Política
Crise política
por Redação — publicado 24/05/2017 20h05, última modificação 24/05/2017 20h21
Temer iniciou o dia querendo demonstrar o "clima de normalidade" do País e terminou convocando as Forças Armadas
Andressa Anholete / AFP
Com pedras na mão, manifestante se prepara para enfrentamento. Nada de normalidade
A tentativa do presidente Michel Temer de se manter no cargo mesmo após a delação de Joesley Batista, dono da JBS, levou o caos a Brasília nesta quarta-feira 24. Enquanto as tropas governistas na Câmara e no Senado tentavam dar uma demonstração de que o País continua funcionando, as tropas da Polícia Militar realizavam uma dura repressão contra manifestantes na Esplanada dos Ministérios. No meio da tarde, o esforço de Temer para afirmar a normalidade ganhou ares de exceção, com a convocação do Exército para fazer a segurança do Distrito Federal por uma semana.
A delicada situação de Temer, e do País, ficou exposta desde cedo em Brasília. Diante da manifestação "Fora, Temer" convocada por movimentos sociais e centrais sindicais, a capital federal acordou nesta quarta-feira 24 preparada para uma operação de guerra, coordenada por meio de um obscuro acordo repressivo firmado em 27 de abril por representantes do governo federal, do Congresso e do Distrito Federal.
Como mostrou CartaCapital, o acordo, chamado Protocolo Tático Integrado de Manifestações, era preparado fazia um ano, desde a abertura do impeachment de Dilma Rousseff pela Câmara, mas, coincidentemente, só foi concluído na véspera da greve geral de 28 de abril deste ano, símbolo de um acirramento maior no País.
O protocolo é uma espécie de manual a definir o papel do aparato estatal repressivo em protestos. Traça 110 cenários e especifica como a polícia deve agir em caso de distúrbios. Prevê revista nos participantes e os proíbe de portar objetos como hastes de bandeiras e fogos de artifício.
Mesmo neste clima, ao menos 35 mil pessoas se juntaram para protestar contra as reformas trabalhista e da Previdência, contra Temer (ainda que algumas centrais sindicais estejam poupando o peemedebista) e por eleições diretas. Por quatro horas, das 13h30 às 17h30, a Esplanada dos Ministérios foi palco de violência.
Manifestantes provocaram fogo na entrada do Ministério da Agricultura, que foi pichado com a inscrição "Morte à burguesia" e o símbolo comunista da foice e do martelo. Os manifestantes atacaram diversos outros prédios, como os dos ministérios do Turismo, da Fazenda, do Planejamento e de Minas e Energia. No Ministério da Cultura, documentos e computadores foram roubados e jogados na rua.
A repressão foi violenta. Com tiros de bala de borracha, bombas de gás lacrimogêneo e gás de pimenta, policiais militares avançaram contra os manifestantes, deixando dezenas de feridos. Houve uma série de "batalhas" em diferentes pontos da Esplanada, com grupos de policiais tentando prender e dispersar os manifestantes, o que só ocorreu de fato por volta das 18 horas. Reportagem do jornal O Globo mostrou dois policiais militares atirando com armas de fogo contra manifestantes.
A tensão no Palácio do Planalto diante das manifestações era tanta que, no início da tarde, a Casa Civil emitiu uma ordem para evacuar todas os prédios da Esplanada, alegando a necessidade de garantir a integridade física dos servidores públicos.
Em nota, a Frente Brasil Popular, uma das organizadoras do protesto, criticou a repressão policial na manifestação.
“O uso das Forças Armadas, de bombas de gás lacrimogêneo e bala de borracha demonstra a atual fraqueza do governo de Michel Temer e seus aliados, ainda mais instável após as inúmeras denúncias de corrupção que envolvem o próprio presidente", afirmou a organização.
Congresso em conflito e Exército convocado
Ao longo do dia, ficou claro que a estratégia do governo para mostrar a "normalidade" no período pós-delação da JBS era fazer avançar no Congresso suas propostas legislativas. Para isso, entraram em cena os presidentes do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), e principalmente o da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ambos tentaram levar votações à frente.
Na Câmara, o clima esquentou no início da tarde, quando deputados oposicionistas tomaram a Mesa Diretora e ergueram uma faixa com a inscrição "Fora Temer" em frente ao plenário. Revoltado, o deputado Mauro Pereira (PMDB-RS) arrancou a faixa das mãos dos parlamentares da oposição, provocando gritaria e troca de insultos entre os parlamentares. Nas palavras de ordem dentro da Câmara, ficou exposta a crise política. O "Temer na cadeia" era respondido com "Lula na cadeia".
Mesmo sem a faixa, a oposição manteve a ocupação física da Mesa Diretora e impediu a continuidade dos trabalhos até que fosse decretada a suspensão da sessão.
O avanço das pautas legislativas acabou sendo prejudicado pelo próprio governo. Por volta das 16h20, o ministro da Defesa, Raul Jungmann (PPS), fez um pronunciamento no qual anunciou a assinatura de um decreto, por parte de Temer, lançando uma missão de Garantia da Lei e da Ordem, por meio da qual o Exército fará a segurança de todo o Distrito Federal até 31 de maio.
A convocação do Exército ensejou novos debates ainda mais acirrados no Congresso, e revelou como o grupo aliado a Michel Temer está batendo cabeça em meio à crise. Firme parceiro de Temer, Rodrigo Maia foi apontado por Jungmann como autor do pedido para a convocação do Exército, mas não aceitou ficar com o ônus político. Ainda assim, o governo tentou enfiar este ônus goela abaixo de Maia.
