Caso Hillary Clinton derrote Donald Trump nas eleições do próximo dia 8 de novembro, ela se tornará a primeira mulher a governar os Estados Unidos.
Seria o ponto mais alto de uma vida pública está engendrada no coração da política do país: ela já foi primeira-dama, senadora e secretária de Estado.
Mesmo sendo alguém que teve a vida tão escrutinizada, poucas pessoas sentem que conhecem a "verdadeira" Hillary Clinton - em pesquisas, muitos americanos dizem simplesmente não confiar nela.
Ontem a BBC Brasil publicou um perfil com a trajetória de Donald Trump e hoje você confere a história da democrata, passando pela jornada dela de Chicago à Casa Branca pela primeira vez e por agora, na sua segunda tentativa de chegar lá novamente - só que como presidente.
26 de outubro de 1947: Nascimento em Chicago
O Hospital Edgewater, no norte de Chicago, está fechado atualmente - um abandono que dói em moradores, segundo muitos deles. Mas em outubro de 1947, estava na ativa e a todo vapor.
Dorothy Rodham tinha 28 anos e estava casada com o marido, Hugh, desde 1942 quando entrou em trabalho de parto no dia 26 para ter a primeira filha do casal, Hillary.
Dorothy teve uma infância difícil depois que os pais a abandonaram e por isso estava determinada a não repetir os mesmos erros.
O pai de Hillary, Hugh, era um homem irascível e fortemente conservador e havia sido um instrutor físico para a Marinha americana durante a Segunda Guerra Mundial.
Ficou conhecido por incentivar o sucesso dos filhos e costumava dizer para Hillary: "tudo o que um homem pode fazer, você também pode fazer".
15 de abril de 1962: Encontro com Martin Luther King
Em uma tarde de primavera em Chicago, uma das figuras mais controversas dos Estados Unidos fez um discurso vibrante na casa de concertos da cidade.
Martin Luther King havia acabado de falar sobre os direitos civis e o futuro do país e cumprimentou Hillary com um aperto de mãos - ela tinha 15 anos e morava no subúrbio de maioria branca e conservadora da cidade.
Hillary lembra até hoje que o discurso teve um grande impacto em sua vida.
Mas além de King, outro pastor também influenciou a então jovem Hillary: Dom Jones, que a encorajou a comparecer no evento com Luther King.
Ela sempre foi metodista e manteve uma longa amizade com Jones até a morte dele, em 2009.
"Ele me ensinou o significado da fé na prática", disse no velório.
1964: "Garota Goldwater"
Apesar de hoje ser a candidata do partido Democrata, Hillary foi da Juventude Republicana durante a vida escolar e fez campanha para o republican Barry Goldwater.
Ele era senador no Arizona e conhecido como "Senhor Conservador", autor do tratado A Consciência de um Conservador.
Atribui-se a ele a formação da agenda do ex-presidente e ícone republicano Ronald Reagan, que ajudou a definir grande parte da atual corrente de pensamento do partido.
Hillary era muito nova para votar, mas escreveu anos depois que se sentiu atraída pelo "individualismo áspero" da plataforma de Goldwater.
"Eu não nasci uma democrata", disse.
1969: Universidade de Wellesley - a mudança de lados
As alianças políticas de Hillary mudaram na época da faculdade. Ela chegou a perguntar a Dom Jones se era possível "ser uma conservadora na mente e ter um coração liberal".
Na formatura em 1969, sua posição politica já havia se solidificado. Em um discurso aos colegas em Wellesley, chegou a ofuscar o principal orador - o senador Edward Brooke - com uma fala sentimental que chamou atenção do país todo.
Quando ela entrou na escola de Direito na Universidade de Yale, uma das mais prestigiadas dos Estados Unidos, e conheceu um então jovem liberal do Estado de Arkansas chamado William Jefferson Clinton, Hillary já havia se distanciado da corrente política que marcou sua juventude.
Naquele momento, ela já era uma democrata.
1972: Campanha para McGovern
Em Yale, Hillary e Bill se tornaram rapidamente inseparáveis. Foi nesse período que eles alugaram a primeira casa juntos, em New Haven, Connecticut.
