terça-feira, 30 de maio de 2017

O ajuste fiscal deixa a indústria por um fio



Economia

Entrevista



por Carlos Drummond — publicado 30/05/2017 00h20, última modificação 29/05/2017 15h40
Redução de gastos públicos sem desvalorizar o real e baixar os juros não leva a lugar algum, alerta Tadini, presidente da Abdib

Usina


O investimento em infraestrutura recuou de 162 bilhões de reais, equivalentes a 2,4% do Produto Interno Bruto, em 2014, para irrisórios 106 bilhões, ou 1,7% do PIB, no ano passado. Com a marcha à ré, o País ficou na 116ª posição entre 138 países.
Para sair da péssima situação, precisaria investir, no mínimo, 5% do PIB nos próximos dez anos. Sem uma desvalorização forte do real e juros mais baixos, entretanto, não se atingirá esse objetivo, alerta Venilton Tadini, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base, a Abdib.
Com a economia desajustada desde a década de 1990, o Brasil perdeu a oportunidade de avançar a partir do ciclo da telefonia e comunicação e desperdiça agora mais uma chance, de desenvolvimento da cadeia produtiva do petróleo, por causa da crise da Petrobras.
Ex-executivo das áreas financeira e governamental e autor de tese acadêmica sobre bens de capital sob encomenda, o empresário chama atenção, na entrevista a seguir: com a situação fiscal equilibrada, mas o câmbio fora do lugar e os juros altos, não se irá a lugar nenhum, pois não existirá mais indústria.
CartaCapital: Induzir aquisições no mercado interno da indústria de base, ou de bens de capital sob encomenda, como se fez no Brasil entre 1969 e 1982, ainda faz sentido?
Venilton Tadini: A melhor forma de estabelecer hoje uma política para o desenvolvimento industrial interno é trabalhar com as estruturas macroeconômicas mais estáveis. Notadamente, com um câmbio menos volátil e fortemente desvalorizado e uma taxa de juros adequada para fazer as alavancagens necessárias ao avanço do mercado. Antes de qualquer indução, como se fez, por exemplo, no fim dos anos 1960 e na década de 1970, é necessário, portanto, ter um quadro estável do ponto de vista macroeconômico.
CC: Por que o setor encolheu a partir da década de 1970?
VT: Por causa de um desequilíbrio macroeconômico sério, iniciado com uma crise internacional que estrangulou o balanço de pagamentos e se traduziu no endividamento do Estado, gerando a hiperinflação. A década de 1980 foi de stop and go. Só que a indústria não sofreu tanto quanto se previa, porque houve uma preocupação maior com o câmbio. A partir da década de 1990, da estabilização do Plano Real, essa questão foi, entretanto, absolutamente ignorada. A prioridade fundamental era a estabilização que, por conta de não se ter feito um trabalho fiscal estrutural, aconteceu por meio da taxa de câmbio valorizada e entrada de recursos externos, facilitada pelos juros elevados. Isso fez a indústria deslizar para a crise em que está hoje.
CC: Qual foi a importância do atual BNDES na estruturação do setor? 
VT: O banco foi fundamental, principalmente no II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975 -1979), com juros altamente favorecidos e correção monetária pré-fixada, através de empréstimos e também com participação acionária da subsidiária Embramec nas empresas de bens de capital. Isso se refletiu na expansão da capacidade produtiva, mas esta se direcionava ao mercado interno, que foi pego pela crise internacional. Com o colapso do balanço de pagamentos, o País não teve mais condições de fazer os investimentos por meio das empresas estatais que demandavam os produtos do setor. Em determinados segmentos da indústria de base e de infraestrutura, houve um enxugamento dos mercados e da capacidade produtiva e um movimento de reconcentração.
CC: Poderia dar um exemplo?
VT: No setor eletroeletrônico pesado houve um grande movimento de reestruturação e recomposição entre as décadas de 1970 e 1980. A General Electric reestruturou-se, a Creusot-Loire deixou de existir, a Alstom englobou várias empresas, fundiu áreas de algumas das companhias adquiridas e permaneceu nos segmentos mais competitivos. Esses movimentos ocorrem até hoje. Por exemplo, a GE constatou que havia uma demanda garantida para fazer manutenção e reposição de 20% do mercado mundial do parque térmico, assumiu a parte energética da Alstom e deixou a parte de transportes. Outro movimento foi feito pela Suez, que, fortalecida no segmento de água, incorporou parte da GE no Brasil.
CC: Na sua tese acadêmica sobre a indústria de base, publicada em 1993, o senhor estimava que, “apesar da recessão prolongada, a capacidade produtiva e tecnológica já alcançada pelo setor, além de fatores de competitividade específicos, pode levar o País a ter um papel importante na divisão de trabalho internacional na fabricação de equipamentos sob encomenda e consequentemente aumentar substancialmente suas exportações”.
VT: Isso aconteceu: o Brasil forneceu equipamentos para a usina chinesa de Três Gargantas, a maior do mundo, fabricados em unidades locais de grandes grupos mundiais. Em razão do mercado nacional de hidreletricidade, as grandes estruturas dessas companhias, inclusive para desenvolvimento tecnológico, estavam aqui.
CC: Quais grupos?
VT: Asea Brown-Boveri, por exemplo. O maior laboratório de transformadores e de teste para transformadores da ABB foi criado no País. As principais empresas do setor continuaram aqui, como a Siemens, que se fundiu com a Voight, a GE, a Alstom.
CC: Por quê?
VT: Por causa da construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, entre outras. Havia um mercado interno com escala, então se fabricava localmente e o Brasil era uma ponte para outros países. Hoje, o setor de equipamentos hidromecânicos está com excesso de oferta. A Alstom, que chegou a fazer parceria com a Bardella em uma unidade na Região Norte, está parada. A situação afeta também as suas concorrentes.
CC: Qual é a causa dessa paralisia?
VT: Tem muito a ver com a dinâmica dos segmentos econômicos. Por exemplo, quando o desenvolvimento tecnológico se voltou para a telefonia e a comunicação, o Brasil teve um ciclo forte de investimento nesse setor, mas, equivocadamente, não houve uma política clara de estímulo à indústria nacional. Agora, poderíamos ter, na área de petróleo, um grande ciclo, como houve no segmento elétrico. Infelizmente, como a Petrobras entrou em crise, toda a estrutura preparada para essa finalidade foi prejudicada.
CC:  O que de positivo se consolidou no apogeu do setor e persiste no País?
VT: Há na área de autopeças algumas empresas brasileiras globalizadas ou produtoras de equipamentos específicos. Por exemplo, a Weg motores elétricos, com dez unidades no mundo, a Marcopolo, a Randon e a Iochpe-Maxion, a última com unidades no México e na Índia e quase 60% da receita obtida no exterior.
CC: O Estado sempre atuou de forma decisiva no apoio à indústria de base, em todos os países. Como está essa relação hoje?
VT: Dada a fragilidade financeira e a crise política do Estado, esse tipo de definição estratégica fica difícil. Além disso, houve um ciclo recente em que a atuação estatal em políticas ativas foi uma tragédia e estigmatizou a forma de fazer política pública. Isso ocorre em paralelo ao diagnóstico de que a questão fiscal é realmente a panaceia para todos os males, embora seja também o caldo do aprofundamento recessivo.
Não há dúvida de que a questão fiscal é relevante e tem de ser equacionada com solução de médio e longo prazos. Só que não se deve deixar de, paralelamente, trabalhar políticas públicas que, do ponto de vista estratégico, protejam o crescimento econômico futuro também. Caso contrário, com a economia fiscalmente ajustada, mas o câmbio fora do lugar e os juros altos, não se irá a lugar nenhum, pois não existirá mais indústria.
CC: O que sobrevive hoje, em países avançados, do apoio estatal ao setor de bens de capital?
VT: Nos Estados Unidos, por exemplo, há apoio forte e intervenção estatal na indústria armamentista, de petróleo e sistema financeiro. Intervieram na exploração de petróleo com a tomada do Iraque, no sistema financeiro e no de seguros, que estava quebrado. Para assegurar o desenvolvimento tecnológico, intervêm sistematicamente nos setores armamentista, petrolífero e aeroespacial. Todo o desenvolvimento de software é bancado pelo governo americano. Não por acaso, o país é sede das maiores empresas do mundo. É inacreditável, mas até aqueles que estudam o tema fazem questão de não ver isso.
CC: Como se estrutura, hoje, a indústria de base?
VT: É uma indústria de criação e geração de tecnologia, mas não aquela tradicional, onde se vê uma grande máquina, uma grande calandra. O setor adaptou-se às novas tecnologias e os equipamentos de prospecção petrolífera mais sofisticados, para citar um exemplo, são os robôs submarinos, não mais as plataformas. Alguns segmentos com a configuração tradicional permaneceram na condição de produtores mundiais.
CC: Como surgiu a Abdib e qual é a sua configuração atual?
VT: A associação começou em 1955, com um grupo de fabricantes de equipamentos pesados e empresas de engenharia reunidos para a construção da refinaria de Landulfo Alves, da Petrobras, em Mataripe, na Bahia. Hoje, os bancos de investimento, as grandes empresas de consultoria e os maiores escritórios de advocacia fazem parte da Abdib, porque mudou tanto a complexidade da estrutura dos contratos quanto a forma de avaliar os projetos. Agora esse quadro se completa com a entrada das tradings operadoras de terminais portuários, seguradoras, resseguradoras e fundos de private equity

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