quarta-feira, 8 de novembro de 2017

PROCURADORIA APONTA 20 ANOS DE ‘OMISSÕES E DESÍDIAS’ DO MINISTÉRIO DA CULTURA








  • 08/11/2017

Na denúncia que levou à Justiça Federal contra 32 investigados da Operação Boca Livre – investigação sobre fraudes e desvios de R$ 21 milhões via Lei Rouanet – a Procuradoria aponta vinte anos de “omissões e desídias” do Ministério da Cultura.
“Foram quase duas décadas repletas de aprovações, pelo MinC, de projetos culturais irregulares, marcadas pela ausência de análise da correspondente prestação de contas e da devida e aprofundada fiscalização, em especial, no que toca aos projetos do Grupo Bellini Cultural, cujas prestações de contas, na sua quase totalidade, não restaram concluídas”, assinala a procuradora Karen Louise Kahn, do Ministério Público Federal de São Paulo.

Segundo a Procuradoria, uma organização criminosa se formou no Grupo Bellini para a prática de estelionatos contra a União e falsidade ideológica. Empresas tradicionais se valeram, na condição de patrocinadoras, de parcerias com o Grupo Bellini para alcançar generosos incentivos fiscais.
A Procuradoria dedica um capítulo inteiro ao Ministério da Cultura. “Da omissão na fiscalização pelo Ministério da Cultura e da continuidade delitiva na execução de projetos fraudulentos.”
A denúncia de Karen insere-se em “um contexto de desvirtuamento dos objetivos da Lei Rouanet, os quais, inobstante a regular captação de recursos instituída para a promoção de projetos culturais em nível nacional, deixaram de ser atingidos por conta dos desvios de recursos públicos promovidos por parte dos denunciados, especialmente, a partir dos falsos registros de pagamentos e da pactuação, entre eles, de contrapartidas ilícitas, dentre outras fraudes detectadas”.
A Lei Rouanet, ao instituir o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) teve como escopo a criação de mecanismos para facilitar a arrecadação de recursos, visando a promoção de projetos culturais que difundissem a cultura brasileira, facilitando à toda a sociedade o livre acesso às fontes de cultura e o pleno exercício dos direitos culturais.
Na dinâmica do processo de aprovação do projeto cultural, a proposta é submetida à Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura (Sefic), braço do Ministério da Cultura, que avalia a capacidade técnica do proponente – com atuação há pelo menos dois anos na área cultural -, a viabilidade de execução do projeto, seus custos e, por fim, o atendimento à finalidade da Lei Rouanet.
“Incumbe ao Ministério da Cultura, dentre outras atribuições, a aprovação e fiscalização de projetos culturais, dispensando às empresas patrocinadoras o chamado ‘Incentivo Fiscal’, previsto na Lei Rouanet”, destaca a denúncia de 167 páginas. “No presente caso, porém, foi verificada grave omissão do Ministério da Cultura na efetiva fiscalização dos projetos culturais (Pronacs, Programa Nacional de Apoio à Cultura), no bojo dos quais foram detectadas as fraudes denunciadas.”
A Procuradoria assinala que já em 2011, o Ministério da Cultura “fora fiscalizado pelo Tribunal de Contas da União, que identificou um passivo de 87,94% de Pronacs propostos desde 1992, sem a conclusão da correspondente prestação de contas, e que demandaria cerca de 19 anos para ser efetivada”.
Karen Kahn ressalta que, em 2013, foi constituída uma força-tarefa para a análise das prestações de contas pendentes.
Dentro deste escopo, o Ministério da Cultura fiscalizou 24 projetos do Grupo Bellini Cultural, apresentados no período de 1990 a abril de 2011, “havendo detectado indícios de falsificações nos documentos de comprovação de despesas”.
Tal fato resultou na elaboração da Nota Técnica 01/2013. “Após criar diversos parâmetros para fiscalização, entre 2014 e início 2016, pelos quais somente projetos com captação superior ao valor de R$ 2 milhões seriam submetidos a uma análise financeira completa, o MinC, em 20 de abril de 2016, buscou uma uniformização na análise desse ‘Passivo’, compreendendo as prestações de contas recebidas de 1991 a dezembro de 2011”, segue a acusação formal da Procuradoria.
Nesta linha, aprovou o Manual de Análise de Prestação de Contas Força-Tarefa Passivo, em cumprimento ao Acórdão TCU n.º 1385/2011, “em cujo roteiro o próprio MinC admite que não houve a fiscalização in loco da execução dos projetos”.
“Tal fato revelou a falta de capacidade do Ministério da Cultura em fiscalizá-los, fato este que, facilmente, propiciou o surgimento de associações e organizações criminosas, como a ora denunciada, com desvio de recursos públicos por mais de uma década e em valores que superam a casa dos R$ 21 milhões”, aponta a Procuradoria.
“Somente a partir de tais constatações, que o MinC decidiu por comunicar as diversas irregularidades à Controladoria-Geral da União, solicitando apuração.”
Estas irregularidades, segundo a Procuradoria, consistiram nos seguintes indícios. a) fotos adulteradas, b) comprovantes de bibliotecas adulterados (as quais teriam sido contempladas com livros de acesso ao público, objeto de diversos Pronacs), c) fraudes de documentos e declarações falsas, d) de emissão de notas fiscais inidôneas; f) apresentação de documentos para comprovação que pertenciam a outros Pronacs; g) utilização das mesmas prestadoras de serviços para dispêndios mais substanciais com recursos do Pronac; h) alternância entre as empresas Amazon Books e Solução Cultural na qualidade de proponentes dos projetos e prestadoras de serviços.