Ali foi início da longa jornada política que eles realizaram juntos. Na época, o candidato democrata à Presidência era George McGovern, um crítico ferrenho da ação militar americana no Vietnã que já estava no sétimo ano e já havia tirado milhares de vidas.
No meio dos estudos, Hillary e Bill resolveram apoiar McGovern e mesmo quando decidiram se mudar temporariamente para o Texas para assumir compromissos de campanha, nunca lhes pareceu como uma batalha que pudesse ser vencida.
1974 Watergate: a investigação de um presidente
Em janeiro, Hillary estava em Arkansas com Bill quando o telefone tocou. Era um velho conhecido oferecendo a eles um trabalho que poderia impulsionar a carreira dos dois.
Uma invasão no escritório do Comitê Nacional do Partido Democrata conseguiu informações e desvendou um esquema de corrupção que levava diretamente ao presidente. Dois anos depois da vitória arrebatadora nas urnas, Richard Nixon enfrentou a desgraça. John Doar foi nomeado para chefiar as investigações do impeachment e era ele do outro lado do telefone.
Bill havia sido nomeado para ser candidato a governador, e negou a proposta. Mas Hillary aceitou e com apenas 26 anos se uniu a um grupo de advogados para acumular provas que levaram ao segundo impeachment de um presidente dos Estados Unidos na história.
11 de outubro de 1975: Casamento no Arkansas
Depois da renúncia de Nixon, Hillary se dividiu um pouco sobre o que fazer em seguida. As perspectivas eram melhores em Washington, mas ela amava Bill. E Bill estava no Arkansas.
Ela decidiu então aceitar um emprego como professora de Direito da Universidade de Arkansas, onde ele também trabalhava depois de ter perdido a eleição para governador de 1974 por 6 mil votos.
Hillary já havia negado vários pedidos de casamento de Bill até aquele momento, mas quando ele perguntou novamente, ela finalmente disse "sim".
Eles se casaram na sala de casa em outubro de 1975, e a cerimônia foi celebrada por Vic Nixon, um ministro metodista que trabalhou na campanha de Bill.
Hillary usou um vestido que comprou com a mãe na noite anterior ao casamento. A filha deles, Chelsea, nasceu cinco anos depois, em 1980.
1978: Primeira-dama do Arkansas
Ao mesmo tempo em que o marido se tornou primeiramente Advogado-geral e depois governador do Arkansas, ela começou a trabalhar em um escritório de advocacia chamado Rose e logo se tornou sócia da empresa.
Hillary não tinha o perfil da típica esposa de político e isso começou a chamar atenção.
Ela era de fora da cidade, usava o sobrenome de solteira e era uma advogada que atuava em julgamentos. Como o salário de Bill não passava dos U$ 35 mil, ela também logo se tornou a maior provedora da casa. Os Clintons investiam em commodities e compravam imóveis.
Bill saiu do cargo em 1980, mas foi reeleito em 1982. Hillary então decidiu começar a ser chamada de Hillary Rodham Clinton.
1992 : "Dois pelo preço de um"
Hillary foi uma parceira ativa durante o mandato de Bill Clinton como governador no Arkansas e ele agora havia lançado sua candidatura para presidente.
A parceria do casal foi não passou despercebida e foi impulsionada pelos holofotes da mídia.
"Compre um, leve o outro de graça", chegou a brincar Bill durante um comício em New Hampshire. A imprensa acabou insistindo nessa fala já que mostraria, segundo alguns, o desejo secreto de Hillary de ser uma espécie de "copresidente".
Mas a escrutinização frequente e contínua colocou pressão no relacionamento dos dois e logo vieram as alegações de que ele mantinha uma relação extraconjugal há 12 anos com Gennifer Flowers.
Bill e Hillary vieram a público negar essas acusações na televisão - e no dia 3 de novembro ele foi eleito presidente.
Hillary se tornou primeira-dama dos Estados Unidos.
1995: As mulheres e a saúde
"Não há um manual de treinamento para primeiras-damas", escreveu Hillary em suas memórias. Ela estava determinada a servir o país "sem perder a própria voz".
Bill queria que Hillary participasse do mandato e delegou a ela a reforma do sistema de saúde. Milhões de americanos enfrentavam dificuldades quando ficavam doentes, mas a reforma não era um consenso e chegou a ser considerada como "o Monte Everest das políticas públicas" - por isso, o papel de Hillary era controverso. E falhou antes mesmo de ela conseguir formular uma proposta.
