O repórter secreto do Fantástico investigou uma prefeitura onde acontecem coisas muito estranhas. Você já ouviu falar em chuva esperta? Parece que na pacata cidade de Camapuã, com seus 13 mil habitantes, apareceu um novo fenômeno meteorológico.
“Você já viu a tal da chuva inteligente? Você já ouviu falar? Essa daí é inteligente”, diz o aposentado Sílvio da Costa. Se a chuva é inteligente, o pessoal de Camapuã também não é burro. “É fora de série a ‘robatina’”, completa.
Foi por causa de um suposto pé d’água que o Gaeco fechou o tempo em uma cidade do interior do Mato Grosso do Sul. O Grupo de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público está de olho em mais de R$ 8 milhões em contratos fraudulentos da prefeitura.
Camapuã tem o orgulho de ser "a capital do bezerro de qualidade", mas também quer indústrias. O polo industrial da cidade tem galpões... E mais nada. Máquina, obra, operário? Nada.
“Essa empresa, que está realizando obras no parque industrial aqui do município, ela recebeu dois pagamentos na ordem de R$ 500 mil e pouco. Pelo volume de dinheiro que essa empresa movimentou, é algo sem cabimento”, diz o vereador Giovani Rocha.
A empresa se chama Arbaes Construtora, e o repórter secreto do Fantástico foi até a sede dela. No endereço informado pela própria empresa à Receita Federal, não há muro, portão ou empresa.
A casa “é de um ex-secretário de Administração, hoje é um assessor. Ele trabalha como assessor dentro da Secretaria de Administração do Município”, diz o vereador.
Antes de dar nome aos bois, vamos ver o que faz mais uma empresa contratada pela prefeitura de Camapuã. O asfalto do bairro é coisa de louco. A empresa responsável se chama 2A. E a sede dela fica bem na frente da prefeitura. Ao todo, ela tem cerca de R$ 5 milhões de contratos com as duas gestões do mesmo prefeito. O repórter Eduardo Faustini não encontra ninguém.
No ano passado, o Ministério Público começou a receber denúncias. “As denúncias davam conta de desvio de recursos públicos a partir de contratos forjados, contratos fraudulentos, de aquisição de material de construção, bem como serviços na área de construção civil”, diz Marcos Alex Veras de Oliveira, coordenador da Gaeco no Mato Grosso do Sul.
Iniciada a investigação, as autoridades tentaram examinar a papelada da prefeitura. “O Ministério Público local requisitou as licitações, empenhos, pagamentos e documentos que comprovassem aqueles pagamentos que tínhamos notícia que vinham ocorrendo, e que estavam sob investigação”, explica Marcos Roberto Dietz, promotor do Gaeco/MS.
Foi aí que caiu em Camapuã a chuva inteligente. “O que nos chamou a atenção foi a justificativa apresentada pelo então procurador jurídico do município, Maurício Duailibi, para justificar o extravio desses documentos. Simplesmente ele alegou que dez caixas de documento teriam sido danificadas por água da chuva. Esses documentos foram levados para secar no sereno em uma situação inusitada e, por uma razão não explicada, ainda sumiram da prefeitura da noite para o dia”, conta o coordenador da Gaeco no Mato Grosso do Sul.
A chuva esperta teria caído no dia 10 de março do ano passado, mas o boletim de ocorrência foi feito muito tempo depois. “O registro da ocorrência do extravio desses documentos se deu somente 60 dias após o evento chuva e após o Ministério Público ter cobrado por várias vezes que se enviasse essa documentação”, diz o coordenador da Gaeco no Mato Grosso do Sul
A história da chuva virou motivo de chacota na cidade. “Os papéis que eram para prova de negociação, de compra, de assim, aquilo ela molhou. O IPTU, não”, ironiza o aposentado Sílvio da Costa.
O Gaeco foi à prefeitura investigar a chuva inteligente. De fato, ali tem uma infiltração, mas veja o que os funcionários contam ao promotor:
Homem: Era só mais ou menos isso aqui. Não era um documento importante, assim...
Fantástico: Não botaram para secar nada não, né?
Homem: Não, não. Perdeu-se algum documento aqui no teu setor, você lembra?
Mulher: No meu, não.
Fantástico: Não botaram para secar nada não, né?
Homem: Não, não. Perdeu-se algum documento aqui no teu setor, você lembra?
Mulher: No meu, não.
Na época da tempestade duvidosa, Maurício Duailibi era o procurador jurídico do município. Foi ele quem enviou um ofício ao Gaeco para comunicar a "chuva torrencial" que acabou fazendo a papelada sumir. Supostamente.
Em conversa gravada com autorização da Justiça, Maurício pede um favorzinho ao dono de uma empresa que presta serviço à prefeitura fornecendo salgados.
Maurício Duailibi: Você ainda tem aquele contrato com a prefeitura?
Dono de empresa: Qual contrato?
Maurício Duailibi: De salgados.
Dono de empresa: Tenho.
Dono de empresa: Qual contrato?
Maurício Duailibi: De salgados.
Dono de empresa: Tenho.
Agora, como secretário de administração de Camapuã, Maurício quer fazer um agrado a um pessoal no estádio da cidade, o Carecão.
Maurício: Eu vou fazer um aperitivo para um pessoal que vai jogar hoje lá no Carecão e estava pensando em pegar uma carne. Você joga como salgado.
Depois que o Gaeco começou a investigar as falcatruas, Maurício ligou para um colaborador para dar um conselho de amigo da onça.
Maurício Duailibi: Que marca de cigarro você fuma?
Colaborador: Eu ainda não fumo, não.
Maurício Duailibi: Mas vai ter que aprender.
Colaborador: Que que foi?
Maurício Duailibi:Dia de visita em cadeia é quinta-feira, domingo, como é que é? O Gaeco está aqui atrás daquelas notas.
Colaborador: Eu ainda não fumo, não.
Maurício Duailibi: Mas vai ter que aprender.
Colaborador: Que que foi?
Maurício Duailibi:Dia de visita em cadeia é quinta-feira, domingo, como é que é? O Gaeco está aqui atrás daquelas notas.
Sobre as notas dos contratos molhados na tal chuva, ele e um comparsa dizem o seguinte, em outro telefonema.
Maurício Duailibi: Vai dar mais ou menos só uns R$ 800 mil.
Colaborador: Daquelas notas? Não, pode jogar três vezes, mais esse valor.
Colaborador: Daquelas notas? Não, pode jogar três vezes, mais esse valor.
Ou seja, R$ 2,4 milhões em notas frias.
Na sexta-feira (08), Maurício foi preso pelo Gaeco durante operação de busca e apreensão em vários locais. Ele portava uma arma sem registro e sem porte. Foi solto depois de pagar fiança.
O Fantástico procurou Maurício Duailibi e o prefeito da cidade, Marcelo Duailibi, do DEM. O prefeito é sobrinho de Maurício. Nossa equipe procurou também Carlos Nino Machado, o assessor da prefeitura que é o dono daquela casa que é sede da empresa Arbaes. Não recebemos resposta. Já o dono da 2A, José Augusto de Souza, não foi encontrado.
As investigações continuam, inclusive de empresas que supostamente prestam serviço à cidade, mesmo estando sediadas a mais de mil quilômetros dali.
Por isso, senhores Maurício e Marcelo Duailibi, o Fantástico pergunta: cadê o dinheiro que tava aqui?
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