Segundo a denúncia, um dos acusados, Felipe Vaz Amorim, do Grupo Bellini, indicou a ausência de fiscalização do Ministério da Cultura, em seu depoimento prestado à Polícia Federal.
“A clara inércia do Ministério da Cultura em apurar devidamente as irregularidades apontadas na denúncia anônima, encaminhada pelo Ministério Público Federal, evidenciou-se, a partir da continuidade na atuação fraudulenta das empresas do grupo (Bellini), não impedindo a perpetuação de suas fraudes, inobstante diversos indícios das fraudes já tivessem vindo à tona, durante o trâmite do procedimento administrativo interno instaurado. que a estrutura administrativa voltada para tal apenas foi criada após o acórdão do Tribunal de Contas da União em que foi determinada a adoção de providências quanto ao estoque de prestações de contas existente”, segue a Procuradoria.
Felipe Amorim declarou que o MinC “não realizava a análise na prestação de contas dos projetos culturais, esclarecendo que no período de 2001 a 2011 acredita que houve a análise de prestação de contas de somente 5 projetos, dentre dezenas, os quais foram aprovados”.
“Somente depois que o MinC recebeu uma denúncia envolvendo o Grupo Bellini é que começaram a ocorrer análise nas prestações de contas”, disse Amorim. “Até 2012, não havia regulamentação específica na forma como as prestações de contas deveriam ser realizadas.”
A procuradora Karen Kahn é enfática. “Foram quase duas décadas repletas de aprovações, pelo MinC, de projetos culturais irregulares, marcadas pela ausência de análise da correspondente prestação de contas e da devida e aprofundada fiscalização, em especial, no que toca aos projetos do Grupo Bellini Cultural, cujas prestações de contas, na sua quase totalidade, não restaram concluídas.”
Segundo a denúncia, a Operação Boca Livre apurou o descumprimento de diversos procedimentos legais que visavam evitar a utilização indevida de recursos públicos, como: a) o princípio da não-concentração por segmento e por beneficiário, previsto no artigo 19, parágrafo 8º da Lei 8313/91; b) a não fiscalização dos projetos durante sua execução, em descumprimento ao artigo 20, caput, da Lei 8313/9113; c) a avaliação final totalmente extemporânea, em dissonância ao disposto no artigo 20, parágrafo 1º da Lei 8313/91.
“Diante da manifesta desídia e omissão do Ministério da Cultura em empreender a devida fiscalização quanto à aprovação dos projetos culturais que lhe foram, à época, apresentados, persistem fortes indícios da prática de prevaricação e possível corrupção por servidores da Secretaria de Fomento e Incentivo a Cultura, muito embora ainda não identificados, circunstâncias essas que permitiram que o Grupo Bellini Cultural continuasse desviando recursos públicos ao longo de quase vinte anos”, acusa a Procuradoria.
“Estes e outros desvios de recursos públicos, com elevados danos ao erário, vieram corroborados pelo referido Relatório de Auditoria n.º 20160011615 elaborado pela Controladoria Geral da União, indicando a necessidade de melhor apuração de responsabilidades, no âmbito civil e administrativo, em especial, envolvendo a atuação omissão ou ilegal de servidores, inclusive, no tocante à aprovação e fiscalização dos projetos culturais junto à Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura (Sefic), responsável pela aprovação e fiscalização dos projetos”, argumenta o Ministério Público Federal.
Defesas
O Ministério da Cultura
“Em relação à denúncia realizada nesta segunda-feira (6) pelo Ministério Público Federal de São Paulo (MPF-SP) de 32 suspeitos de participarem de organização criminosa liderada por Antônio Carlos Bellini, que teria desviado recursos captados via Lei Rouanet para benefício próprio, o Ministério da Cultura esclarece que:
1. O MinC iniciou investigação interna deste caso em 2011, a partir de denúncia recebida pelo Ministério Público. As irregularidades identificadas nos projetos do Grupo Bellini foram informadas ao Ministério da Transparência e Controladoria Geral da União em 2013, e resultaram na Operação Boca Livre, deflagrada pela Polícia Federal em 2016.
2. O Ministério da Cultura inabilitou as empresas identificadas, que não tiveram mais nenhum projeto admitido.
3. No curso das investigações, os técnicos do MinC descobriram que a organização criminosa desenvolveu novas estratégias: passou a operar com outras empresas, com outro CNPJ. À medida em que o MinC identificava novas empresas, as inabilitava e comunicava ao Ministério da Transparência e Controladoria Geral da União.
4. O Ministério da Cultura esclarece que não repassa recursos públicos de seu orçamento para realização de projetos culturais via Lei Rouanet. O MinC é responsável por analisar os requisitos objetivos e aprovar os projetos culturais apresentados. Tais projetos são apoiados financeiramente por pessoas físicas ou jurídicas. Em contrapartida, o governo federal abre mão de até 100% do valor desembolsado deduzido do imposto devido (artigo 18 da Lei 8.313/1991), dentro dos percentuais permitidos pela legislação tributária.”
O Grupo Bellini ainda não retornou ao contato da reportagem

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