Parlamentares atuam nos bastidores para restringir apurações, driblar punições e controlar os investigadores da Lava-Jato. Procuradores e magistrados tentam impedir "operação abafa"
Com a proximidade do desfecho da delação da Odebrecht, aumenta a tensão entre Brasília e Curitiba. Enquanto um grupo de parlamentares, observado pelo Palácio do Planalto, costura nas sombras formas de escapar de punições mediante mudanças na legislação, investigadores da Operação LavaJato se articulam para impedir a manobra, batizada nos bastidores de "operação abafa".
O mix de iniciativas reúne ações como a mudança nas regras dos acordos de leniência, a inclusão de familiares de políticos na repatriação de valores, o projeto do abuso de autoridade e a anistia do caixa 2, considerada vital para blindar parlamentares do alcance das revelações da Odebrecht sobre o financiamento clandestino das campanhas eleitorais.
Nesta segunda-feira, procuradores da República em Curitiba e Brasília ficaram quase seis horas reunidos com o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), relator de um conjunto de propostas encaminhado pelo Ministério Público Federal (MPF) sob o título de 10 Medidas contra a Corrupção. No encontro, discutiram os 17 pontos do relatório do gaúcho. Alinhado à força-tarefa, o democrata aceitou retirar a possibilidade de juízes e integrantes do MPF responderem por crime de responsabilidade.
— Para não ter risco de contaminar o projeto com as manobras que Renan Calheiros discute no Senado, retiramos esse ponto. Não podemos misturar as medidas com ações que querem confrontar investigadores — destacou Onyx.
Presente na reunião, o coordenador da força-tarefa da Lava-Jato, procurador Deltan Dallagnol, ficou satisfeito e espera que o texto seja aprovado sem mudanças na comissão especial, nesta quinta-feira, e no plenário da Câmara, a partir da próxima semana.
— Foi mantido o núcleo central do projeto para que brechas por onde escapam os corruptos sejam fechadas — disse o procurador.
Outro ponto de preocupação dos investigadores é a anistia do caixa 2, cuja aprovação une siglas que se engalfinharam no impeachment, como PT, PSDB, PMDB, PP e PR. Conforme a redação dada em seu projeto, a força-tarefa acredita que a criminalização do caixa 2 não deixará brechas, mesmo que a lei penal não possa retroagir para prejudicar o réu. O caixa 2 anterior à futura lei seria punido como corrupção e lavagem de dinheiro.
Para garantir a anistia sem questionamentos na Justiça, parte da cúpula da Câmara defende, nos bastidores, deixar claro no texto o perdão. Assim, avalia-se repetir a manobra de setembro, quando tentou-se votar de surpresa a anistia, em um texto cujo teor e autor ainda são desconhecidos.
A dificuldade é justamente encontrar um deputado disposto a apresentar a autoproteção no plenário.
— Tem uma turma que quer anistiar, mas não tem coragem de assumir publicamente. O PT precisa deixar bem claro que só votará a criminalização se não prever anistia — diz Pepe Vargas (PT-RS).
Contrário ao perdão, Jerônimo Goergen (PP-RS) alerta para a tentativa de aprovar, em outro projeto, fora das medidas contra corrupção, a anistia:
— Espero votações nominais e não por acordo, na qual não aparece a posição de cada um.
Parlamentares pretendem absolver a contabilidade paralela cometida antes de a futura lei entrar em vigor. Deputados e juristas divergem sobre o tema. Uma interpretação indica a necessidade de o perdão estar explícito no texto de uma lei. Outra análise sustenta que a anistia ocorre de qualquer forma, já que a norma penal não retroage para prejudicar o réu. Procuradores da Lava-Jato entendem que, nos casos anteriores à lei, o caixa 2 pode ser enquadrado em crimes como corrupção, lavagem e peculato.
