domingo, 27 de novembro de 2016

Trajetória de Fidel Castro marcou a segunda metade do século 20

Edição do dia 26/11/2016
26/11/2016 22h18 - Atualizado em 26/11/2016 22h18

Quase três quartos da população cubana só conheceram um governante.

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Fidel Castro teve uma trajetória que marcou a segunda metade do século 20. Quase três quartos da população cubana só conheceram um governante na vida.
Fidel Castro Ruz nasceu em 1926. Aos 13 anos, já demonstrava a disposição rebelde. Liderou uma greve de lavradores no canavial do pai, um latifundiário. Dizia-se chocado com o contraste entre a vida confortável que tinha e a miséria da população.
Formou-se em direito na Universidade de Havana e se lançou candidato a deputado nas eleições de 1952. O partido dele liderava as pesquisas, mas a votação foi cancelada quando o general Fulgencio Batista deu um golpe militar e assumiu o poder. Fidel Castro passou a defender a luta armada. 
Em 26 de julho de 1953, ele e o irmão Raúl comandaram um ataque ao quartel de Moncada. Oito revoltosos morreram no combate. Oitenta foram executados pelo exército. Os dois irmãos foram presos. No julgamento, Fidel fez o primeiro grande discurso, chamado “A história me absolverá”. Ironicamente, era uma defesa da liberdade de expressão contra um regime opressor.
Dois anos depois, Fidel e Raúl foram anistiados. Exilaram-se no México, onde criaram o movimento guerrilheiro 26 de Julho, com a ajuda do argentino Ernesto Che Guevara.
No fim dos anos 50, de volta a Cuba, Fidel, Raúl e Che Guevara iniciaram combates de guerrilha contra as forças do ditador Fulgencio Batista nas montanhas de Sierra Maestra. Em dezembro de 1958, o general presidente fugiu.
Em fevereiro de 1959, Castro prestava juramento como primeiro-ministro e formava o primeiro governo marxista do Ocidente.
 Fidel Castro chegou ao poder derrubando um ditador. Mas logo instalou um regime que também ficou marcado pela repressão.
Durante a ditadura de Fulgencio Batista, 20 mil pessoas foram executadas em Cuba. Ao assumir o poder, Fidel fez o mesmo.
Fidel Castro tinha prometido eleições livres. No poder, mudou o discurso e assumiu o perfil de ditador. Argumentou que a união nacional seria comprometida pela disputa entre partidos rivais, e passou a mandar prender os opositores. Muitos acabaram mortos no paredão ou “paredón”.
Segundo o historiador americano Thomas Skidmore, foram 550 execuções nos primeiros seis meses do regime. O britânico Hugh Thomas estima que em 1970 o número chegava a 5 mil.  A Fundação Cubano-Americana, um grupo de exilados cubanos nos Estados Unidos, afirma que mais de 12 mil cubanos foram executados desde a revolução de 1959. Em 2001, o governo cubano anunciou uma moratória das execuções. Mas três cubanos que sequestraram uma barca dois anos depois acabaram fuzilados.
Sindicatos perderam o direito de realizar greves, jornais independentes foram fechados e instituições religiosas perseguidas.
Cubanos contrários ao comunismo passaram a fugir para os Estados Unidos. Só nos três primeiros anos da revolução, 250 mil pessoas deixaram o país. A pequena ilha fica a apenas 140 km do estado americano da Flórida.
O maior êxodo ocorreu em 1980, quando o governo autorizou a saída dos insatisfeitos e 125 mil pessoas partiram.
Em 93, Fidel sofreu uma humilhação pessoal. A filha dele pediu asilo político aos Estados Unidos.
A proximidade de um regime comunista se tornou incômoda para os Estados Unidos. E em plena guerra fria, Cuba quase se tornou o pivô de uma guerra nuclear.
No início dos anos 50, durante a ditadura de Fulgencio Batista, investimentos estrangeiros tinham feito de Cuba uma das economias de maior crescimento na América Latina. A presença de empresas americanas havia se fortalecido. O país era o primeiro da América Latina, e quinto no mundo, em número de aparelhos de TV por habitante, por exemplo.
O governo revolucionário desapropriou terras para a reforma agrária. As propriedades rurais não poderiam ter área maior do que quatro mil metros quadrados nem pertencer a estrangeiros. Aluguéis tiveram preços cortados pela metade. Empresas de capital estrangeiro foram nacionalizadas. Boates e cassinos, que atraíam turistas, acabaram fechados.
E a ditadura comunista virou fonte de preocupação para os Estados Unidos. Documentos do governo americano revelam que operações para derrubar o regime comunista começaram a ser planejadas já em 1959.
O serviço de segurança de Fidel Castro não apresenta provas, mas afirma que a agência de espionagem americana tentou matar Fidel Castro mais de 600 vezes, até com charutos que explodiriam. Uma comissão do Senado americano revelou um plano que incluía a participação da máfia, interessada em reabrir os cassinos.
Enquanto Fidel Castro governava Cuba com mão de ferro, dez presidentes passaram pela Casa Branca. O primeiro deles, Dwight Eisenhower, impôs as primeiras sanções econômicas em resposta ao confisco de terras e à nacionalização de empresas americanas.
