Com uma ação movida pelo PEN pronta para ser julgada, STF deve reavaliar o entendimento firmado em 2016 que permite a detenção de réus condenados após julgamento por uma turma colegiada. Medida poderia beneficiar o ex-presidente Lula
Ao Correio, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, que está em Bogotá, afirmou que a volta da chancela do Supremo à possibilidade de recursos infinitos após o julgamento em segunda instância é, “sem dúvida, um retrocesso”. A atuação de Janot à frente do Ministério Público Federal (MPF) criou uma batalha de protagonismo entre a instituição e a principal Corte do país. “O número de colaborações premiadas aumentou depois dessa decisão. A estratégia da defesa não é mais postergar o processo aguardando prescrição. Com o julgamento de 2º grau, está definitivamente acertada a autoria e materialidade do delito. Os recursos aos tribunais superiores não podem alterar isso.”
O ex-procurador-geral fez um levantamento dos recursos que foram para o Supremo nos últimos sete anos. As contas de Janot corroboram sua opinião: dos 3.015 recursos extraordinários em matéria penal que chegaram ao STF, apenas 211 tiveram provimento e foram analisados. Só 41 foram favoráveis aos demandados e apenas dois resultaram em liberação imediata do réu. “Será a volta da impunidade?”, questiona.
Expectativa
Um dos ministros do Supremo que buscam novas discussões sobre o tema é Marco Aurélio Mello, que afirmou que uma eventual prisão do ex-presidente incendiaria o Brasil. “Eu duvido que o façam, porque não é a ordem jurídica constitucional. E, em segundo lugar, no pico de uma crise, um ato desse poderá incendiar o país”, afirmou, logo após a manutenção da condenação de Lula pelo Tribunal Regional Federal da 4° Região (TRF-4). O ministro acredita que, caso o ex-presidente seja preso, seria acionada a nova jurisprudência do STF sobre execução de pena após condenação em segundo grau. “Se não for preso, é porque essa jurisprudência realmente não encontra base na Constituição Federal e tem que ser revista”, disse.A mudança de entendimento do Supremo é questionada pelo PEN, que ajuizou ação pedindo a reconsideração do Supremo. O deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ), pré-candidato à Presidência da República, condicionou sua entrada no partido à retirada de ação movida no STF. A ação declaratória de inconstitucionalidade foi impetrada pelo advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido por representar políticos de alto escalão em ações criminais. “Minha expectativa é julgar o caso em fevereiro. O Judiciário está maduro, vamos conseguir levar esse caso adiante. Pretendo ganhar no plenário do Supremo. Essa questão foi mal interpretada, mas o que realmente acontece é que a prisão após julgamento em segunda instância prejudica milhares de pessoas, e não só as famosas, também aquelas sem rosto e sem voz. Minha expectativa é que a gente consiga reverter essa decisão”, explicou.
Ministros que defendem a mudança discutiram se levam uma ação a julgamento na Segunda Turma para marcar posição e iniciar movimento de revisão no plenário. A ideia era que isso ocorresse no fim do ano passado, antes do encerramento dos trabalhos. A ministra Cármen Lúcia, no entanto, ainda não colocou o caso na pauta de julgamento.
Para saber mais
Votações em 2016
De acordo com o artigo 5º da Constituição Federal, “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (inciso LIV) e “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (inciso LVII). Desde 2009, a junção dos dois artigos passou a garantir que o condenado deveria seguir em liberdade até que se esgotassem todos os recursos no Judiciário.
Em fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu, por 7 votos a 4, que, a partir da condenação por um órgão colegiado — caso dos tribunais de segunda instância —, não existiria mais a presunção da inocência e o réu poderia começar a cumprir a pena mesmo que estivesse recorrendo em tribunais superiores. Votaram a favor da decisão os ministros Teori Zavascki (relator), Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Rosa Weber, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski foram contrários.
Em um reexame da questão, em outubro de 2016, o plenário confirmou em acórdão a decisão, dando a ela o caráter de repercussão geral, mas o placar ficou mais apertado: 6 a 5. O ministro Dias Toffoli mudou de entendimento. Em novembro daquele ano, mais uma vez, o tribunal avaliou a questão por meio de uma votação virtual: 6 a 4. A ministra Rosa Weber não se manifestou, mas já era voto contrário. Apesar de o Supremo ter analisado a questão por três vezes naquele ano, o entendimento é que, com o voto do ministro Alexandre de Moraes — que substituiu Teori Zavascki — e diante de declarações do ministro Gilmar Mendes, o placar apertado da última votação acabaria revertido.
De acordo com o artigo 5º da Constituição Federal, “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (inciso LIV) e “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (inciso LVII). Desde 2009, a junção dos dois artigos passou a garantir que o condenado deveria seguir em liberdade até que se esgotassem todos os recursos no Judiciário.
Em fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu, por 7 votos a 4, que, a partir da condenação por um órgão colegiado — caso dos tribunais de segunda instância —, não existiria mais a presunção da inocência e o réu poderia começar a cumprir a pena mesmo que estivesse recorrendo em tribunais superiores. Votaram a favor da decisão os ministros Teori Zavascki (relator), Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Rosa Weber, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski foram contrários.
Em um reexame da questão, em outubro de 2016, o plenário confirmou em acórdão a decisão, dando a ela o caráter de repercussão geral, mas o placar ficou mais apertado: 6 a 5. O ministro Dias Toffoli mudou de entendimento. Em novembro daquele ano, mais uma vez, o tribunal avaliou a questão por meio de uma votação virtual: 6 a 4. A ministra Rosa Weber não se manifestou, mas já era voto contrário. Apesar de o Supremo ter analisado a questão por três vezes naquele ano, o entendimento é que, com o voto do ministro Alexandre de Moraes — que substituiu Teori Zavascki — e diante de declarações do ministro Gilmar Mendes, o placar apertado da última votação acabaria revertido.