Parlamentares pretendem absolver a contabilidade paralela cometida antes de a futura lei entrar em vigor. Deputados e juristas divergem sobre o tema. Uma interpretação indica a necessidade de o perdão estar explícito no texto de uma lei. Outra análise sustenta que a anistia ocorre de qualquer forma, já que a norma penal não retroage para prejudicar o réu. Procuradores da Lava-Jato entendem que, nos casos anteriores à lei, o caixa 2 pode ser enquadrado em crimes como corrupção, lavagem e peculato.
Força-tarefa expõe tramas e tentativas de blindagem
Preocupada com o futuro da operação, a força-tarefa da Lava-Jato adota como estratégia na queda de braço com parte do Congresso mobilizar a opinião pública e colocar nos holofotes cada articulação da classe política contra as investigações. A marcação cerrada já teve sucesso na tentativa de modificar as regras da delação premiada. Uma das ideias impedia presos de firmarem o acordo, o que barraria, por exemplo, a negociação com Marcelo Odebrecht.
O esforço da força-tarefa tem o apoio de Polícia Federal, associações de magistrados e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Um exemplo da atuação ocorreu na última semana, quando o líder do governo na Câmara, André Moura (PSC-SE), tentou a urgência do projeto que altera as regras dos acordos de leniência. Ele pretendia levar ao plenário um texto desconhecido dos próprios deputados. Em resposta, a força-tarefa convocou uma entrevista coletiva, na qual o procurador Deltan Dallagnol afirmou que a "Lava-Jato estará ferida de morte" com o projeto.
Moura recuou, mas a intenção era excluir Ministério Público Federal e Tribunal de Contas da União dos acordos celebrados entre empresas e governo federal, além de barrar o uso de documentos apresentados na confissão em outras investigações. Assim, se a Odebrecht fechasse um acordo de leniência nestas novas regras, o material repassado não seria usado na Lava-Jato.
— É fundamental que outros órgãos possam usar os documentos. Nossa preocupação é de que o acordo de leniência amplie a investigação. Essa proposta discutida trabalha com a ideia de a empresa confessar os fatos que já são de domínio dos órgãos de controle. Confessa, obtém o perdão e para por aí — critica o procurador regional da República Antônio Carlos Welter.
Integrante da força-tarefa da LavaJato, Welter defende a necessidade de regulamentar aspectos que deixam dúvidas na leniência, porém com debate público nas comissões do Congresso. Presidente da OAB, Claudio Lamachia concorda com a posição. A entidade monitora tentativas de votar projetos "de surpresa" e não descarta, caso sejam aprovados, recorrer ao STF.
— Qualquer modificação na leniência e na delação deve ser discutida. Não é correto apresentar, de uma hora para outra, uma emenda que ninguém conhece o texto — afirma o dirigente.
Renan mira no abuso de autoridade
No Senado, a reação à Lava-Jato ocorre a partir de medidas moralizadoras que buscam afetar magistrados e procuradores. O projeto sobre abuso de autoridade tem como fiador Renan Calheiros (PMDB-AL), um dos recordistas de inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF).
A proposta foi convertida em prioridade pelo presidente do Senado depois que a Polícia Federal prendeu policiais legislativos suspeitos de obstruírem a Lava-Jato.
— A lei de abuso de autoridade do Brasil é de 1965, foi editada pelo general Castelo Branco (presidente durante a ditadura militar) — tem insistido o peemedebista.
Para discutir o tema, Renan defende a ida do juiz Sergio Moro ao Senado. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o magistrado destacou que essa lei pode deixar autoridades, como juízes e promotores, expostas a acusações caso suas posições sejam revistas em tribunais superiores. Para Moro, é preciso "garantir que interpretação da lei não significa abuso".
Em diferentes bancadas, a discussão do abuso de autoridade tem apoio, mas o momento é considerado inoportuno.
— Vai parecer que o Senado quer restringir a Operação Lava-Jato — afirma Vanessa Grazziotin (PC do B-AM).
Interessados em manter vantagens, juízes apontam o pente-fino nos supersalários como medida de retaliação. Renan instalou comissão para investigar o pagamento de vencimentos acima do teto (R$ 33,7 mil) a servidores do três Poderes, mas no Judiciário a medida foi vista como tentativa de constrangimento.
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