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Temer não pode escolher seu investigador, é outro motivo para tirá-lo do cargo, diz ‘ex-xerife’ Claudio Fonteles
O mandato de Janot termina em setembro. Caberá a Temer, se resistir, nomear o seu sucessor
A troca de comando na Procuradoria Geral da República (PGR) em setembro deverá fazer da guerra aberta contra Michel Temer pelo atual “xerife” um combate do tipo “matar ou morrer”. Se Rodrigo Janot nocautear o presidente ou ao menos deixá-lo grogue no ringue, poderá salvar a tradição recente de sua corporação escolher ela mesma seu líder. Mais: talvez consiga manter seu grupo no poder em uma PGR dividida entre fanáticos da Operação Lava Jato e alas sem tanto apego ao caso.
O desejo de ver Temer fora do cargo foi explicitado por um dos homens fortes de Janot e da Lava Jato, o secretário de Cooperação Internacional da Procuradoria, Vladimir Aras. Logo após vir a público a notícia da explosiva delação da JBS contra o presidente, Aras comentou no Twitter: “Diante de uma denúncia tão grave, a solução adequada em qualquer lugar do mundo seria a renúncia”.
As ações de campo realizadas na quinta-feira 18 pela Polícia Federal (PF) contra vários alvos do inquérito em que Temer está metido abasteceu a Procuradoria com novo material para acossar o presidente. Foram vasculhados, por exemplo, endereços ligados a um personagem citado como recebedor de grana em nome do peemedebista, João Baptista Lima Filho, o “Coronel Lima”, velho amigo do presidente.
Se Temer sobreviver à guerra, porém, Janot e seu grupo correm o risco de entrar para a história da PGR como “coveiros” da lista tríplice, aquela relação de três nomes eleitos em votação dos procuradores que serve de base para a nomeação do “xerife” desde 2003.
O peemedebista comentou em abril que a lista “tem sido respeitada nos últimos anos, mas não há nenhuma previsão constitucional que me obrigue a segui-la”. Furioso com a Procuradoria por estar à beira da degola, é possível que, se chegar a setembro, ignore a lista e tire alguém da cartola. Alguém dócil e de sua confiança.
O mandato de Janot termina em setembro. A campanha para sucedê-lo começou há poucos dias, com a inscrição de candidaturas à lista tríplice. O prazo para a entrada de concorrentes acaba no fim de maio. Até agora é um mistério se o atual “xerife” tentará o terceiro mandato. Seu grupo quer permanecer e usa internamente como discurso a necessidade de preservar a Lava Jato.
Entre procuradores, comenta-se que só o grupo de Janot tem paixão pelo caso. Prova de racha na PGR e de falta de hegemonia do atual grupo no comando é o aguardado número inédito de concorrentes. Detalhe: um interessado inesperado surgiu há pouco, o subprocurador-geral Eitel de Britto Pereira, filiado ao DEM e ex-secretário em um governo do PSDB na Paraíba. Um perfil com pinta de candidato das forças políticas pró-Temer.
A permanência de Temer na Presidência na condição de investigado criará uma situação inusitada, caso o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeite o pedido do peemedebista de suspender o inquérito comandado por Janot. Caberia a Temer, o investigado por obstrução da Justiça, corrupção passiva e organização criminosa, escolher seu investigador.
Essa situação, diz Claudio Fonteles, ex-procurador-geral, é suficiente para depor o presidente já. “O Temer não tem legitimidade alguma para nomear o procurador-geral”, afirma. “Ele está sendo investigado, como é que uma pessoa nessa condição vai escolher o chefe da instituição? Não tem condições morais para isso. É mais um motivo para tirá-lo do cargo.”
Para Fonteles, Temer merece ser cassado, caso não renuncie. “Ele foi informado de vários fatos criminosos e não fez nada. É gravíssimo”. E lembra que a mera nomeação do ex-presidente Lula, responsável por fazer dele “xerife” em 2003, para ministro de Dilma Rousseff custou aos petistas uma investigação em curso no STF, por obstrução à Justiça.
Subprocurador-geral, último ministro da Justiça de Dilma, Eugênio Aragão pensa diferente. Para ele, a gravação feita pelo delator Joesley Batista, da empresa JBS, de uma conversa tida com Temer não prova os crimes potenciais apontados no inquérito de Janot.
O mais grave na delação, diz Aragão, não é de natureza criminal, mas política. “Joesley confessou-se o tesoureiro de golpe. O impeachment foi comprado pelo Eduardo Cunha com dinheiro da JBS.”
Temer acredita ser vítima de uma conspiração, conforme se viu em um pronunciamento feito neste sábado 20. “Houve um grande planejamento para montar esse grampo”, afirmou, em referência à conversa tida em março com Batista e gravada de forma clandestina pelo empresário.
