quinta-feira, 23 de junho de 2016

Esquema no Planejamento desviava dinheiro de crédito consignado, diz PF

23/06/2016 14h15 - Atualizado em 23/06/2016 18h36

Esquema no Planejamento desviava dinheiro de crédito consignado, diz PF

Escritório ligado a Paulo Bernardo recebeu R$ 7 milhões, diz MPF.
Esquema teve participação de funcionários de vários escalões do governo.

Tahiane Stochero e Tatiana SantiagoDo G1 São Paulo
O ex-ministro do Planejamento Paulo Bernardo, preso preventivamente durante a Operação Custo Brasil, é transferido pela Polícia Federal de Brasília para São Paulo  (Foto: José Cruz/Agência Brasil)O ex-ministro do Planejamento Paulo Bernardo, preso preventivamente durante a Operação Custo Brasil, é transferido pela Polícia Federal de Brasília para São Paulo (Foto: José Cruz/Agência Brasil)
Paulo Bernardo, que foi ministro do Planejamento do governo Lula e das Comunicações no primeiro governo Dilma Rousseff, foi preso nesta quinta-feira (23) acusado de integrar uma organização formada para fraudar um serviço de gestão de crédito consignado a funcionários públicos.
A empresa contratada para o serviço, o Grupo Consist, cobrava mais do que deveria e repassava 70% do seu faturamento para o PT e para políticos, segundo informaram a Polícia Federal, aReceita Federal e o Ministério Público Federal. A propina paga entre 2009 e 2015 teria chegado a cerca de R$ 100 milhões.
"Dezenas de milhares de funcionários públicos foram lesados", disse o superintendente da Receita Federal em São Paulo, Fábio Ejchel.
A defesa de Paulo Bernardo negou que a contratação da Consist teve seu aval e chamou a prisão do ex-ministro de ilegal. O PT classificou a ação da PF de "midiática" e disse que há uma tentativa de criminalizá-lo. A Consist disse que sempre colaborou com a Justiça e as investigações (veja notas na íntegra ao final do texto).
A Operação Custo Brasil, que é um desdobramento da Lava Jato, foi deflagrada nesta quinta-feira em 5 estados.
Ao todo, foram expedidos 65 mandados judiciais, sendo 11 de prisão preventiva, 40 de busca e apreensão e 14  de condução coercitiva, quando a pessoa é levada a prestar depoimento.
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Operação Custo Brasil - arte (Foto: Arte/G1)
Como funcionava o esquema
Segundo as investigações, o esquema teve início em 2010 e durou até agosto de 2015, quando foi realizada a 18ª fase da Lava Jato, chamada de Pixuleco, em agosto de 2015. O caso foi descoberto a partir da delação Alexandre Romano, que foi vereador pelo PT em Americana (SP).
No final de 2009, o Ministério do Planejamento autorizou que a Consist fizesse a gestão de empréstimos consignados (com desconto em folha) para servidores públicos e pensionistas. "Contratou-se uma empresa que cobrava um valor muito maior do que deveria cobrar por aquele serviço", afirmou o superintendente da Receita, Fábio Ejchel.
Estamos falando de centenas de milhares de pagamentos do crédito consignado. E existia [a cobrança] de um pouco mais de R$ 1 para o serviço de gerenciamento e controle, em um custo que era só R$ 0,30. Estes valores eram desviados e aumentavam o custo Brasil"
Fábio Ejche
superintendente da Receita em SP
Os funcionários que faziam esse tipo de empréstimo com bancos acabavam pagando R$ 1 por mês para a Consist, como taxa de administração. O custo, segundo investigadores, era de R$ 0,30. Tudo a mais que a empresa recebia com essa fraude (70% do faturamento dela) ia para o bolso de políticos, para o PT e para operadores do esquema, de acordo com a força-tarefa da operação.
Os ex-ministros Paulo Bernardo e Carlos Eduardo Gabas (Previdência) seriam dois dos beneficiados. Gabas foi alvo de mandado de busca e apreensão.
"Estamos falando de centenas de milhares de pagamentos do crédito consignado. E existia [a cobrança] de um pouco mais de R$ 1 para o serviço de gerenciamento e controle, em um custo que era só R$ 0,30. Estes valores eram desviados e aumentavam o custo Brasil", afirmou Fábio Ejchel. "Dezenas de milhares de funcionários públicos foram lesados."
O procurador Andrey Borges de Mendonça explicou que eram os funcionários que pagavam o sobrepreço que havia no serviço. "Foram aqueles que dependem do empréstimo consignado. Esses no final é quem pagavam, porque os bancos repassavam a eles esse sobrepreço de, no mínimo, 70% do valor do contrato", disse.
Formação da quadrilha
Até 2009, o sistema de informática do Ministério do Planejamento apresentava uma falha sobre o limite que o servidor poderia obter sobre o salário – cujo máximo é 30% do salário. Naquele ano, houve uma pressão de bancos e de servidores para que houvesse a contratação de uma empresa especializada na área para impedir que isso continuasse acontecendo.
Neste momento, a quadrilha é formada, com a contratação do Grupo Consist, que iria atuar no controle da tecnologia. "É neste momento, na contratação desta empresa [em 2009], é que houve a fraude", afirma o delegado da Polícia Federal Rodrigo de Campos Costa.

Do total arrecadado no período, 30% era repassado para a Consist a custas de pagamento pelos serviços (R$ 40 milhões). Segundo as autoridades, cerca de R$ 100 milhões arrecadados ilegalmente no período serviram para o pagamento de propina que manteve o esquema.

