Médico que apura estupros na USP pede afastamento: 'Foi a gota d'água'
Paulo Saldiva presidia comissão que apura casos na Medicina da USP.
Estudantes denunciaram oito casos de estupro desde 2011.
O médico Paulo Saldiva pediu afastamento do cargo de professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Ele alegou, entre outros motivos, a falta de um posicionamento oficial da instituição sobre as denúncias feitas por estudantes de medicina decasos de violência sexual contra mulheres e abusos contra estudantes negros e negras e homossexuais dentro da faculdade na audiência pública de terça-feira (11) na Assembleia Legislativa de São Paulo. "Para mim foi a gota d'água", disse Saldiva ao G1.
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Na audiência pública, alunas do curso de medicina relataram casos de estupros em festas de estudantes e violência psicológica contra minorias. O Ministério Público abriu inquérito para apurar as denúncias de oito casos de estupro desde 2011.
Em nota divulgada na tarde desta sexta-feira (14), a FMUSP afirmou que "lamenta, mas respeita, a decisão do professor Paulo Saldiva de pedir afastamento da instituição", e disse que "tem feito todos os esforços para apurar os casos de abuso que chegaram ao conhecimento da diretoria, tendo aberto sindicâncias e constituído uma comissão, de alunos e professores, para acompanhar as apurações, avaliar as circunstâncias e propor soluções para que tenhamos um ambiente de permanente respeito aos direitos humanos em nosso campus".
No comunicado, a faculdade lembrou a criação do Centro de Defesa dos Direitos Humanos, anunciada na quarta-feira (12), afirmando que ela é uma "medida pioneira que irá garantir acolhimento às vítimas, além de oferecer assistência jurídica, psicológica e de saúde para elas".
Presidente de comissão
Saldiva foi o presidente da comissão formada por professores, alunos e funcionários que de junho a outubro apurou os casos de abusos praticados dentro da FMUSP. A comissão preparou um relatório sobre os casos que será apresentado à congregação da faculdade. O relatório aponta também denúncias de abusos de álcool e drogas e intolerância racial, sexual e religiosa.
Saldiva foi o presidente da comissão formada por professores, alunos e funcionários que de junho a outubro apurou os casos de abusos praticados dentro da FMUSP. A comissão preparou um relatório sobre os casos que será apresentado à congregação da faculdade. O relatório aponta também denúncias de abusos de álcool e drogas e intolerância racial, sexual e religiosa.
"Meu sentimento como professor é de que não fui capaz de detectar isso", disse o professor. "Fomos à audiência pública sem um posicionamento oficial da FMUSP. Não conseguimos ir lá com uma posição mais consistente. Ficamos a reboque dos conhecimentos. É duro ouvir na assembleia que a faculdade não tomou medidas necessárias."
"Se os médicos, os alunos e todos os profissionais de saúde não souberem se respeitar, vai ser difícil 'mudar a chave' e tratar melhor o paciente", afirma.
Saldiva vai tirar licença-prêmio de 90 dias e depois deve deixar o cargo. Ele também se queixou das dificuldades que a USP impõe para promover parcerias com outras universidades do país. "Tenho 60 anos, não posso esperar a USP mudar o seu estatuto", afirmou. "Ainda tenho muito gás para dar."
O patologista Paulo Saldiva se formou em medicina na USP em 1977. Ele se tornou professor titular da faculdade em 199 e é um dos maiores especialistas em doenças causadas pela poluição. Ele faz parte do comitê de qualidade do ar da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Medicina da USP criará centro de apoio
A faculdade anunciou, na tarde desta quarta, que vai criar um centro de direitos humanospara dar assistência jurídica e psicológica para apoiar alunos do curso que se sentirem "vítimas de qualquer tipo de violação" como agressões sexuais, machismo, racismo e homofobia. Em nota divulgada nesta tarde, a faculdade diz que o centro "estará atuando em até 40 dias", e contará com membros da diretoria da faculdade, além de professores e especialistas.
A faculdade anunciou, na tarde desta quarta, que vai criar um centro de direitos humanospara dar assistência jurídica e psicológica para apoiar alunos do curso que se sentirem "vítimas de qualquer tipo de violação" como agressões sexuais, machismo, racismo e homofobia. Em nota divulgada nesta tarde, a faculdade diz que o centro "estará atuando em até 40 dias", e contará com membros da diretoria da faculdade, além de professores e especialistas.
Ainda de acordo com o comunicado, a FMUSP diz que "o novo órgão também terá como missão, além do acolhimento das vítimas, a apuração de denúncias e a eventual punição dos envolvidos, de acordo com o regimento da Universidade de São Paulo, e a promoção de políticas institucionais em defesa dos direitos humanos".
Segundo a faculdade, o centro receberá denúncias identificadas ou anônimas.
Inquérito civil
A promotora de Justiça de Direitos Humanos e Inclusão Social do Ministério Público do Estado de São Paulo, Paula de Figueiredo Silva, disse em entrevista ao G1 que os relatos de alunas vítimas de violência sexual em festas da Faculdade de Medicina mostram que "há naquele ambiente universitário uma cultura violenta e opressiva". Ela instaurou um inquérito civil para apurar as denúncias de abusos de estudantes contra alunas mulheres, negros e homossexuais dentro da faculdade. A promotora apura também quais ações a direção da faculdade está tomando para evitar esta prática.
