso ainda começou com Bush e depois ele continuou. Refiro-me ao Affordable Care Act (Lei dos Cuidados de Saúde Acessíveis), a que se chama ObamaCare, o que é um termo com uma conotação racista nada subtil. Quando Johnson criou o MediCare (para maiores de 65 anos e para deficientes), alguém lhe chamou o JohnsonCare? Mas como Obama tem uma cor de pele diferente, a designação serviu para os que se opunham à lei. Até já os liberais lhe chamam assim. É uma melhoria em relação ao sistema que havia, mas que era um escândalo. Os EUA gastam em saúde o dobro da média da OCDE para terem dos piores resultados. Antes de vir para cá, li uma notícia sobre saúde materno-infantil que tinha o título "EUA abaixo de Portugal". ?E estava realmente bastante abaixo. O país mais rico do mundo surge em 33.º lugar! Agora pelo menos ficaram algumas dezenas de milhões de pessoas que não tinham acesso a cuidados de saúde cobertas por seguros. Mas a maioria das pessoas ainda não é isto que quer, mas sim um serviço nacional de saúde ou, como dizemos nos EUA, o sistema canadiano. No fim da era Reagan, 70% da população achava que a saúde devia ser um direito constitucional. Se os EUA tivessem um sistema de saúde à europeia, o que não é uma ideia muito radical, o défice do país desapareceria.
Um dos fenómenos recentes foi o aparecimento do ISIS. É muito diferente da ?Al Qaeda? E como explica que tantos jovens europeus se juntem a ele?
Tem algumas semelhanças com a ?Al Qaeda, mas basicamente compete com ela. O ISIS tem duas origens. Uma foi a invasão americano-britânica do Iraque. Inflamou um conflito sectário que não existia e que destruiu a região. A outra fonte é a Arábia Saudita, o estado islâmico mais radical e fundamentalista do mundo.  E que é também um estado missionário. Uma doutrina  extremista, o Wahhabism, é promovida a partir de lá. E assim se criou o que é, sem dúvida, uma monstruosidade. Porque se sentem os jovens atraídos? Há estudos antropológicos a explicar o jihadismo. As populações árabes islâmicas foram quase esmagadas, mas muitos dos que vão para lá têm poucos antecedentes islâmicos. Podiam ser pessoas do mesmo clube de futebol ou coisa assim. São jovens desafetados, sem perspetivas, por vezes reprimidos nos países onde vivem, e querem alguma coisa de que se orgulhem. Não é a primeira vez na História que isto sucede. As pessoas aderiam ao partido nazi por razões semelhantes.
Hoje fala-se muito em que pode estar próximo um novo conflito mundial. Concorda com isso?
Pode muito facilmente acontecer. Há bastante literatura sobre isso a sair. A I Guerra Mundial não precisava de ter acontecido. Foi uma espécie de acidente, desencadeado por um conjunto de decisões. Agora basta acontecer um erro e a vida humana acabou.