E a ilha de Cuba se transformou em palco da guerra fria. A União Soviética e países comunistas do Leste Europeu passaram a comprar o açúcar cubano, boicotado pelos Estados Unidos.
Durante o governo de John Kennedy, dois episódios quase transformaram a ilha no centro de uma guerra nuclear.
Em abril de 1961, mercenários e exilados cubanos tentaram invadir a ilha, na Baía dos Porcos, com apoio militar dos Estados Unidos. Financiada pelo o serviço secreto americano, a tentativa fracassada aproximou o ditador Fidel Castro ainda mais da União Soviética.
No ano seguinte, sob o argumento de proteger Cuba, a União Soviética enviou mísseis nucleares que seriam instalados na ilha. Kennedy cercou Cuba com a marinha americana, e o mundo esteve à beira de uma guerra entre as duas superpotências. No fim, o premiê soviético Nikita Kruschev mandou retirar os mísseis, depois de receber de Kennedy a promessa de não invadir Cuba. Meses depois, mísseis americanos eram retirados de bases militares na Turquia, perto da União Soviética.
 Depois da revolução, Cuba passou por transformações sociais e graves crises econômicas.
No governo, Fidel reprimiu impiedosamente a oposição ao regime. Mesmo assim, o carisma e os programas sociais o tornaram um governante popular em Cuba, com grandes avanços na saúde e na educação.
Antes da revolução, 23,6% da população não sabiam ler e escrever. Nas áreas rurais, a situação era pior: 61% das crianças não frequentavam escolas. Fidel convocou estudantes das cidades a irem para o campo ensinar, e erradicou o analfabetismo.
A maioria dos seis mil médicos de Cuba trabalhava na capital, Havana, em clínicas particulares. Fidel ordenou que fossem espalhados pelo país. Mas metade preferiu fugir. E, para substituí-los, Fidel criou três novas escolas de medicina. Com mais acesso à saúde pública, o índice de mortalidade infantil se tornou o mais baixo entre os países em desenvolvimento.
Mas a economia estagnou. O país não produzia, e os cubanos sobreviviam com o mínimo. A ajuda soviética aliviava o bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos. Mas essa dependência teve um preço.
O fim da União Soviética, em 1991, pôs a ilha de Fidel Castro em crise. Sem dinheiro para a manutenção de máquinas agrícolas, por exemplo, a produção de açúcar e tabaco caiu. Sem o maior parceiro comercial, agravou-se o desabastecimento. A falta de combustível provocou paralisações na indústria. A Venezuela de Hugo Chávez passou a fornecer metade do combustível usado em Cuba.
Cuba passou a estimular a recepção de turistas e legalizou o dólar, para facilitar a remessa de dinheiro de parentes de cidadãos cubanos que viviam no exterior.
 A revolução cubana influenciou movimentos de esquerda em vários países. Mas, nos últimos anos, as preocupações com a saúde de Fidel dominaram as manchetes.
De Cuba, o ditador se tornou uma espécie de exportador de revoluções. Uma influência que foi sentida principalmente nos países em desenvolvimento.
Cuba treinou guerrilheiros do Brasil nos anos 1960 e 1970. Com apoio soviético, soldados cubanos lutaram ao lado da facção marxista na guerra civil de Angola.
A visita ao Chile de Salvador Allende, em 1971, alarmou os militares, preocupados com a influência comunista de Fidel. Dois anos depois, Allende foi deposto por um golpe militar que levou Augusto Pinochet ao poder.
Cuba também ajudou o movimento sandinista a derrubar a ditadura de Anastasio Somoza na Nicarágua, em 1979.
Na América Latina de hoje, os principais seguidores de Fidel são o venezuelano Nicolás Maduro e o boliviano Evo Morales.
Fidel se tornou também conhecido pelo prazer que tinha em falar em público. Em 1960, fez o discurso mais longo da história da assembleia geral da ONU: quatro horas e meia.
Em 2001, depois de sete horas de discurso, passou mal. Mas no mesmo dia voltou à televisão para completar a fala.
As preocupações com a saúde de Fidel passaram a se agravar em 1998, quando surgiram boatos, logo desmentidos pelos médicos, de que ele teria problemas no cérebro.
Em outubro de 2004, tropeçou e caiu após um discurso. Fraturou o joelho e o braço direitos. Dois meses depois, voltava a andar.
Em 2005, agentes da CIA afirmaram que Fidel Castro sofria de mal de Parkinson. Ele negou. Em julho de 2006, uma infecção intestinal fez com que Fidel fosse hospitalizado e submetido a uma cirurgia.
Passou em 2008 o comando do país ao irmão, Raúl, que começou uma série de reformas econômicas.
Desde então, apareceu poucas vezes na TV cubana, geralmente no hospital, quando recebia visitas de líderes estrangeiros.
Mesmo depois da reaproximação com o inimigo de sempre, seguiu criticando os Estados Unidos.
Em abril, no congresso do Partido Comunista, com a voz frágil, disse que a hora dele estava próxima.
A última aparição foi numa homenagem pelo aniversário de 90 anos, em agosto passado.

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