- 02/11/2017
A liberdade de José Dirceu mexe com os ânimos de muita gente que anseia ver o Brasil passado a limpo. A vida dele fora da prisão provoca discussão até mesmo no plenário do Supremo Tribunal Federal. O ex-ministro da Casa Civil de Lula foi o estopim de um debate acalorado no STF que azedou de vez as relações entre os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso.
Numa sessão que tratava da extinção dos tribunais de contas dos municípios do Ceará, Gilmar responsabilizou Barroso pela soltura de José Dirceu. Barroso se irritou, disse que Dirceu foi solto por decisão do plenário e acusou Gilmar de leniência com criminosos de colarinho branco. A discussão só terminou a pedido da presidente da Corte, Cármen Lúcia.
Enquanto isso, José Dirceu aguarda o julgamento de recurso em liberdade, mas, desde que deixou a prisão em maio, vive recluso em Brasília, pois não pode ser visto nas ruas. A proibição não está entre as medidas restritivas impostas pela Justiça, mas se deve, sim, aos cuidados do PT com a integridade do seu fundador, já que ele foi alvo de protestos desde o primeiro minuto em que saiu da cadeia em Curitiba. Em vez de locais públicos, o petista prefere ambientes mais reservados, longe dos holofotes da mídia e de olhares dos curiosos de plantão.
Nas sombras
Mas se engana quem acha que os dois anos atrás das grades o alijaram das decisões do partido. É agindo nas sombras que José Dirceu continua dando as cartas aos companheiros do PT. Algumas orientações ocorrem por intermédio de emissários. Eles são visitas constantes em seu local de moradia, que é desconhecido da maioria da militância. O endereço é tratado no mais absoluto segredo pela cúpula petista. Apenas os companheiros graduados e próximos do ex-ministro – condenado tanto no Mensalão quanto na Lava Jato – sabem onde fica.
A reportagem de ISTOÉ apurou que o domicílio de Zé Dirceu situa-se no Lago Sul, um setor residencial nobre de Brasília. Uns dizem que o imóvel é alugado. Outros, que é de um amigo. O imóvel foi transformado numa espécie de bunker do ex-ministro. É lá onde ele tem passado as orientações aos companheiros de sua confiança. O entra e sai de carros na rua chama a atenção.
A residência é estrategicamente situada em uma área afastada do centro da capital e com acesso restrito. Dirceu lá vive com a mulher e a filha. Mas elas têm poucos momentos reservados com ele. Segundo um assessor do deputado distrital Chico Vigilante (PT-DF), quando não está absorto em sua leitura, geralmente composta por títulos de autores de esquerda, Dirceu recebe visitas, uma atrás da outra.
É assim o dia todo. Vigilante compara o ritmo de “trabalho” do companheiro com o mesmo de quando ele era ministro de Estado. Acorda cedo e tem a agenda recheada de audiências. O ex-presidente do PT não deixou de ser considerado um dos gurus da legenda.
O partido não dá um passo sem que Dirceu seja consultado. Foi assim com a postura adotada pelas bancadas da sigla no Congresso durante a reforma trabalhista e a PEC que limitou os gastos da administração. Sua orientação foi clara: sabotar tudo o que vier do governo.
Ora obstruindo a pauta, ora promovendo manifestações nas ruas. Ele também participou da escolha da Gleisi Hoffmann para a presidência do PT. Numa reunião entre integrantes da executiva às vésperas da escolha, Dirceu deu aval à ascensão da senadora. Agora, o ex-capitão do time de Lula sugere que o partido volte a se aproximar dos militares.
José Dirceu também tem se comunicado com outros réus da Lava Jato. Um deles é o ex-presidente Lula. Mas não há encontros pessoais, pois estão proibidos. Os recados são transmitidos por intermediários – geralmente, assessores de parlamentares.
Aos amigos mais próximos, Dirceu não esconde a mágoa com o também ex-ministro Antônio Palocci por ele ter tentado fechado acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal. Sobre sua volta para a cadeia, aparenta resignação. “Tenho conversado com ele eventualmente. Ele sabe que vai voltar à prisão. Mas está tranqüilo, pois sabe que é uma condenação contra o PT”, afirma um amigo.
Dirceu, que usa tornozeleira eletrônica, tem aproveitado os últimos instantes que lhe restam de liberdade. Recentemente, foi visto em um show de rock com a camisa do Corinthians, ao lado de companheiros de legenda. Cada minuto é precioso, pois sabe que o período fora das grades pode ser exíguo.
A 8.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) deve julgar em breve os recursos da apelação que a defesa dele apresentou para a pena dada pelos desembargadores em 26 de setembro, quando a pena de 20 anos de prisão, decretada pelo juiz Sérgio Moro, foi aumentada para 30,9 anos. Se os recursos forem negados, os dias de liberdade de José Dirceu chegarão ao fim.
O partido não dá um passo sem que Dirceu seja consultado. A nova
orientação do petista é para que o partido se aproxime mais dos militares
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