Mas em Pequim, em 1995, ela tocou em um assunto que ajudaria não apenas a definir essa proposta, como colocou os direitos da mulher na agenda global de forma definitiva.
1996: Abalada pelo escândalo de Whitewater
Durante o primeiro mandato de Bill Clinton, o casal enfrentou acusações de improbidade relacionada a compra de imóveis com Jim McDougal na década de 70.
Uma investigação independente liderada por Robert Fiske não encontrou provas, mas o sucessor dele, Kenneth Starr, manteve o inquérito aberto.
Em janeiro de 1996, Hillary foi intimada a prestar depoimento na Justiça - e ela se tornou a primeira mulher de um presidente a testemunhar perante um grande júri. Depois de uma hora de interrogatório, ela deixou a corte e enfrentou os repórteres.
Muito se falou sobre o casaco que ela usou na ocasião porque tinha um dragão bordado nas costas - e o assunto foi tão comentado que a Casa Branca foi obrigada a negar que havia um significado especial para que Hillary tivesse usado a peça.
1998: "Aquela mulher, a senhorita Lewinsky"
A investigação de Starr falhou em levantar provas de qualquer atividade ilegal por parte de Hillary, mas acabou desvendando um caso que chocaria ela e o mundo.
Bill Clinton havia sido eleito para o segundo mandato em 1996 com 49% dos votos, mas as revelações sobre o caso dele com uma estagiária da Casa Branca chamada Monica Lewinsky abalaram não apenas sua presidência como o casamento com Hillary.
Inicialmente ele negou o caso, e Hillary chegou a acreditar nele, afirmando que as alegações seriam parte de uma conspiração da direita.
Mas em uma manhã de agosto ela foi acordada por Bill andando de um lado para o outro do quarto. Ele se entregou. "O que você quer dizer? O que você está dizendo?". Hillary chorou. "Por que você mentiu para mim?"
1999: Ouse competir
Enquanto seu marido enfrentava um processo de impeachment, Hillary olhou para frente. Enquanto o Senado votava sobre o futuro de Bill Clinton, ela estava pensando no próximo passo.
Quando o senador incumbente de Nova York anunciou sua aposentadoria, o nome de Hillary logo foi colocado na discussão. Mas ela não estava decidida - o estresse causado pela exposição na mídia começava a pesar e o ritmo da campanha seria frenético.
Mas um documentário sobre mulheres no esporte foi o impulso improvável que ela precisava.
Em um evento de publicidade do filme, uma atleta jovem sussurrou no seu ouvido "ouse competir". Hillary então sentiu que o momento havia chegado, colocou o nome dela para tentar o cargo e ganhou - foi a única vez que uma primeira-dama foi eleita para um cargo público na história dos EUA.
11 de setembro de 2001 : 9/11
Menos de um ano depois de ter sido nomeada como senadora, Hillary se juntou ao resto do país em choque e luto com os ataques terroristas de 11 de setembro.
Cerca de 3 mil pessoas morreram e mais de 6 mil ficaram feridas no ataque.
Hillary Clinton foi peça chave para garantir cerca de 21 bilhões em ajuda federal para Nova Iorque nos meses que seguiram os ataques. E ela continuou a lutar por indenizações para os primeiros socorristas - os policiais, paramédicos e bombeiros que trabalharam naquele dia - muitos morreram ou ainda enfrentam sérios problemas de saúde.
A atuação dela nesse evento, atuando com poder e sensibilidade conquistou admiração de vários setores do partido Democrata.
2008 18 milhões de rachaduras
Depois de reeleita facilmente para o Senado em novembro de 2006, Hillary voltou suas atenções novamente para a Casa Branca.
Ela chegou à corrida como favorita para a nomeação democrata para a candidatura à Presidência, mas enfrentou uma campanha difícil e mau humorada contra o jovem e carismático senador Barack Obama.
Os escândalos dos anos 90 continuaram a assombrar sua reputação entre os eleitores - em abril daquele ano pesquisas de opinião apontavam que 61% dos americanos não confiavam nela e a consideravam desonesta.