Logo após a fala de Jungmann, o deputado Paulo Pimenta (PT-RS) tomou a palavra e colocou em debate o papel de Maia no decreto. "O Palácio [do Planalto] tá dizendo que as tropas foram convocadas por pedido do senhor", afirmou o petista.
Imediatamente, Maia negou, dizendo que pediu a chamada da Força Nacional de Segurança. "Eu quero deixar claro que o meu pedido ao governo foi das forças nacionais, do apoio da Força Nacional", afirmou Maia. "A decisão tomada pelo governo certamente tem relação com aquilo que o governo entendeu relevante para garantir a segurança", concluiu o presidente da Câmara.
O ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello manifestou preocupação com a decisão de Michel Temer de convocar a presença das Forças Armadas em Brasília após as manifestações contra o seu governo. "Espero que a notícia não seja verdadeira", declarou durante sessão do Supremo.
A notícia do decreto chegou rápido ao Supremo Tribunal Federal. "Voto um pouco preocupado com o contexto, e espero que a notícia não seja verdadeira. O chefe do Poder Executivo teria editado um decreto autorizando uso das Forças Armadas no Distrito Federal no período de 24 a 31 de maio", afirmou o ministro Marco Aurélio Melo. O comentário, porém, não provocou maiores reações dos demais ministros do Supremo, que decidirão o destino de Temer.
Preocupado com a péssima repercussão da convocação do Exército, Maia divulgou o ofício enviado à Presidência da República, no qual pedia, de fato, a utilização da Força Nacional de Segurança Pública. E aproveitou para afirmar que Raul Jungmann mentiu. "Afirmo e reafirmo que não é verdade. Pedi para o ministro da Defesa repor a verdade", disse Maia em entrevista coletiva.
Em protesto contra o decreto de Temer, os deputados da oposição deixaram o plenário. O líder do PT, Carlos Zarattini (SP), afirmou que se inaugura uma nova fase na história do Brasil, que, para reprimir uma manifestação popular com mais de 100 mil pessoas, coloca-se o Exército na rua. “Isso é um retrocesso com o qual nós não podemos compactuar”.
Maia recebeu a solicitação de que a sessão fosse encerrada, o que aconteceu por volta das 17h30. Pouco menos de uma hora depois, no entanto, a sessão foi retomada, sem a presença da oposição. Do lado de fora do plenário, no salão verde, os deputados se manifestaram com gritos de “Fora Temer” e "Diretas Já”.
Com o abandono do plenário pelos partidos de oposição, porém, aliados do governo conseguiram aprovar o texto-base da Medida Provisória 759, que estabelece regras para regularização fundiária urbana e rural. Outras sete medidas também aguardam análise dos deputados.
Com o abandono do plenário pelos partidos de oposição, porém, aliados do governo conseguiram aprovar o texto-base da Medida Provisória 759, que estabelece regras para regularização fundiária urbana e rural. Outras sete medidas também aguardam análise dos deputados.
Senado
No Senado, também houve embates a respeito do decreto. Um dos senadores mais indignados era Renan Calheiros (AL), peemedebista que vem fazendo firme oposição a Temer. Renan colocou em palavras o sentimento de muitos em Brasília, o de que a convocação do Exército é mais uma estratégia de Temer para continuar no Planalto. "Se esse governo não se sustenta, não são as Forças Armadas que vão sustentá-lo", disse Renan.
Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo, rebateu Renan e também foi para cima de Rodrigo Maia, afirmando que ele tinha, sim, pedido as tropas. Coube a Jungmann tentar explicar o decreto. "Nós não temos tropas da Força Nacional suficientes aqui, então usamos as Forças Armadas. Esse é o procedimento, já ocorreu em outras ocasiões", disse.
Para a oposição, o bate-cabeça revelou que a decisão foi um erro. "Ninguém tem coragem de assumir essa decisão, de tão absurda que é", afirmou o deputado Alessandro Molon (Rede-RJ), autor do primeiro pedido de impeachment contra Temer após a delação da JBS.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) protocolou um projeto de decreto legislativo para sustar o decreto de Temer. Para Randolfe, a medida é autoritária e se trata, na verdade, da decretação de estado de defesa, com a desculpa da manutenção da lei e da ordem.
O PSOL também havia protocolado um projeto com o mesmo objetivo na Câmara, por meio do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ).
O senador Randolfe lembra que, neste caso, seria preciso ouvir os Conselhos de Defesa Nacional e da República e submeter o decreto à apreciação do Congresso. Além disso, não há calamidade de grandes proporções ou instabilidade institucional que justifique o estado de defesa.
Por volta das 19 horas da quarta 24, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência afirmou que o decreto que solicita a presença das Forças Armadas em Brasília será revogado quando houver o restabelecimento da "ordem".
Citando atos de "violência e vandalismo" durante o protesto, a nota diz que Temer decidiu empregar os efetivos devido a "insuficiência dos meios policiais" para conter os manifestantes.
O objetivo, segundo a nota, é garantir a integridade física dos servidores e proteger o patrimônio público. "Restabelecendo-se a ordem, o documento será revogado", diz o comunicado, ressaltando, porém, que o presidente "não hesitará em exercer a autoridade que o cargo lhe confere sempre que for necessário".
Nenhum comentário:
Postar um comentário