segunda-feira, 27 de junho de 2016

STF pode rever permissão de prisão em segunda instância

Recurso da OAB pede revogação da decisão da Corte que determinou, em fevereiro, cumprimento imediato de pena por condenados em tribunais colegiados 

Por: Carlos Rollsing
27/06/2016 - 03h01min | Atualizada em 27/06/2016 - 08h32min
STF pode rever permissão de prisão em segunda instância  Rosinei Coutinho/SCO/STF
Foto: Rosinei Coutinho/SCO / STF
Considerada um avanço contra a impunidade no país, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de que réus condenados em segunda instância podem começar o cumprimento da pena, inclusive nos casos de prisão, antes do trânsito em julgado nos tribunais superiores, pode ser revista. Um recurso da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) solicitando revogação do dispositivo chegou a entrar na pauta da sessão de 22 de junho do STF, mas acabou retirado. Não há previsão para retorno, mas o caso segue acirrando o debate sobre o sistema penal brasileiro.
Entidades da sociedade civil, saturadas com a sensação de "impunidade", e associações de juízes apoiam a interpretação do STF. A Corte modificou o entendimento anterior de que o indivíduo somente poderia ter a sanção contra si executada após o esgotamento completo dos recursos, incluindo aqueles previstos no STF e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A OAB e defensores da área criminal repudiam a medida, e entendem que ela afronta a presunção da inocência e as garantias individuais.
Em fevereiro de 2016, por 7 votos a 4, a Corte reformulou a jurisprudência ao julgar o habeas corpus apresentado por um advogado que pretendia anular mandado de prisão expedido contra o seu cliente pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
Relator do caso, o ministro Teori Zavascki argumentou que a presunção da inocência se encerra após a decisão de segunda instância, observado o duplo grau de jurisdição. Ele enfatizou que, nos tribunais superiores, o debate é restrito às questões de direito, como nulidades da investigação e do processo e prescrições. A análise das provas do crime e dos fatos ocorrem somente até a segunda instância. Por isso, se condenado, entendeu Zavascki, o réu passa a ser culpado e deve iniciar o cumprimento da pena, mantendo o direito aos recursos previstos, às medidas cautelares e ao habeas corpus, que pode relaxar punições.
Réus da Operação Lava-Jato sem foro privilegiado, como os empresários, operadores financeiros e ex-dirigentes de estatais envolvidos no esquema de corrupção da Petrobras, ficaram alarmados com a diretriz do STF. Para aqueles que aguardam em liberdade, a medida pode significar o encurtamento da vida fora do cárcere. O descontentamento foi cristalizado pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, que protestou nos áudios gravados por ele com políticos da cúpula do PMDB. Ele xingou os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli de "filhos da p..." devido ao voto favorável de ambos à prisão antes do trânsito em julgado.
A classe dos advogados avalia que a orientação fere a Constituição e abre margem para erros.
— A decisão é equivocada. A Constituição é clara no sentido de que a presunção de inocência vale até o trânsito em julgado. A FGV (Fundação Getúlio Vargas) fez estudo que apontou que aproximadamente 15% das sentenças são modificadas pelo STF e pelo STJ, com absolvição de réus. Isso significa que 15% dessas pessoas poderiam estar cumprindo penas injustamente — avalia o advogado Marlus Arns de Oliveira, que trabalha para mais de 10 suspeitos na Lava-Jato.
Para os defensores, embora não seja possível discutir provas e fatos nas cortes superiores, a chance de buscar revisões em favor dos seus clientes é uma possibilidade que acaba sendo restringida.
— A matéria de direito, em muitos casos, beneficia o réu. Existem nulidades de condução do processo e de produção de prova. Há casos de decisões que contrariam jurisprudências já consolidadas. Muita coisa pode ser discutida no STF e no STJ sem ser questão de prova — diz Jader Marques, representante da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas no Rio Grande do Sul.
Para Marques e Arns, o clamor popular por maior rigor com criminosos e a demora no julgamento de processos foram determinantes para a decisão do STF.
— Os argumentos até podem ser válidos, podemos discutir se há excesso de recursos, entretanto a Constituição está aí para guardar a presunção de inocência. Se a opinião pública está correta, o que precisamos fazer é mudar a Constituição — afirma Arns, cobrando obediência às normas vigentes.
