Em 12 meses, dobrou o número de pessoas que só podem ser investigadas após aval de algum chefe da Receita Federal
Contratado por Temer, Molina é obrigado a contestar a versão da Globo, onde construiu sua reputação
Enquanto a Polícia Federal não conclui uma análise aprofundada sobre a fidelidade da gravação entre Joesley Batista, dono da JBS, e Michel Temer, uma guerra de versões instalou-se no País. Há pareceres sobre o áudio para todos os gostos, a depender das motivações de quem os encomenda. A falta de uma análise consistente das autoridades antes da divulgação do arquivo deflagrou uma lamentável disputa entre especialistas e seus fiadores. Se fosse um "reality show", poderia se chamar "Batalha dos Peritos".
O Jornal Nacional, da Globo, grupo responsável pela divulgação em primeira mão da existência do grampo, recorreu a especialistas que classificam a gravação como "intacta", mas O jornal Folha de S. Paulo e a defesa de Temer foram atrás de profissionais cujos laudos detectaram edições no arquivo.
A Folha contratou Ricardo Caires dos Santos, que apontou, segundo reportagem da publicação, 50 edições no áudio entregue às autoridades. No ano passado, o mesmo especialista foi contratado para analisar se havia ou não um fantasma em uma foto da atriz norte-americana Jéssica Alba, informação que "O Globo" fez questão de lembrar para desmerecer o especialista.
Contratado por Temer, Ricardo Molina construiu sua reputação com laudos realizados para as Organizações Globo. O mais famoso está relacionado ao episódio em que José Serra, então candidato à presidência em 2010, foi atingido por uma bolinha de papel em uma agenda de campanha. À época, Molina foi convocado para analisar se houve outra agressão ao presidenciável. Ele apontou, baseado em imagens da mídia, que o tucano foi alvo de uma bolinha de papel e também de um rolo de papel adesivo.
Em defesa de Temer, Molina alegou que o arquivo de áudio entregue por Joesley à Justiça não tem condições técnicas de ser utilizado em um processo e ainda contestou passagens sobre as quais não pesavam qualquer ambiguidade. De acordo com o perito, Joesley não afirmou "todo mês" a Temer, uma referência, segundo o delator, a pagamentos a Eduardo Cunha para se manter calado na prisão, mas "tô no meio".
Em coletiva, o perito chegou a assumir o papel de advogado de Temer ao chamar a Procuradoria-Geral da República de "ingênua" e "incompetente" por ter aceitado a gravação contra o peemedebista.
Até o momento, a guerra de versões sobre o comprometedor áudio gravado teve um importante efeito: deu sobrevida a um governo agonizante. Após Caires dos Santos apontar prováveis cortes e edições no arquivo compartilhado com as autoridades, o Supremo Tribunal Federal preferiu aguardar uma perícia conclusiva da Polícia Federal para dar continuidade ao julgamento sobre a suspensão do inquérito contra Temer, pedido feito pela defesa do atual presidente.
Nesta segunda 22, Temer preferiu, porém, abandonar a ação de suspensão do inquérito ao anunciar a perícia de Molina, que teria constatado mais de 70 "obscuridades" no áudio entregue por Joesley às autoridades. De acordo com Gustavo Guedes, advogado de Temer, o atual presidente não vê mais necessidade de suspender as investigações após o arquivo ter sido encaminhado para perícia da Polícia Federal. O peemedebista "quer que o assunto seja resolvido o mais rápido possível", diz sua defesa.
Horas antes, Carmén Lúcia, presidente do Supremo Tribunal federal, havia determinado que o plenário da Corte só julgaria o pedido da defesa para suspender o inquérito aberto contra o peemedebista após a conclusão da perícia do áudio. A PF já recebeu os arquivos da delação para analisar se houve corte ou edição nas gravações. Segundo a corporação, não há prazo para a conclusão da perícia.
Antes da desistência da defesa de Temer de suspender o inquérito, a decisão do STF de adiar o julgamento beneficiou o governo na sua tentativa de voltar aos trabalhos. O senador Ricardo Ferraço, relator da reforma trabalhista, comunicou nesta segunda-feira 22 que apresentará seu parecer favorável à aprovação do texto nesta terça 23. Em meio à revelação do áudio entre Joesley e Temer, o relator havia suspendido a tramitação no projeto.
A polêmica sobre o áudio contribui ainda para estender a permanência do PSDB e do DEM na base aliada. A cúpula de ambas as legendas condicionou, em reunião no fim de semana, a continuidade do apoio ao governo à decisão da Corte sobre a manutenção ou não do inquérito contra o atual presidente. Caso as investigações fossem mantidas pela maioria dos ministros do STF, integrantes dos partidos já preparavam o desembarque. Agora, resta saber como os partidos se comportarão após a perícia concluída pela Polícia Federal.
Conheça o que dizem as análises feitas até o momento:
Análise preliminar do MPF
Uma análise preliminar feita pelo Ministério Público Federal em 7 de abril deste ano identificou "ruídos" e "a voz e um dos interlocutores (Joesley) com maior intensidade em relação à voz do segundo interlocutor (Temer)". Embora refira-se a "momentos incompreensíveis", que demandariam a utilização de equipamentos especializados, a análise nada afirma sobre possíveis edições. "O diálogo encontra-se audível, apresentando sequência lógica", diz o parecer da Secretaria de Pesquisa e Análise do MPF entregue à Justiça.
O arquivo foi analisado com o auxílio da ferramenta "Audacity", um software de edição de áudio, de "forma preliminar, submetido a oitiva sob a perspectiva exclusiva da percepção humana". O parecer afirma ainda que o objetivo foi constatar a inteligibilidade dos áudios entregues por Joesley e, de forma superficial, avaliar se "os arquivos possuem ou não características iniciais de confiablidade".