A disputa foi acirrada, mas o discurso de renovação e esperança de Obama acabou vitorioso. Clinton foi forçada a admitir a derrota no seu primeiro esforço de se tornar a primeira mulher presidente dos Estados Unidos.
Ao admitir a derrota para a nomeação, Hillary agradeceu os milhões de apoiadores: "Ainda que não tenhamos conseguido estraçalhar aquele teto de vidro mais alto e forte dessa vez, graças a vocês, ele tem 18 milhões de rachaduras agora".
2009: Secretária de Estado
Depois de perder a nomeação, Hillary entrou de cabeça na campanha de Obama. E quando ele derrotou o rival John McCain ligou imediatamente para ela oferecendo o cargo de Secretária de Estado.
Em vez de aceitar, Hillary fez uma lista de outros candidatos possíveis, mas eventualmente cedeu e chegou a dizer: "se os papéis estivessem invertidos, eu gostaria de tê-lo no meu gabinete desesperadamente".
Ela foi a terceira mulher a assumir o posto tão prestigiado no governo americano e embarcou numa volta ao mundo exaustiva por 112 países e percorreu mais de um milhão de quilômetros.
A experiência dela como primeira-dama foi valiosa para estreitar laços com líderes no exterior e dentro dos Estados Unidos.
2012: Quatro americanos mortos
Apesar dos aplausos dos colegas democratas, o mandato de Hillary no Departamento de Estado não foi livre de controvérsias.
Em 11 de setembro de 2012, um ataque a tiros no consulado dos EUA na cidade de Bengazi, na Líbia, deixou quatro americanos mortos, entre eles o próprio embaixador, Chris Stevens.
Críticos da mídia republicana e conservadora ficaram escandalizados e culparam o governo de Obama, e a secretária de Estado em particular, por terem fracassado em identificar a ameaça à segurança antes do ataque.
Em meio à crítica crescente, Clinton renunciou em fevereiro de 2013. Mas as investigações continuaram.
2015: O escândalos dos e-mails
As investigações sobre a conduta de Hillary no ataque em Bengazi não encontrou provas significativas contra ele, mas um segundo comitê foi instaurado para continuar o inquérito.
Durante as investigações, foi revelado que Hillary usou servidores particulares de e-mail para enviar mensagens oficiais como secretária de Estado. Alguns críticos alegaram que o uso de um servidor privado era uma violação aos protocolos de segurança e ela foi forçada a entregar uma dezenas de milhares de e-mails.
Comentaristas mais conservadores pediram para que Hillary fosse processada. Em 2016, o FBI afirmou que ela não seria indiciada, mas os opositores políticos continuaram pedindo por sua prisão.
2016: Derrotando Bernie Sanders
Em 2015, Hillary anunciou outra tentativa de entrar na Casa Branca. Como a candidata mais conhecida, ela foi a favorita logo de início.
Mas o senador Bernie Sanders logo conquistou apoio, principalmente entre os jovens, e contrariando as expectativas, ele ficou logo atrás de Hillary e a pressionou durante toda a campanha, mas fracassou em conquistar nomeações suficientes para garantir a candidatura.
Em julho de 2016 Hillary Clinton entrou no palco da convenção do partido Democrata como a primeira mulher a conquistar uma nomeação por uma grande sigla nos EUA. Naquele dia, Bill Clinton acabou assumindo o papel que ela desempenhou para ele por tantos anos e a chamou de "a melhor transformadora que eu já conheci".
"Ela nunca desiste, mesmo quando a parada fica difícil. Ela nunca desistirá de você" - Bill Clinton, quando Hillary foi formalmente nomeada candidata à presidente
Novembro de 2016: Presidente eleita?
Na terça-feira, dia 08 de novembro, milhões de cidadãos americanos votarão para o próximo presidente: Hillary Clinton ou Donald Trump?
Na história dos EUA, poucos candidatos tiveram tanta experiência e longevidade na carreira como política como Hillary Clinton. Apesar disso, muitas pessoas ainda desconfiam da postura dela.
Mas ela não é Donald Trump - e para muitos americanos isso é suficiente para elegê-la. Porém, muitos outros nunca serão persuadidos a votar em Hillary.
Nós vamos saber na próxima terça-feira que caminho um eleitorado profundamente polarizado vai tomar em uma disputa que foi fraca em políticas e longa em chavões.
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