Indígenas durante a CPI da Funai, em novembro passado. ANTONIO CRUZ AG. BRASIL
São Paulo / Brasilia
Poucos dias antes de ser afastada da presidência da República, Dilma Rousseff acelerou processos de reconhecimento e homologação de terras indígenas. A ação fazia parte de um pacote de acenos a movimentos historicamente ligados ao PT, dentre eles o indígena, para fazer uma reaproximação e garantir apoio durante seu afastamento após uma relação cheia de altos e baixos. Dias após assumir como ministro da Justiça do Governo interino, Alexandre Moraes disse à Folha de S. Pauloque iria rever “demarcações de terras indígenas que foram feitas, se não na correria, no apagar das luzes”. Foi a largada da tensão entre o Governo Temer e o movimento indígena, que chegou a um novo patamar, com as negociações para que um general reformado assuma a presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai).
Na semana passada, começou a ganhar força o nome de Roberto Sebastião Peternelli, do PSC, para o comando do principal órgão da política indigenista. A indicação foi feita pelo líder do Governo na Câmara, o deputado André Moura (PSC) com o apoio do senador Romero Jucá (PMDB) - que nega ter chancelado o nome.
Mesmo não tendo sido confirmada e oficializada, a indicação causou uma série de reações. A mais recente ocorreu nesta segunda-feira à tarde, quando servidores da Funai foram até o Ministério da Justiça protocolar uma carta de repúdio à indicação do general. "O General Peternelli representa também os interesses da bancada evangélica que, junto à bancada ruralista, tem se mostrado contrária aos direitos dos povos indígenas e favorável à PEC 215", dizia um trecho da carta. A PEC 215 é uma Proposta de Emenda à Constituição que tira da Funai a prerrogativa de pedir ao Executivo a demarcação de terras. Pelo texto, a decisão passaria a ser do Congresso.
O ato foi acompanhado por um grupo de acadêmicos que lançou, na semana passada, um abaixo assinado, que também foi protocolado no ministério, contra a escolha de Peternelli para presidir a Funai. O grupo tem representantes de mais de 50 instituições de ensino. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) também publicaram cartas repudiando a indicação. O Fórum Nacional de Direitos Humanos pela Democracia fez o mesmo.
Procurado pela reportagem, Romero Jucá, que foi presidente da Funai em 1986, negou qualquer relação com a indicação. "Eu nem conheço esse general", disse. Segundo ele, a notícia é um boato, "plantado" por seus adversários. Nos bastidores, é sabido que o senador é hoje o peemedebista com mais conhecimento sobre a Funai e os familiarizados .
De acordo com o senador Temario Mota (PDT), principal rival de Jucá em Roraima, o peemedebista não confirma a ligação com essa indicação porque parte das lideranças indígenas faz oposição a qualquer proposta dele. Para Mota, a indicação do general para a Funai contraria a política indigenista e é um retrocesso. "Se esse general virar presidente da Funai, ele vai agir apenas em nome dos empresários e políticos que querem explorar minerais nas terras indígenas."
O deputado André Moura não respondeu às ligações e mensagens enviadas pela reportagem. Já a assessoria de imprensa de seu partido, o PSC, disse que Peternelli, assim "como outros nomes" estão sendo discutidos no partido, mas que, por enquanto, não há uma indicação oficial. O Ministério da Justiça - órgão responsável pela Funai - não confirmou a informação sobre a indicação do general.
Enquanto entidades repudiavam possível nomeação e políticos negavam parte na indicação, o general Peternelli tentava construir pontes. Uma liderança indígena, que preferiu não se identificar, disse à reportagem que foi procurada pelo general, que entrou em contato pedindo uma reunião. A liderança afirma que não respondeu à mensagem de Peternelli e que o encontro não ocorreu.
Filiado ao PSC, Peternelli foi candidato a deputado federal nas últimas eleições. Em 2012, quando Dilma e Temer faziam uma viagem oficial, José Sarney assumiu interinamente a presidência e nomeou o general como secretário-executivo do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
Militares na Funai
A Funai é presidida por Artur Nobre Mendes, que assumiu o cargo em substituição a João Pedro Gonçalves da Costa, exonerado no início de junho pelo Governo interino de Temer. Em maio, poucos dias após o afastamento de Dilma Rousseff da presidência, Costa conversou com a Agência Pública e afirmou que deixaria o Governo com o afastamento de Dilma. "Não tem como ser presidente da Funai no Governo Temer", disse.
Após a retomada da democracia, a presidência da Funai foi ocupada por militares somente durante o Governo Collor (1990 a 1992): de março a agosto de 1990, pelo coronel Airton Alcântara, e de agosto de 1990 a julho de 1991, pelo suboficial da Reserva da Aeronáutica, o sargento Cantídio Guerreiro Guimarães.
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