A promotora de Justiça de Direitos Humanos e Inclusão Social do Ministério Público do Estado de São Paulo, Paula de Figueiredo Silva, disse em entrevista ao G1 que os relatos de alunas vítimas de violência sexual em festas da Faculdade de Medicina mostram que "há naquele ambiente universitário uma cultura violenta e opressiva". Ela instaurou um inquérito civil para apurar as denúncias de abusos de estudantes contra alunas mulheres, negros e homossexuais dentro da faculdade. A promotora apura também quais ações a direção da faculdade está tomando para evitar esta prática.
O curso de medicina da USP é o mais concorrido do vestibular da Fuvest, com 55 candidatos por vaga.
No inquérito civil ao qual o G1 teve acesso, a promotora relata: "Dentre as condutas opressoras, relatou-se a ocorrência de 8 (oito) estupros nos últimos anos, ocasiões em que as vítimas não obtiveram qualquer suporte da Diretoria, que deixou de dar prosseguimento a procedimentos administrativos de apuração. Mais do que isso: relata-se tentativas de ocultar os casos, a fim de evitar exposição à imagem da universidade. Uma das vítimas de estupro, através da mídia, deu publicidade à agressão sofrida e, em razão disso, passou a ser hostilizada por colegas".
O inquérito inclui ainda a agressão a um casal homoafetivo que tentou entrar uma festa promovida pelos estudantes e faz referência a piadas de um professor sobre as genitálias das alunas.
"Fiquei chocada, começou a narrar uma série de atos de discriminação contra mulheres, contra o público LGBT, além de outros atos violentos contra alunos", afirmou a promotora.
Atuando na área de direitos humanos, a promotora não trata de inquéritos criminais, mas pretende reforçar ações para mudar a cultura que existe nas universidades. "Quero saber quais as matérias de humanísticas que existem no curso de medicina e como fazer uma ação humana desses alunos", diz. "A educação é inspirada nos princípios da liberdade tem que formar o cidadão. Ainda mais na faculdade de medicina que vai trabalhar a vida humana e tratar com pessoas doentes."
Vítimas relataram abusos
Segundo nota publicada no site da Alesp, as três vítimas que deram depoimento na audiência desta terça-feira "narraram as agressões sofridas em festas promovidas pela Atlética da FMUSP, e a pressão para que não denunciassem a fim de não "manchar a imagem da instituição". Contaram que ficaram estigmatizadas na faculdade, e que os agressores estão impunes."
Segundo nota publicada no site da Alesp, as três vítimas que deram depoimento na audiência desta terça-feira "narraram as agressões sofridas em festas promovidas pela Atlética da FMUSP, e a pressão para que não denunciassem a fim de não "manchar a imagem da instituição". Contaram que ficaram estigmatizadas na faculdade, e que os agressores estão impunes."
O G1 ouviu uma das vítimas em reportagem publicada no dia 22 de agosto deste ano. A estudante disse que ela não é um caso isolado. "Tenho colegas aqui dentro da faculdade que foram estupradas e nunca chegaram a denunciar. A gente não tem vias para denunciar, não existe apoio, não existe acolhimento. Aqui na Faculdade de Medicina acontece, acontece em outras partes do campus, com certeza não sou um caso isolado", disse a estudante, hoje com 23 anos.
Apesar de o inquérito ainda não ter sido concluído mais de três anos após o crime, a delegada que cuida do caso, Celi Carlota, da 1ª Delegacia de Defesa da Mulher de São Paulo, afirmou já ter elementos suficientes para indiciar o suspeito pelo crime de estupro. O caso aconteceu em uma festa chamada "Carecas do Bosque" na noite do dia 2 de abril de 2011. De acordo com a delegada, o suspeito é um homem que trabalhava com manutenção de ar condicionado no prédio da faculdade. Ele foi ouvido durante o inquérito e negou o crime.
Racismo
A reunião na Alesp também tratou de denúncias de racismo e machismo em um hino da faculdade de medicina da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto (SP). O caso veio à tona no sábado (8) durante uma palestra sobre violência contra a mulher, realizada pelo curso de enfermagem da USP. A letra, que traz expressões como "morena gostosa", "loirinha bunduda" e "preta imunda", é de autoria da bateria do curso de medicina, conhecida como Batesão.
A reunião na Alesp também tratou de denúncias de racismo e machismo em um hino da faculdade de medicina da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto (SP). O caso veio à tona no sábado (8) durante uma palestra sobre violência contra a mulher, realizada pelo curso de enfermagem da USP. A letra, que traz expressões como "morena gostosa", "loirinha bunduda" e "preta imunda", é de autoria da bateria do curso de medicina, conhecida como Batesão.
Segundo postagens de alunos, o hino foi divulgado este ano em um manual para calouros da medicina, juntamente com camisetas da atlética do curso. Procuradas pelo G1, a Atlética Acadêmica Rocha Lima e a Batesão não comentaram o caso. Em nota divulgada no Facebook, no entanto, a bateria pede desculpas e diz ser contra "qualquer forma de discriminação e preconceito."
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