- 04/11/2017
Francis Fukuyama está preocupado com o Brasil. Mundialmente conhecido pelo ensaio “O fim da História e o último homem (1992)”, o cientista político, professor da Universidade Stanford,
nos Estados Unidos, e um dos mais célebres intelectuais de sua geração,
incluiu o Brasil no rol dos países em que ele vê o risco da ascensão de
um representante do que chama de “Internacional Populista”: políticos
de extrema-direita com pouco ou nenhum apreço pela democracia e que
seduzem o eleitorado com promessas fáceis para problemas complexos.
O impacto das descobertas da Lava-Jato sobre a
contaminação do sistema político, diz Fukuyama, pode levar os eleitores
brasileiros a optarem por alguém que prometa ter mão de ferro contra a
corrupção. Na semana passada, Jair Bolsonaro, o intrépido deputado do PSC do Rio de Janeiro, tornou-se um dos personagens sobre quem Fukuyama discorre na nova aula sobre populismo que, em tempos de Donald Trump,
decidiu incluir em seu tradicional curso sobre democracia. Um dos
expoentes do pensamento conservador, o professor é enfático sobre
Bolsonaro: “Seria um grande desastre se ele fosse eleito. Ele parece ser
um populista genuinamente perigoso”.
Em entrevista ao GLOBO, em sua sala no Centro de
Democracia, Desenvolvimento e Estado de Direito, que dirige, em
Stanford, Fukuyama criticou a proteção do Congresso a Michel Temer,
lamentou a falta de protestos contra a corrupção este ano no Brasil, nos
mesmos moldes dos que ocorreram em 2015 e em 2016, e, aos descrentes
sobre o futuro da democracia, fez um alerta: “As pessoas precisam
entender que a democracia depende delas. Precisam sair às ruas,
protestar contra a corrupção e se insurgir contra o populismo”.
Perto de se completarem quatro anos de Lava-Jato, qual sua visão sobre a operação?
Eu tenho sido em geral muito mais positivo sobre
a operação do que alguns brasileiros e mesmo observadores
internacionais porque sei que não há muitos países com Judiciários que
consigam fazer a lei valer para todos. Na América Latina, isso tem sido
especialmente problemático. No Brasil, agora parece que todo mundo é
corrupto. Não acredito que isso seja algo novo. Acho que sempre foi
desse jeito. Pelo menos, agora você tem um sistema judiciário que está
colocando alguns deles na cadeia. E você tem a imprensa livre, que está
fazendo um trabalho muito bom, expondo a corrupção e apoiando o sistema
judicial. Eu tenho conhecimento das acusações que políticos da direita e
da esquerda fazem contra o Judiciário, dizendo que há razões políticas
por trás das acusações. E sei que há críticas por influência política no
Judiciário e por terem deixado Michel Temer (no cargo). Mas tudo é
relativo e, em relação ao padrão predominante na América Latina, é bom o
Brasil ter feito o que fez. O que eu considero perigoso é que foi
revelado um nível tão grande de corrupção que todos vão ficando cínicos e
podem pensar que não há como fazer a lei valer para todos e que é
necessária uma solução populista para acabar com o sistema e recomeçar
tudo. Isso é muito perigoso.
Mas o mesmo país que produziu a
Lava-Jato tem uma corte eleitoral que ignorou provas e absolveu o
presidente e sua antecessora da acusação de financiamento ilegal na
eleição de 2014 e um Congresso que protegeu durante duas vezes o
presidente de acusações de corrupção. Esses recuos significam que
políticos estão conseguindo interromper as mudanças?
Esses fatos constroem a narrativa de que o
Judiciário tem uma atuação política, e isso é perigoso, porque a Justiça
só funciona se as pessoas acreditarem que ela é imparcial. Eu entendo o
cálculo de muitas pessoas da direita e de observadores internacionais
de que Michel Temer está fazendo reformas importantes e que, se ele for
para a cadeia, todo o sistema vai parar, nada mudará e não haverá
progresso. Essas pessoas estão dispostas a aceitar, portanto, a falta de
prestação de contas de um governante. Eu não acho que esse raciocínio
seja bom, porque é preciso que o Judiciário seja visto como imparcial e
acredito que absolvê-lo mine essa sensação.
