por Helder Lima, da RBA publicado 21/07/2016 18:22, última modificação 21/07/2016 18:41
EVERTON AMARO/FIESP
Khair: apesar de se tratar de créditos de fácil recuperação deságio em papéis vinculados a dívidas do Refis chega a 50%
São Paulo – Com o argumento de buscar receitas extras para promover o ajuste fiscal, o governo interino de Michel Temer está empenhado em criar um sistema que na verdade vai transferir ainda mais recursos públicos para o setor financeiro. É o que vem sendo chamado de “securitização da dívida ativa” – sistema em que o governo vende papeis correspondentes a débitos tributários inscritos no Programa de Recuperação Fiscal (Refis) com deságio para os bancos. Estes, por sua vez, recebem o valor total da dívida e garantem alta lucratividade. “A securitização é uma moleza que vai ser dada aos bancos para antecipar a receita, já que o governo não se julga competente para exercer a sua responsabilidade de cobrança desses débitos”, afirma o economista Amir Khair.
O governo inicialmente falou em ofertar no mercado R$ 60 bilhões dessas dívidas, mas reviu o número e considera R$ 80 bilhões. Esse montante representa 5% da dívida ativa total da União, em torno de R$ 1,5 trilhão. Com o deságio de cerca 50% esperado para esse tipo de operação, R$ 40 bilhões seriam transferidos aos bancos, que para buscar esse dinheiro contariam com sua expertise de cobrança e nada mais. Esses 5% representam o filé mignon da dívida, já que pelo fato de estarem inscritos no Refis são altamente recuperáveis.
“O problema da dívida ativa é que quando você faz o Refis, as pessoas que o assinam confessam que têm essa dívida e se comprometem a pagar parcelas mensais até quitar. Mas muito devedores pagam as duas, três primeiras prestações e depois não pagam mais. Só que ai fica fácil de cobrar as parcelas restantes, porque ele já confessou que é devedor”, afirma Khair. Segundo o economista, se o governo estivesse de fato empenhado em promover o ajuste fiscal, em vez de criar mais uma benesse para o setor financeiro, o melhor caminho seria a cobrança administrativa dessas dívidas.
“Na cobrança jurídica, que é o que funciona hoje no Brasil, normalmente as grandes empresas se escondem, porque contratam escritórios de advocacia muito competentes e usando as regras do Judiciário conseguem protelar, protelar e aquilo se torna um processo judicial sem solução”, afirma. “Mas quando você tem a confissão do débito e fica claramente apontado quem deve, e isso ocorre no Refis, a chance de você cobrar é outra, você não cobra pelo judiciário, mas pelo Serasa. Você ameaça de mandar para o pau. E ai a pessoa vai logo querer resolver”, avalia o economista.
Para efetivar o processo de securitização e dar mais esse presente ao setor financeiro, o governo precisa ver aprovado o Projeto de Lei do Senado (PLS) 204/2016, de autoria do então senador José Serra (PSDB), atual ministro das Relações Exteriores, que estabelece a possibilidade da securitização. O economista diz que a ideia é alimentada pela incompetência do poder público em executar as cobranças sob sua responsabilidade. Já o sistema de cobrança dos bancos, lembra Khair, é eficiente, “porque tem gente treinada para isso, mas a sociedade tem de cobrar que o setor público seja competente para fazer isso. E aí não fica dando dinheiro de graça para os bancos. Os bancos já lucram uma barbaridade em cima da população, em cima das empresas”, afirma.
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