Entrevista Carlos Velloso
O senhor acredita que o julgamento do ex-presidente Lula pode pressionar o Supremo Tribunal Federal a ponto de a presidente da Corte, min. Cármen Lúcia, colocar o tema em debate novamente, em tão pouco tempo?
Não devo fazer nenhuma avaliação sobre o início da execução penal após a decisão em 2º Grau. Acho, apenas, que um tema dessa relevância não seria levado assim tão depressa à pauta, logo em seguida à decisão do TRF-4. E a ministra Cármen Lúcia, presidente, é uma notável juíza, acima de qualquer suspeita.
Qual o seu posicionamento nessa discussão da prisão em 2ª. Instância?
Sustento que o início da execução de decisão condenatória somente após o trânsito em julgado é uma jabuticaba brasileira, que não ocorre em país civilizado do mundo ocidental, constituindo um hino à impunidade. Convém esclarecer que a Constituição não estabelece presunção de inocência e sim de não culpabilidade. As normas constitucionais não se interpretam isoladamente, mas no seu conjunto. O que a Constituição garante é o duplo grau de jurisdição, na forma da lei processual. A justiça da decisão não é examinada após o julgamento do 2º Grau e os recursos, daí em diante, são recursos puramente jurídicos. A presunção de não culpabilidade não interfere com a execução de sentença penal da qual não cabe recurso com efeito suspensivo. Ademais, é possível ao interessado, ocorrendo a fumaça do bom direito e ao perigo da demora, requerer ao relator do recurso especial e do recurso extraordinário que seja conferido efeito suspensivo ao recurso. A regra, portanto, é a não suspensividade. A exceção, a suspensividade, no caso indicado.
Com a mudança de entendimento dos ministros, todo o processo terá a possibilidade de chegar ao Supremo. Colocar a possibilidade de a Corte chancelar todos os casos jurídicos no país é viável?
Todo processo pode chegar, falamos em tese, ao Supremo Tribunal Federal, no controle difuso de constitucionalidade, assim no recurso extraordinário. Nada tem que ver, portanto, com a tese do início da execução penal após a decisão do 2º grau.
Procuradores dizem que mudar o entendimento da matéria seria um grande obstáculo para a Lava-Jato. O que o Sr. pensa a respeito?
Um entendimento no sentido de que a execução penal somente pode ocorrer com o trânsito em julgado contribui para a impunidade.
Isso possibilitaria a volta dos recursos centopeia – aqueles processos sem fim?
Sim. Nós temos recursos processuais em excesso. Assim, no caso da execução penal somente ocorrer após o trânsito em julgado da sentença, quem tiver um advogado razoável vai tentar, é claro, utilizar-se desses recursos e a execução da pena vai para as calendas. Muitas prescreveriam.
O senhor acha que há uma quantidade muito grande de recursos no Brasil?
Sim, são demasiados os recursos nas leis processuais brasileiras. Aliás, isso é um mal dos latinos, que gostam de discutir à exaustão. No campo do processo civil, vejam só: após tudo resolvido, após iniciada a execução, há a possibilidade de ser apresentada, pelo executado, a exceção de pré-executividade que, interpretada com liberalidade, faz paralisar execuções legítimas. Durma-se com um barulho desse. Os processualistas latinos são criativos.
O senhor acha que os tribunais superiores podem, de alguma maneira, analisar as provas? Ainda que seja apenas para verificar se houve vício de processo ou não?
O certo é que os recursos extraordinários – o nome está indicando – é dizer, o recurso especial para o STJ, a revista para o TST, o especial para o TSE e o recurso extraordinário para o Supremo, além de não terem efeito suspensivo, não examinam a prova, não examinam os fatos. Ou seja, a versão fática que prevalece é a versão fática do acórdão de 2º grau. Em alguns casos, no Cível, deveria prevalecer a versão fática do 1º grau.
Quais seriam as chances de mudança do que foi decidido ontem pelo TRF4?
O que posso dizer é que assisti ao julgamento, ontem, pela televisão. Foi um julgamento altamente técnico. Aliás, sempre afirmei que o TRF da 4ª. Região é um notável tribunal. Seus juízes são altamente qualificados, preparados. É um tribunal que não se afasta dos autos, não permite a interferência de ideologias ou doutrinas exóticas. De lá veio, para o Supremo, a notável juíza Ellen Gracie. Acaba de ser publicado texto do jurista Joaquim Falcão, em torno do julgamento de ontem, em que é acentuado que a argumentação dos juízes “é toda fundamentada nos fatos, vistos e provados. Não se baseia apenas em testemunhos ou denúncias,” mas “em provas materiais, ou, como diria Ulysses Guimarães, com base em suas excelências, os fatos.” Estou de acordo com Joaquim Falcão. Ontem, o TRF/4 deu bela lição de como deve comportar-se um tribunal. Agora, do acórdão do TFR cabe, em tese, a interposição do recurso especial para o STJ e do recurso extraordinário para o Supremo. O que posso dizer a respeito é apenas isto.
O senhor acha que o Lula, mesmo condenado em 2ª. Instância, vai ter condições de concorrer às eleições presidenciais de 2018?
O que posso dizer é que temos, no Brasil, uma lei complementar de inelegibilidade, a lei da ficha limpa, que estabelece a inelegibilidade de condenados, por determinados crimes, por órgão colegiado. Essa lei, de iniciativa popular, foi sancionada, aliás, pelo então presidente Lula, e aplaudida pela sociedade. Com a palavra, pois, os Tribunais Eleitorais, especialmente o Tribunal Superior Eleitoral.
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