Na introdução do seu último livro
(“Political order and political decay”, ainda não lançado no Brasil), o
senhor descreve os protestos de junho de 2013 como manifestações
anticorrupção e por melhores serviços básicos. De lá para cá, tivemos
protestos de massa em 2015 e em 2016, em parte contra a corrupção, em
parte contra o PT. Entretanto, não houve grandes protestos em 2017,
quando os escândalos atingiram o PSDB e o PMDB. Por quê?
Isso é muito ruim. Quando os protestos
começaram, contra corrupção e por melhores serviços públicos, ganharam
publicidade e passaram a ser vistos como protestos contra Dilma Rousseff
e contra Lula. Isso foi muito ruim porque, se o foco tivesse continuado
a ser contra a corrupção, brasileiros de diferentes posições no
espectro ideológico estariam dispostos a apoiar. Uma vez que se tornou
uma questão ideológica de direita e esquerda, você retomou a antiga
divisão ideológica brasileira. Por isso também é ruim você não ter mais
políticos de direita sendo presos, como o atual presidente, ou pelo
menos o processo contra ele prosseguindo, porque teria tornado tudo mais
equilibrado e deixado claro que isso não é contra um partido, mas
contra toda a classe política envolvida em corrupção.
A última pesquisa presidencial no Brasil
(do Ibope, publicada no último domingo) mostrou Lula à frente das
pesquisas, com 35%, e Jair Bolsonaro em segundo lugar, com 13%. Como o
senhor vê essa previsão?
O mais problemático é o apoio a Bolsonaro. Ele
parece ser um populista genuinamente perigoso. Seu histórico mostra que
ele não defende a democracia e que está usando esta oportunidade para
tomar o poder. Seria um grande desastre se ele fosse eleito. Mas acho
que isso reflete um crescente cinismo em todo o espectro eleitoral de
que todos os políticos são ruins e de que você precisa de uma figura
forte que vai consertar todos esses problemas. Isso nunca funciona. Se
você opta por políticas de mão de ferro, você acaba numa ditadura e em
violações de direitos humanos. O Brasil não precisa desse recuo. O país
já teve uma experiência dessas quando os militares comandavam o país, e
não acho que ajude voltar a esse tipo de governo.
E Lula, mesmo condenado por corrupção, em primeiro lugar?
É muito ruim, porque de novo é a ideologia
prevalecendo sobre o combate à corrupção. Seus eleitores querem
protegê-lo porque ele é visto como tendo sido bom para os pobres. É
compreensível. Mas o Brasil precisa se tornar capaz de processar uma
pessoa que, embora tenha beneficiado os pobres e criado programas
sociais, violou as leis.
Por que o populismo está florescendo especialmente nesta segunda década do século XXI?
É diferente em diferentes partes do mundo. O
populismo na América Latina é diferente do populismo europeu. Na Europa,
é baseado naquela classe média que sofre com a globalização e com a
perda de empregos. Na América Latina, o populismo é baseado nos pobres,
que basicamente querem um governo forte que possa dar serviços sociais e
benefícios. Isso explica (Hugo) Chávez, (Rafael) Correa e Evo Morales.
Bolsonaro é um pouco mais complicado, porque ele vem num período em que o
populismo de esquerda está em declínio na América Latina. Ele
obviamente é um homem da direita. É um novo fenômeno, que remonta aos
anos 1960, ao desejo de políticas de um punho de ferro. Vamos ver se é
uma tendência ou não, porque o fato de ele conseguir 13% nas pesquisas
não significa que ele será eleito.
O que falta ao Brasil em termos de políticas anticorrupção?