Análise contratada pela "Folha de S.Paulo"
Na sexta-feira 19, a Folha de S. Paulo divulgou reportagem com uma perícia contratada pelo jornal segundo a qual o áudio sofreu mais de 50 cortes. O laudo foi feito por Ricardo Caires dos Santos, perito judicial que presta serviços ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Realizada em um intervalo de apenas dois dias, a análise de Caires dos Santos aponta para "indícios claros de manipulação". Os vícios, segundo o perito, tornariam a gravação inválida como prova jurídica.
Em seu depoimento, Joesley afirma que Temer "fez um comentário curioso" no encontro no Jaburu. "Eduardo quer que eu o ajude no Supremo", disse o peemedebista, segundo o empresário. De acordo com a análise da "Folha de S.Paulo", o trecho abaixo, referente a esse diálogo, sofreu edições:
"Era pra me trucar, eu não fiz nada (corte). No Supremo Tribunal totalidade só um ou dois (corte)... aí, rapaz mas temos (corte) 11 ministros".
À Justiça, Joesley supostamente completa as lacunas. "Eu posso ajudar com dois, com 11 não dá", teria afirmado o peemedebista.
De acordo com a reportagem do jornal, no momento mais polêmico, quando Joeley fala que "está de bem com Eduardo" e sugere pagamentos mensais ao ex-deputado, a análise de Caires dos Santos não constatou qualquer edição.
Temer citou a reportagem como parte de sua defesa em pronunciamento no sábado 20, quando decidiu desqualificar seu delator.
Peritos ouvidos pelo Jornal Nacional
O Jornal Nacional, da TV Globo, também ouviu peritos. Em reportagem veiculada na edição de sábado 20, George Sanguinetti, professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), e Nelson Massini, perito forense e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), afirmaram que toda a gravação está intacta.
"Dá para afirmar que não há cortes, que não há edição, baseado exatamente no curso da conversação da ausência de ruídos que caracterizem mudanças de ambiente ou que tenham sido partes realizadas em outro local", disse Sanguinetti, que em 1996 participou da investigação da morte de PC Farias, em entrevista por telefone.
Massini afirma que “não existe profissionalismo” na gravação, mas conclui que o áudio não foi modificado. “Não há, a princípio, nenhuma alteração, nenhum corte que demonstre que tenha sido editado."
"O Globo" desqualifica perito contratado pela "Folha"
Responsável por divulgar em primeira mão a existência do áudio entre Joesley e Temer, o jornal "O Globo" tentou desqualificar a análise contratada pela Folha. Em reportagem não assinada publicada no domingo 21, o jornal lembrou que o perito fez uma "perícia" recente para determinar se havia ou não um fantasma em uma fotografia divulgada na internet pela atriz norte-americana Jéssica Alba.
A reportagem ressalta ainda que o perito não tem qualquer vínculo com o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. "Ele é um prestador de serviços eventual da Justiça", afirma o texto. Ao Globo, Caires dos Santos teria negado que o áudio tivesse 50 pontos de edição. Segundo ele, são 14 pontos, entre 15 e 20 pontos de corte e diversos trechos de ruído.
Para elaborar o laudo contratado pela Folha, informa "O Globo", o perito afirma ter usado o programa "Audacity", o mesmo utilizado pelo MPF em sua análise preliminar.
Reportagem do "Estado de S. Paulo"
Em reportagem publicada no dia 19 pelo jornal O Estado de S.Paulo, o perito judicial e extrajudicial Marcelo Carneiro de Souza afirmou ter identificado “fragmentações” em 14 momentos da gravação de 38 minutos. Souza diz não ter encontrado cortes entre o 6º e o 12º minutos, intervalo de tempo em que Cunha foi tema do diálogo, mas afirma que, para chegar a uma “conclusão definitiva”, seria necessário analisar o gravador onde a mídia foi armazenada.
“[É preciso] verificar se esse material foi devidamente acondicionado ou se, por exemplo, ficou largado em algum local que poderia danificá-lo”, disse o perito ao Estadão.
O laudo de Ricardo Molina em defesa de Temer
Temer decidiu contratar os serviços do perito Ricardo Molina. Em 2010, ele foi responsável por analisar imagens de um compromisso de campanha de José Serra, quando o tucano foi atingido por uma bolinha de papel. Segundo Molina, Serra teria sido atingido por um rolo de papel adesivo. O caso ficou popularmente conhecido como "o caso da bolinha de papel".
Antes de realizar a perícia para Temer, Molina deu entrevista à "Folha de S.Paulo" e disse não ser possível avaliar sem equipamentos adequados se o áudio foi de fato editado. "Percebem-se mais de 40 interrupções, mas não dá para saber o que as provoca. Pode ser um defeito do gravador, pode ser edição, não dá para saber", afirmou ao jornal.
Nesta segunda-feira 22, a mídia divulgou seu lado encomendado por Temer, segundo o qual a gravação é "prova imprestável para fins judiciais'. Segundo ele, o arquivo possui dezenas de pontos de descontinuidades, de clipping e ruídos e mascaramentos. Molina ainda afirma que grande parte da gravação é ininteligível, "dificultando, quando não impossibilitando, a definição inequívoca dos contextos de cada fragmentos."
Em coletiva, Molina assumiu o papel de advogado de Temer e chamou a Procuradoria-Geral da República de "ingênua"e "incompetente" por ter aceito o áudio como prova. "O que tem no laudo [da PGR sobre a gravação] é coisa de gente que não sabe mexer em áudio", disse o perito, antes de desqualificar os técnicos da Secretaria de Pesquisa e Análise do órgão. "Não vou citar nomes, mas conheço quem assina [o documento da PGR] e, se colocarem eles aqui na minha frente, vão começar a gaguejar".
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