quarta-feira, 19 de agosto de 2015

O que significa a entrada do Brasil no seleto grupo de parceiros da Alemanha? Mariana Schreiber Da BBC Brasil em Brasília

AP
Chegada de comitiva alemã sinaliza 'interesse de longo prazo' no Brasil, analisa diplomata
Pouco mais de um ano após visitar o Brasil para ver sua seleção campeã do mundo, a chanceler (premiê) alemã, Angela Merkel, está de volta ao país com objetivo de estreitar as relações entre as duas nações.
A visita conta com uma comitiva de sete ministros e cinco secretários de Estado e inaugura um processo de "consultas intergovernamentais" entre os dois países.
Dessa forma, o Brasil entra para um seleto grupo de parceiros mais próximos da Alemanha – a maior economia europeia só mantém esse tipo de relacionamento com oito países: França, Itália, Espanha, Polônia, Israel, Rússia, China e Índia.
A partir de agora, a previsão é que a cada dois anos uma comitiva de peso de um dos países visite o outro. Ou seja, o plano é que em 2017 a presidente brasileira vá a Berlim acompanhada de alguns ministros. Nesses encontros, deve ser discutido o plano de cooperação entre os dois países em diversas áreas.
A comitiva alemã chega na noite desta quarta-feira e participa de um jantar no Palácio do Alvorada com a presidente Dilma Rousseff e ministros brasileiros. Ao longo da quarta-feira haverá mais de 20 encontros entre as autoridades dos dois países.
Segundo o diretor do departamento da Europa no Itamaraty, Oswaldo Biato Júnior, o fato de o governo alemão estar vindo em peso ao Brasil em meio a um momento delicado para os dois países reforça a importância do encontro.
"Não só a visita acontece num momento difícil para eles, com negociações extremamente complexas sobre a Grécia, como a comitiva vem só para isso", afirmou, destacando que Merkel e seus ministros não aproveitarão a viagem à América Latina para visitar outros países na região.
Biato observou que os alemães não são "marinheiros de primeira viagem" – os investimentos no país já têm um século e atravessaram outros momentos difíceis, como as crises dos anos 1980 e do governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992).
"Se não acreditassem no êxito do governo, não estariam vindo. Teriam cancelado meses atrás. Isso demonstra que há realmente um interesse estratégico, de longo prazo (no Brasil)", reforçou.
Os países têm interesses comuns em diversas áreas, como meio ambiente, reforma do Conselho de Segurança da ONU, privacidade da internet, ciência e tecnologia, direitos humanos e investimentos produtivos. Porém, a expectativa é de que a visita não resulte em anúncios bilionários, como ocorreu na passagem do primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, em maio.
"Esse não é o estilo alemão. Eles atuam de forma mais discreta e com visão de longo prazo", nota Roberto Abdenur, embaixador em Berlim por seis anos durante o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
Saiba quais as principais áreas que devem ser destaque na relação mais póxima entre Brasil e Alemanha nos próximos anos.

Meio ambiente

Área de colaboração histórica entre os dois países, a questão ambiental terá especial importância durante a visita de Merkel a Brasília, quando é esperado um comunicado conjunto das duas presidentes sobre a Conferência do Clima, a COP21, que acontece no final do ano em Paris.
Segundo o Greenpeace, a cooperação na área ambiental se consolidou no início dos anos 90 com a criação do Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais (PPG7), visando o desenvolvimento e a criação de áreas protegidas no Brasil. A Alemanha foi o principal parceiro e investidor do programa, tendo contribuído também para outras iniciativas como o Fundo Amazônia.
Nesta quarta-feira, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, e sua equivalente alemã, Barbara Hendricks assinam acordos de cooperação de 54 milhões de euros (cerca de R$ 210 milhões). Os recursos serão utilizados na redução das emissões de gases de efeito estufa e em atividades de proteção da Amazônia e de áreas de transição para o cerrado.
Outros 23 milhões de euros (R$ 89 milhões) serão doados à Caixa Econômica Federal, destinados à implementação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) – registro de terras que se tornou obrigatório com o Novo Código Florestal.
EPA
Assim como Merkel, Dilma foi monitorada por agência dos EUA; assunto está na pauta dos encontros

Reforma da ONU

Ambos os países não fazem parte do Conselho de Segurança da ONU – criado após a Segunda Guerra Mundial - e atuam juntos na tentativa de reformar o órgão.
Segundo o embaixador Abdenur, Rússia e China são os principais focos de resistência à ampliação do órgão, que conta ainda com outros três membros permanentes – França, Estados Unidos e Reino Unido.
Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais na Fundação Getulio Vargas (FGV), nota que Brasil e Alemanha têm pontos de convergência na área de segurança internacional. As duas nações compartilham "uma relação ambígua com os Estados Unidos" e uma postura de "ceticismo" com relação às intervenções do país.
"Ambos se abstiveram da resolução que possibilitou a intervenção militar na Líbia em 2011 e tiveram as mesmas críticas sobre a forma como ela foi conduzida. Também foram céticos sobre a invasão no Iraque", exemplifica.

Segurança da internet

A revelação de que Dilma e Merkel foram monitoradas pela NSA – Agência de Segurança Nacional dos EUA – aproximou os dois países na área de segurança da internet.
Desde 2013, duas propostas conjuntas de resolução sobre o tema foram apresentadas à ONU solicitando que a organização promovesse o direito à privacidade na internet em todos os países. Adotadas por consenso, resultaram na criação de uma relatoria especial para supervisionar a evolução do tema.
A expectativa é de que a Alemanha, que conta com tecnologia mais avançada, colabore com o governo brasileiro para a melhora da proteção de dados no país.

Educação, ciência e tecnologia

A visita prevê assinatura de alguns acordos para promoção de pesquisa, outra área já tradicional de cooperação entre os dois países, de acordo com o embaixador Biato Júnior.
Ele detalhou que serão firmadas declarações conjunta de intenções para desenvolvimento de pesquisas sobre biotecnologia, energias renováveis, a parte sul do Oceano Atlântico e para exploração das chamadas “terras raras”, entre outros estudos.
"Terras raras são matérias-primas estratégicas necessárias para produtos de alta tecnologia como smartphones. Nos últimos anos, por questões econômicas, a exploração acabou sendo quase que exclusivamente feita na China, o que levantou uma preocupação de um monopólio", explicou.
"Os alemães, assim como japoneses e coreanos, estão interessados em ampliar o leque de fornecedores, e o Brasil, junto com Rússia e Mongólia, tem jazidas importantes ainda não exploradas", acrescentou.
Além disso, o governo alemão tem intenção de ampliar as aulas de alemão para brasileiros que vão estudar no país, o "Alemão sem fronteiras". Hoje, há cerca de 6 mil brasileiros estudando na Alemanha, um dos principais países receptores de alunos do programa Ciências Sem Fronteiras.

Economia

A Alemanha é o quarto maior parceiro comercial brasileiro – atrás de China, Estados Unidos e Argentina. A soma das exportações e importações entre os dois países chega a US$ 20 bilhões – valor que ficou mais ou menos estagnado nos últimos anos.
Segundo o Itamaraty, o país é historicamente um dos que mais investe no Brasil, havendo cerca de 1,6 mil empresas alemãs instaladas no território brasileiro.
Não são esperados anúncios de investimentos durante a visita de Angela Merkel, mas a presidente Dilma Rousseff deve fazer uma apresentação do Programa de Investimento em Logística (PIL), pacote de concessões que prevê gastos de R$ 198 bilhões na área de infraestrutura.

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