Uma grande mudança no sistema eleitoral, porque o
tipo de representação proporcional que permite que um partido como o
PMDB possa ter tantas cadeiras ocupadas por indivíduos sem plataformas
partidárias, mas que atuam como agentes livres que sempre precisam
receber algum tipo de dinheiro ou favor para que votem com o governo. O
sistema precisa diminuir o número de partidos e ter uma disciplina
partidária maior, reduzindo os incentivos atuais para os diferentes
tipos de compra de votos de parlamentares. A Itália fez um pouco isso.
Era um governo instável, porque era difícil construir uma coalizão. Uma
das coisas que (Mateo) Renzi estava tentando fazer era mudar o sistema
político para criar uma maioria mais ampla para que você pudesse ter um
grande partido governista. Não sei se o Brasil conseguiria fazer isso
porque o sistema é muito dividido, mas vocês podem mudar as leis
eleitorais para encorajar a formação de dois, três ou quatro grandes
partidos para formar coalizões estáveis. Isso acima de tudo reduziria os
incentivos para a corrupção no Congresso. Além disso, vocês precisam de
uma mudança geracional na classe política, com accountability eleitoral e judicial que permita substituir a geração atual por pessoas novas com novas atitudes em relação ao serviço público.
Mas e quando até o presidente é denunciado por corrupção, o que a sociedade pode fazer?
É o que já está acontecendo até agora. A
liderança não tem que vir do presidente. Há a sociedade civil, há a
mídia apoiando as mudanças. Uma agenda que inclui reforma eleitoral, a
blindagem do Judiciário contra influência política, a profissionalização
do serviço público. Tudo isso faz parte de um pacote reformista e a
sociedade precisa desenvolver apoio social para isso.
Em que medida existe uma ligação entre populistas pelo mundo?
Há algumas ligações entre o populismo europeu e o
entorno de Trump. (Vladimir) Putin deu um empréstimo para Marine Le Pen
(da Frente Nacional, da extrema direita francesa). Ela conversa com o
holandês Geert Wilders (do Partido para a Liberdade, de extrema
direita). Trump gosta de Nigel Farage (ex-líder do Partido da
Independência do Reino Unido, de extrema direita). Steve Bannon
(ex-estrategista de Trump) gosta de todos eles. Eles se falam,
compartilham experiências. Há uma “Populista Internacional” em atuação
hoje, o que torna tudo ainda mais ameaçador, porque um apoia o outro.
No Brasil, a imprensa e os repórteres
individualmente têm sido alvo de ataques de políticos de diferentes
correntes, a exemplo do que Trump faz. Como os Estados Unidos vêm
lidando com os ataques do presidente à imprensa?
Não há precedente nos Estados Unidos de um
presidente atacar a grande mídia como a inimiga do povo americano. Esse
tipo de linguagem parece mais a Itália de Mussolini ou a Alemanha de
Hitler. Não é um linguajar que algum político americano tenha usado
antes. Mas isso tudo está se mostrando pouco efetivo, porque a grande
mídia está ganhando assinantes por estar sendo objeto de ataque por
parte de Trump, que é muito impopular. A CNN, o “Washington Post” e o
“New York Times” estão indo muito bem e eles não estão intimidados. Há o
perigo que eles se tornem tão anti-Trump que isso possa dar força à
narrativa de que eles fazem parte de uma conspiração. Temos que esperar e
ver, porque, se Trump continuar presidente por muito tempo, essa
situação pode mudar. Eu espero que não, porque a imprensa tem se
mostrado uma instituição duradoura.
Um ministro do STF (Alexandre de Moraes)
afirmou em entrevista ao GLOBO que o jornalista que publica um
documento sigiloso está cometendo um crime. Como o senhor vê esse tipo
de afirmação?
Jornalismo em geral é uma importante instituição
de fiscalização em qualquer democracia. O jornalismo controla os
poderosos e dá limite a seus poderes. A razão desse tipo de ataque
populista é porque os populistas querem poder e jornalistas estão
expondo as coisas erradas. Isso os enfraquece. Esses populistas fazem da
imprensa o foco de suas hostilidades, com o objetivo de mobilizar suas
bases para atacar a imprensa e desacreditá-la aos olhos das pessoas. Por
isso vejo populistas como tão perigosos para a democracia, porque não
podemos ter democracia sem a imprensa livre para ser um mecanismo de
controle dos poderosos.