O presidente pediu ao STF a suspensão do inquérito pois suspeita de que tenha havido manipulação da gravação. Uma perícia encomendada pelo jornal Folha de S. Paulo indica que teria havido ao menos 50 pontos de edição na gravação. Temer quer a suspensão até que seja feita uma perícia aceita pela Justiça.
Janot rebatou Temer logo em seguida. Em um ofício no sábado 20 ao juiz do Supremo Edson Fachin, o mesmo que autorizou a investigação contra o presidente, o “xerife” diz não se opor à perícia. Mas que isso não precisa ser feito mediante a interrupção da investigação. O inquérito, diz Janot, serve exatamente para isso: apuração de fatos e produção de evidências, perícia entre elas.
A julgar pelo ingrediente corporativista na guerra de Janot contra o presidente, e considerando-se a visão do “xerife” sobre as motivações da forças políticas que derrubaram Dilma e puseram Temer no poder, é possível que o peemedebista tenha de fato caído numa arapuca. Certos fatos alimentam a desconfiança.
Um ex-integrante da equipe de Janot em Brasília, Marcelo Miller, desligou-se da Procuradoria neste ano para trabalhar como advogado. Pertencia ao grupo de trabalho da Lava Jato criado pelo “xerife”. Sua saída virou notícia no dia 6 de março, véspera da conversa tida por Temer com Joesley Batista no Palácio do Jaburu.
Miller, segundo O Estado de S. Paulo deste sábado 20, trabalha no escritório Trench, Rossi & Watanabe Advogados, do Rio de Janeiro. Que vem a ser a banca contratada pela JBS para negociar um acordo de leniência com o Ministério Público. O acordo de Joesley Batista é na condição de pessoa física e vale para crimes comuns. O de sua empresa é outro, para a área cível.
Dúvida: teria sido Miller uma espécie de elo de Janot com Joesley? Até agora não se sabe ao certo se as gravações clandestinas feitas pelo empresário foram uma iniciativa individual, antes de negociar com o “xerife”. Ou se a Procuradoria sugeriu ao empresário que “pegasse” Temer como condição para uma delação.
Conforme a papelada constante do inquérito aberto contra o presidente, as negociações entre o herdeiro da JBS e a Procuradoria começaram oficialmente apenas em 7 de abril. O misterioso encontro de Joesley com Temer, ó qual foi gravado clandestinamente pelo empresário, aconteceu um mês antes, em 6 de março.
O acordo de Batista com a Procuradoria também chama a atenção. É camarada como nenhuma outra delação na Lava Jato. O empresário recebeu imunidade total. Não será denunciado à Justiça por nada e, naqueles processos já existentes contra ele, será perdoado.
Ele pagará 110 milhões de reais em multas, pouco para um milionário que deve ter ganho bem mais do que isso com especulação cambial e na bolsa quando sua delação veio a público. “Cometeu o crime perfeito”, disse Temer em seu pronunciamento. Agora “está livre e solto em Nova Iorque”.
Gravações clandestinas com jeito de “arapuca” já haviam abastecido ações contundentes de Janot.
No fim de 2015, o “xerife” pediu ao STF – e conseguiu – a primeira prisão de um senador na história brasileira. O ex-petista Delcídio Amaral, mais tarde cassado, tinha conversado em um hotel com o filho de um ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró, sobre meios de impedir uma delação do pai. O filho de Cerveró gravou a reunião.
Em maio de 2016, Janot pediu ao STF a prisão de três figurões do PMDB, os senadores Renan Calheiros (AL) e Romerá Jucá (RR) e o ex-presidente José Sarney, também por obstrução da Justiça. Usou para isso áudios clandestinos de conversas do trio com o ex-presidente da Transpetro Sergio Machado, o responsável pelas gravações. Desta vez o STF negou o pedido.
Em fevereiro passado, o procurador-geral pediu ao STF a abertura de uma investigação contra os três figurões e deixou clara sua visão a respeito dos movimentos do sistema político por trás do impeachment de Dilma.
Para Janot, a formação do governo Temer, com divisão de poder entre PMDB e PSDB, tinha o objetivo de enterrar a Lava Jato, por meio de um “acordão” político capaz de aprovar leis para salvar a pele de investigados. Entre essas leis, uma seria a anistia ao caixa 2 eleitoral. O “por fora” é encrenca para uma penca de políticos implicados nas delações da Odebrecht.
Por ter essa visão sobre as intenções da classe política em Brasília, Janot partiu para cima também de Aécio Neves. O tucano foi afastado do mandato de senador e é alvo do mesmo inquérito que Temer pelas suspeitas que igualmente pairam sobre o peemedebista: obstrução à Justiça, organização criminosa e corrupção passiva, potenciais crimes ligados ao enterro da Lava Jato.
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