Apesar da discussão crescente, não é considerado expressivo o número de processos de segunda instância que conseguem ser objeto de análise nas cortes superiores. Existem requisitos a serem atendidos.
— Não chega a 10% a quantidade de casos que sobem à instância superior, mas, para cada um desses réus, é uma garantia fundamental, é tudo. No caso do STF, precisa vencer a repercussão geral (o recurso não pode se limitar ao interesse das partes). A grande maioria já se resolve na segunda instância — observa Jader Marques. 
Ajufe defende limitação no número de recursos dos réus
A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) tem ponto de vista oposto ao dos advogados: em 2015, a entidade apresentou a um grupo de senadores projeto de lei que previa execução da pena depois da segunda instância em casos de crimes hediondos e de colarinho branco. A proposta está em discussão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A decisão do STF foi mais abrangente, abarcando o cumprimento das punições antes do trânsito em julgado para todos os crimes, o que a Ajufe está apoiando agora. A associação avalia que a medida deveria ser acompanhada de mudança no Código de Processo Penal para moderar a quantidade de recursos disponíveis aos réus.
— É uma medida moralizadora e contra a impunidade. O sistema brasileiro permite uma infinidade de recursos e isso protela ad aeternum o cumprimento da pena. Não há tribunal que aguente. Você pega um processo e ele tem 10 ou 15 julgamentos só de recursos — opina Roberto Veloso, presidente da Ajufe.
Ele enumera os embargos infringentes e declaratórios, o agravo de instrumento, os recursos especial e o extraordinário, alguns dos expedientes que podem ser solicitados em diferentes instâncias, estendendo em anos o trânsito em julgado.
— A ampla defesa e o contraditório continuam sendo observados. Não há prejuízo — defende Veloso.
Para Luiz Fernando Oderich, presidente da ONG Brasil Sem Grades, advogados tentam usar os apelos às instâncias superiores como forma de forçar a prescrição dos processos:
— Na maioria dos países do mundo, a situação se resolve na segunda instância. A sociedade clama por justiça rápida.
Entre os apreciadores da medida, o entendimento é de que o STF, com a mesma composição de fevereiro, quando tomou a posição pela primeira vez, não deverá acatar o apelo da OAB por revogação. Para o futuro, a Ajufe avalia que é mais seguro transformar a execução da pena depois da segunda instância em lei para evitar novas mudanças — hoje a jurisprudência está amparada em julgamento de um habeas corpus pelos ministros da Corte. 
Saiba mais
O caso original
- A decisão foi tomada na análise do habeas corpus 126292, da defesa do ajudante-geral Márcio Rodrigues Dantas. Em primeira instância, ele foi condenado a cinco anos e quatro meses de reclusão por roubo qualificado. Dantas recorreu, em liberdade, ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), mas perdeu. O TJ-SP manteve a pena e ordenou prisão imediata. Dantas apelou ao Superior Tribunal de Justiça, que reafirmou a prisão.
- A defesa pediu a libertação de Dantas ao Supremo Tribunal Federal (STF), argumentando que a prisão sem trânsito em julgado representaria afronta à jurisprudência do STF e ao princípio da presunção da inocência (artigo 5º, inciso LVII, da Constituição). Relator do recurso, o ministro Teori Zavascki concedeu liminar ao réu em fevereiro de 2015. Um ano depois, em fevereiro desse ano, na análise de mérito, Zavascki foi o primeiro a propor a mudança da jurisprudência, tese acolhida por outros seis ministros.
O novo entendimento
- Com a decisão tomada em fevereiro desse ano, a pena começa a ser cumprida após condenação em segundo grau.
- Condenados presos continuarão tendo direito de pedir habeas corpus e o juiz poderá permitir que recorra em liberdade. Essa possibilidade não será mais a regra geral.
- Recursos ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal (STF) não terão efeito suspensivo.
- Até 2009, o STF entendia diferente. À época, também julgando habeas corpus e com o mesmo placar de
fevereiro passado (7 a 4), a Corte decidiu que a execução da pena ficava condicionada ao trânsito em julgado.
Placar: 7 x 4
Como votou cada um dos ministros do Supremo no julgamento realizado em fevereiro sobre a prisão de réu após condenação em segundo grau.
A FAVOR
- Carmen Lúcia
- Dias Toffoli
- Edson Fachin
- Gilmar Mendes
- Luís Roberto Barroso
- Luiz Fux
- Teori Zavascki
CONTRA
- Celso de Mello
- Marco Aurélio Mello
- Ricardo Lewandowsky
- Rosa Weber

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