Fake news também
já são um problema no Brasil. Como, a um ano das eleições nacionais,
podemos criar mecanismos para lidar com o problema e evitar um prejuízo
eleitoral semelhante ao que ocorreu nos Estados Unidos?
Esse é um tema novo e não acho que alguém saiba
realmente como resolver. Os europeus estão tentando lidar com isso por
meio da regulação, especialmente essa lei alemão que vai tentar
criminalizar fake news. Muitas pessoas acham que isso é demais, porque
as penas são tão pesadas que isso vai na verdade afetar a liberdade de
expressão. Nos Estados Unidos, não poderíamos regular as fake news dessa
maneira porque o país é muito polarizado e, se o próprio presidente é
um que publica todas essas fake news, é difícil imaginar que o governo
dele vá concordar com algum tipo de limite a isso. Então nos resta as
plataformas de internet regularem por si só. Eu acredito que o Facebook
foi o principal responsável porque ele é o menos transparente e eles
tentaram negar que houvesse um problema. As plataformas precisarão ser
obrigadas a ser mais responsáveis e a entender que elas simplesmente não
podem vender anúncios para russos que estão tentando interferir nas
eleições americanas. Um tipo de regulação que pode ser possível é
obrigar a haver a transparência sobre dinheiro estrangeiro que vá para
uma campanha eleitoral. Nos Estados Unidos, isso é ilegal nas campanhas
de televisão, mas, até agora, não é ilegal na campanha digital. Não é
muito difícil mudar a lei para incluir a internet.
O senhor vê os gigantes digitais, como
Facebook, Google, Apple e Amazon, como uma verdadeira ameaça à
democracia ou vê nessa crítica um exagero?
Toda companhia muito grande que tenha um
monopólio virtual em sua área, como é o caso do Facebook, é um problema.
Até agora, as pessoas confiaram no Facebook porque elas entendem que é
uma empresa lucrativa. Se eles colocarem as visões políticas deles na
plataforma, isso vai incomodar muitos de seus usuários e vai prejudicar
os lucros da empresa. Você tem essa indústria imensamente concentrada
não só nos Estados Unidos, mas em todo o mundo. Há países em que as
pessoas só se comunicam na internet usando Facebook. É muito poder para
dar a uma única empresa. Em geral eu sou sempre a favor de algum tipo de
medidas antitruste para tentar limitar o tamanho dessas empresas e
possivelmente dividí-las. Eu entendo que é difícil fazer isso porque o
tipo de rede social que é o Facebook não é algo que você possa dividir
em diferentes partes. Mas eles estão sempre comprando start-ups que
os ameaçam. Para evitar a competição, eles compram os concorrentes e
isso certamente é algo que o governo, se quiser, pode frear.
O ataque terrorista da semana passada em Manhattan pode mudar a política antiterror dos Estados Unidos?
Não acredito que o ataque por si só vá ter tanto
efeito. O que eu me preocuparia mais é um ataque de grandes proporções,
com armas biológicas ou químicas ou alguma coisa muito espetacular, na
escala do 11 de setembro. Porque eu acredito que os Estados Unidos na
verdade reagiram ao 11 de setembro de maneira muito moderada dentro de
casa. Nós não começamos a correr atrás de muçulmanos e a colocá-los em
campos de concentração e esse tipo de coisa. Mas agora você tem um
presidente e um bando de seguidores que estão dispostos a fazer coisas
assim. Então, acredito que, se houve um ataque mais grave, pode ser
muito perigoso para as liberdades individuais nos Estados Unidos.
O que o senhor diria para os que estão pessimistas com o futuro da democracia no mundo?
Já tivemos outros períodos ruins, obviamente os
anos 1930 e depois nos anos 1970, quando havia muito descontentamento
com a vida nas sociedades democráticas. Mas as democracias ajustaram
suas políticas e elas conseguiram superar esses momentos de crise, e eu
suspeito que vamos fazer o mesmo agora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário