sexta-feira, 12 de maio de 2017

Carmen Lúcia, Rosa Weber e a desigualdade de gênero no STF



Sociedade

Machismo




por Tory Oliveira — publicado 12/05/2017 02h00, última modificação 11/05/2017 16h41
Crítica expressa por presidente da Corte revela como tribunais seguem sendo espaços dominados por homens, nos quais a ascensão feminina é hostilizada

Rosinei Coutinho/Nelson Jr/STF
As ministras do STF Carmen Lucia e Rosa Weber
'Eu e a ministra Rosa, não nos deixam falar, então nós não somos interrompidas', desabafou a presidente da Corte, Carmen Lúcia

Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, sem dúvidas, chegou ao topo de sua profissão e exerce uma posição de liderança. Ou, ao menos, assim deveria ser. Um diálogo sobre ela e a outra mulher membro da Corte, Rosa Weber, revela como, ainda que de maneira sutil, a desigualdade de gênero persiste mesmo quando a mais alta corte do País é presidida por uma mulher.
"Eu e a ministra Rosa, não nos deixam falar, então nós não somos interrompidas", afirmou Carmen Lúcia em uma sessão na quarta-feira 10.
O contexto da frase ocorreu após uma sequência de diálogos, transcritos pelo site jurídico Jota, entre os ministros Ricardo Lewandowski, Luiz Fux e Rosa Weber no aparte.
A presidente da Corte concedeu a palavra para a ministra Rosa Weber, para que ela pudesse votar na questão.
"Ministro Lewandowski, o ministro Fux é quem tinha me concedido um aparte", disse Rosa.
"Agora é o momento do voto…", começou Cármen Lúcia.
"Concedo a palavra para o voto integral", fala Fux, em meio aos risos dos demais.
"Como concede a palavra? É a vez dela votar. Ela é quem concede, se quiser, um aparte", cortou Cármen Lúcia. E continuou:
"Foi feita agora uma pesquisa, já dei ciência à ministra Rosa, em todos os tribunais constitucionais onde há mulheres, o número de vezes em que as mulheres são aparteadas é 18 vezes maior do que entre os ministros… E a ministra Sotomayor [da Suprema Corte americana] me perguntou: como é lá? Lá, em geral, eu e a ministra Rosa, não nos deixam falar, então nós não somos interrompidas. Mas agora é a vez de a ministra, por direito constitucional, votar. Tem a palavra, ministra."

A presidente do Supremo refere-se à pesquisa Justice, Interrupted: The Effect of Gender, Ideology and Seniority at Supreme Court Oral Arguments ("Justiça, interrompida: efeitos de gênero, ideologia e senioridade nas sustentações orais na Suprema Corte dos Estados Unidos", em uma tradução livre). A pesquisa é assinada por Tonja Jacobi e Dylan Schweers, da norte-americana Northwestern University Pritzker School of Law.
O artigo centra-se no comportamento daqueles que atuam no âmbito do judiciário nos EUA no momento das sustentações orais. Um dos pontos de análise é justamente a interrupção sofrida quando uma das partes está argumentando.
"Descobrimos que as interações judiciais durante as sustentações orais são fortemente influenciadas pelo gênero, com mulheres [da Suprema Corte] sendo interrompidas de maneira desproporcional pelos colegas homens, bem como por advogados".
Segundo o artigo, pesquisas realizadas desde a década de 1970 concluem que, nos tribunais, mulheres são mais interrompidas por homens do que o contrário. Na verdade, mulheres são mais frequentemente interrompidas tanto por homens quanto por outras mulheres. A chance de um homem ser interrompido, por outro lado, é bem menor. 
A pesquisa mostra que, em 1990, quando havia apenas uma mulher na Suprema Corte dos EUA, 35% das interrupções eram direcionadas a ela. Uma década depois, em 2002, havia duas mulheres presentes entre os magistrados: 45% das interrupções eram direcionadas a elas. Em 2015, com três mulheres, 65% das interrupções foram dirigidas a elas. O mesmo fenômeno de aumento de interrupções não é detectável entre os homens.
"Na verdade", diz o artigo "quanto mais mulheres há na Corte, mais elas são interrompidas. Isso sugere que, ao invés de se adaptarem com o tempo a dividir o espaço com mulheres, os homens podem estar se tornando mais hostis às incursões de mulheres em um espaço tradicionalmente masculino [como a Suprema Corte]".
Não é a primeira vez que a atual presidente do STF - apenas a terceira mulher a compor a Corte na história - mostra desconforto com o machismo. Em 2012, durante o julgamento da constitucionalidade da Lei Maria da Penha, Cármen Lúcia desabafou.
"Alguém acha que uma ministra deste tribunal não sofre preconceito? Mentira, sofre. Não sofre igual - outras sofrem mais que eu -, mas sofrem. Há os que acham que não é lugar de mulher, como uma vez me disse uma determinada pessoa sem saber que eu era uma dessas: 'Mas também agora tem até mulher'. Imagina", desabafou a ministra.
Homens que interrompem
Nos círculos feministas e de discussão sobre gênero, a expressão "manterrupting" (ou, na tradução sugerida por feministas brasileiras, "ominterrupção") é uma velha conhecida. A palavra é uma junção de man (homem) e interrupting (interrupção) e significa, literalmente, homens que interrompem.
Tal comportamento é bastante comum em reuniões, grupos ou palestras mistas. Nessas ocasiões, em geral, uma mulher é impedida de concluir uma frase ou raciocínio porque é constantemente interrompida pelos homens ao seu redor. O fenômeno acontece em reuniões políticas, conversas ocasionais, na sala de aula e até na Suprema Corte. 
Outra demonstração de que o machismo – para além de suas exibições mais violentas – também mora nos detalhes é o fenômeno do "mansplainning", expressão traduzida para o português como "omiexplicação". É quando um homem se presta a explicar didaticamente o óbvio para uma mulher, mesmo quando a mesma é uma autoridade no assunto.
"É quando um homem dedica seu tempo para explicar a uma mulher como o mundo é redondo, o céu é azul, e 2+2=4. E fala didaticamente como se ela não fosse capaz de compreender, afinal é mulher. Mas o mansplaining também pode servir para um cara explicar como você está errada a respeito de algo sobre o qual você de fato está certa, ou apresentar ‘fatos’ variados e incorretos sobre algo que você conhece muito melhor que ele, só para demonstrar conhecimento", explica o texto da ONG Think Olga.

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