A Consist é apontada pelo juiz Sérgio Moro, à frente da Operação Lava Jato, que investiga o esquema na Petrobras, por ser responsável pelo pagamento de propina a partidos e políticos.
Distribuição da propina
Do contrato da Consist com o governo, o valor da propina (R$ 100 milhões no período) era repartido pelo ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, quem decidia as porcentagens que cada um deveria receber, informou o procurador da República Andrey Borges de Mendonça.

"João Vaccari ele tinha uma função exponencial no esquema, porque ele era responsável por coordenar o recebimento no Partido dos Trabalhadores (PT). As evidências apontam que ele tinha conhecimento de tudo e que era ele que indicava as empresas que deveriam receber os valores e por meio de quais empresas ele deveria receber. Então ele tem uma participação ativa no esquema, tanto que foi decretada a prisão do senhor João Vaccari também", informou o procurador.
João Vaccari tinha uma função exponencial no esquema, porque ele era responsável por coordenar o recebimento no Partido dos Trabalhadores (PT)"
Andrey Borges de Mendonça, procurador da República
Destes 70% do total do esquema destinado à propina de políticos que Vaccari administrava, Paulo Bernardo teve direito a quantias que variavam entre 9,5% e 2%, dependendo de sua função no governo e na manutenção da fraude.

Além de Bernardo, outros atores tinham direito a porcentagens dentro do pagamento da propina, entre eles Alexandre Romano, que ficava com 20% do total dos 70% da propina. Da parcela de Romano, 80% era destinado ao Partido dos Trabalhadores (PT).
O valor que foi recebido pelo escritório ligado a Bernardo foi apurado com base em notas fiscais do Grupo Consist direcionadas a um escritório de advocacia que prestava serviço de forma "laranja" para Bernardo, segundo Andrey Borges de Mendonça, procurador da República que investiga o caso.
Os escritórios ficavam em média com 20% do valor total repassado. "Os R$ 7 milhões foi o que se apurou em notas da Consist para o escritório de advocacia. O que apuramos foi que 80% do total repassado ao escritório [cerca de R$ 5,6 milhões] ia para Paulo Bernardo", disse Mendonça.

"O senhor Paulo Bernardo era ministro do Planejamento na época que foi iniciado o esquema criminoso e foi ele quem indicou pessoas estratégicas pra que esse esquema se iniciasse, pessoas de primeiro e segundo escalão pra que esquema criminoso fosse instaurado e mantido por esses cinco anos, tanto assim que recebeu valores não apenas enquanto era ministro do Planejamento, mas as evidências apontam que ele recebeu valores mesmo após ter saído do Ministério do Planejamento e até enquanto era ministro das Comunicações ele continua recebendo esses valores", explicou o procurador da República.
Questionado sobre se o PT recebeu propina do esquema, o procurador confirmou. "As evidências dizem que sim. O PT recebeu parcela dos valores desviados da Consist desse esquema do Ministério do Planejamento."
Primeiro, segundo e terceiro escalão do Ministério
Para que a fraude fosse mantida, funcionários do Ministério do Planejamento também recebiam no esquema. Foram identificados os pagamentos a dois empregados do ex-ministro Paulo Bernardo durante a transferência de recursos. Os nomes não foram divulgados.
Secretários adjuntos do ministério e um servidor de uma diretoria, que também foi preso, estavam cientes da fraude, segundo o delegado Rodrigo de Campos.
"Identificamos a participação de funcionários do Ministério do Planejamento e Gestão do primeiro, segundo e terceiro escalão", explicou o delegado da PF.
O que dizem os suspeitos
A defesa de João Vaccari Neto não quis se manifestar. O ex-ministro Carlos Gabas confirmou que houve busca e apreensão na sua casa e afirmou que está à disposição para esclarecimentos. Gabas disse ainda que quer que tudo seja esclarecido, que os culpados sejam responsabilizados e que os inocentes sejam absolvidos e liberados.
Veja íntegra da nota da defesa de Paulo Bernardo:

"O Ministério do Planejamento se limitou a fazer um acordo de cooperação técnica com associações de entidades bancárias, notadamente a ABBC e SINAPP, não havendo qualquer tipo de contrato público, tampouco dispêndios por parte do órgão público federal. Ainda assim, dentro do Ministério do Planejamento, a responsabilidade pelo acordo de cooperação técnica era da Secretaria de Recursos Humanos e, por não envolver gastos, a questão sequer passou pelo aval do Ministro.
Não bastasse isso, o inquérito instaurado para apurar a questão há quase um ano não contou com qualquer diligência, mesmo tendo o Ministro se colocado à disposição por diversas vezes tanto em juízo como no Ministério Público e Polícia Federal.
A defesa não teve acesso à decisão ainda, mas adianta que a prisão é ilegal, pois não preenche os requisitos autorizadores e assim que conhecermos os fundamentos do decreto prisional tomaremos as medidas cabíveis
NOTA DOS ADVOGADOS"
Veja íntegra da nota do PT:
O Partido dos Trabalhadores condena a desnecessária, midiática, busca e apreensão realizada na sede nacional de São Paulo.
Em meio à sucessão de fatos e denúncias envolvendo políticos e empresários acusados de corrupção, monta-se uma operação diversionista na tentativa renovada de criminalizar o PT.
A respeito das acusações assacadas contra filiados do partido, é preciso que lhes sejam assegurados o amplo direito de defesa e o princípio da presunção de inocência.
O PT, que nada tem a esconder, sempre esteve e está à disposição das autoridades para quaisquer esclarecimentos.
Veja íntegra da nota da Consist
Em relação às informações noticiadas nesta quinta-feira (23/06/16), a Consist esclarece que sempre colaborou e continuará colaborando com a Justiça Federal e com os órgãos de investigação.

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