quarta-feira, 20 de maio de 2015

OLIVER STUENKEL | AUTOR DO LIVRO "BRICS E O FUTURO DA ORDEM GLOBAL" » “Dinheiro chinês é chance única de integrar fisicamente América Latina”

Oliver Stuenkel é professor adjunto de Relações Internacionais na FGV. / DIVULGAÇÃO
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  • SalvarR. A presença chinesa é importante para todos os projetos. Agora, sabemos que muitos desses projetos e esse investimento, que se fala em 53 bilhões de dólares, não vai acontecer desse jeito. Quando estudamos grandes propostas e olhamos o que aconteceu depois, vemos que muitas ações acabam não acontecendo, nem tem o mesmo tamanho. Mas mesmo se só a metade acontecer, isso é muito grande. Só a presença dessas promessas de investimento é uma chance única de integrar o continente sul-americano de um jeito que vai transformar a relação que nós temos com os nossos vizinhos. A América do Sul é muito mal integrada em termos de infraestrutura, é fisicamente pouco integrado.
Resposta. Certamente não está preparado. O patamar chinês realmente é menor do que aquele que a gente teve nas últimas três décadas e hoje estamos vivendo o que os chineses chamam de "novo normal", que é um crescimento menor, mas mais sustentável. A China está passando por vários processos típicos de países em desenvolvimento que atingem um patamar per capita que é menos dependente de exportação e mais dependente de consumo interno. E o grande erro do Brasil foi não ter se preparado para anos mais difíceis, sobretudo durante o Governo Lula. Obviamente, o ponto crucial do crescimentos dos últimos anos foi essa demanda chinesa e, mesmo sabendo que isso iria acabar em algum momento, o Brasil não fez nada.
P. Mas como vai fica o comércio entre os dois países?
R. Apesar do crescimento mais baixo, a China vai se manter como o grande parceiro comercial do país. O comércio com a China vai crescer em números absolutos e relativos se comparamos o total do comércio brasileiro com o resto do mundo, porém não vai mudar qualitativamente. Em termos absolutos ainda está ótimo, mas qualitativamente não está. Seguimos sendo um fornecedor de commodities, com todo o risco que isso implica. A questão é que o Brasil não tem alta produtividade de valor agregado.
P. Qual a importância do encontro de Dilma Rousseff com a o primeiro-ministro chinês Li Keqiang ?
R. É um encontro focado em questões econômicas. Ele está aqui, ele é a segunda pessoa mais influente da China, mas está aqui claramente como um emissário do presidente. Não é ele é quem vai tomar muitas decisões, é uma visita mais simbólica de aproximação. Ele quer mostrar que o peso econômico maior da China é bom para o continente. Do ponto de vista chinês, a América do Sul é apenas uma peça do esquema mundial para assegurar fornecimento de matéria prima e também de mercado que consumem produtos chineses de valor agregado.
P. Quais as perspectivas do futuro dos BRICS?
R. Acho que o grupo está passando por um momento de maior dinamismo, não no aspecto econômico dos países, mas vamos ver em breve o lançamento do Banco de Desenvolvimento do grupo. Isso será a primeira manifestação institucional do grupo. É um passo importante, pois desenvolver esse banco com outros países não é trivial, isso conecta esses países e gera uma ligação institucional de longa duração. Esse banco ligará os ministérios de fazenda, os bancos centrais, vamos ter um aumento de atividades intra BRICS. O que mostra que o grupo não depende mais de questões de crescimento econômico, é um grupo com viés cada vez mais político. Uma de suas grandes manifestações aconteceu, no ano passado, quando o grupo resolveu se recusar a se alinhar com os EUA e Europa sobre a questão da Crimeia. Os BRICS salvaram a Rússia de um isolamento político total. Realmente eu discordo desta leitura de que o grupo está encarando problemas por causa de um crescimento econômico mais baixo. Está tendo uma ampliação inédita de atividades do grupo. O custo é zero e os benefícios que esses países têm são grandes.
P. E como o Brasil está aproveitando essa ampliação?
R. Para o Brasil é realmente muito bom. É por meio do grupo BRICS que a presidenta do Brasil consegue se encontrar a sós com o presidente da China duas vezes ao ano. Uma vez no G20 e outro na cúpula. Apesar dos diplomatas não admitirem, o Brasil não teria essa possibilidade se não fosse pelo grupo BRICS. É um acesso, um canal direto importante. E esses encontros não acontecem apenas no nível presidencial temos encontros ministeriais em muitas áreas como saúde e educação. Quando você fala da cooperação do Brasil com os países do grupo há 10 anos, era impensável que chegasse ao nível de hoje. No caso da Rússia, a exportação brasileiras aumentaram muito. Tem uma visibilidade grande e passa essa visibilidade ao Brasil.
P. O que podemos esperar de novidade no próximo encontro dos BRICS em julho na Rússia?
R. Provavelmente será divulgada a data de lançamento do banco do grupo e quem serão os representantes na instituição. No Brasil, o representante deve ser provavelmente o Paulo Nogueira Batista Jr, do FMI. Vamos ter mais detalhes de como funcionará o fundo de reserva, e a grande questão será se o banco financiará projetos de outros países além dos membros dos BRICS. Acho que também será anunciada uma série de medidas para desburocratizar o comércio entre os países.
P. Além do Banco do BRICS o Brasil será membro do novo banco asiático de desenvolvimento...
R. Isso tudo faz parte de uma ordem paralela, não para substituir ou confrontar a ordem vigente, mas para reduzir o controle que os países possuem sobre a ordem atual. Os BRICS continuarão apoiando as instituições vigentes, mas esses bancos criarão um fundamento para que os países não sejam apenas dependentes do FMI e o Banco Mundial. Para o Brasil, isso significa que estamos caminhando para uma ordem multipolar, mas tudo depende da trajetória da China nos próximos anos.

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