segunda-feira, 18 de julho de 2016

A rua é de Erdogan

Partidários do presidente apoiam o chamado do líder turco ao continuarem mobilizados

Istambul

Funerais de civis mortos durante a tentativa de golpe, em Istambul. AP / ATLAS
“Se eles têm tanques, nós temos fé”, gritou neste domingo na monumental Mesquita de Fatih de Istambul, cenário de funerais de Estado, com voz alta e firme, o presidente da República. A Turquia se despedia das vítimas da maior tentativa golpista registrada em 35 anos, que resultou em cerca de 290 mortos, mais de um terço dos quais militares que ergueram as armas para derrubar um Governo eleito nas urnas. Bandeiras turcas cobriam os caixões e flamulavam nos veículos dos cortejos fúnebres que percorriam a cidade
Até o habitualmente impassível Recep Tayyip Erdogan irrompeu em lágrimas ao pronunciar a elegia na cerimônia fúnebre do dirigente islâmico Erol Olcak, morto ao enfrentar os militares rebeldes de Istambul. “Erol era um velho amigo, sinto não poder continuar falando mais”, disse com a voz embargada. “Que Deus tenha piedade da sua alma.” Olcak, que perdeu a vida junto com seu filho de 16 anos em uma das duas pontes sobre o Bósforo, foi um dos principais responsáveis pela campanha em que Erdogan conquistou a Presidência com 52% dos votos no primeiro turno, nas primeiras eleições em que os turcos elegeram diretamente seu presidente.


A Prefeitura da Área Metropolitana de Istambul — controlada pelos islâmicos há mais de duas décadas, quando Erdogan era o prefeito — havia mobilizado sua frota para frear o avanço da tentativa golpista. Caminhões de lixo, guindastes, carros de bombeiros... continuavam formando neste domingo barricadas móveis em pontos estratégicos como as rotatórias de acesso ao aeroporto Ataturk, os pedágios das pontes suspensas e a residência privada do presidente da República, na parte asiática da cidade.
Seu chamamento aos cidadãos para ocupar praças e ruas contra os militares que marcharam contra o poder legítimo parecia ainda vigente de madrugada na entrada do principal terminal aéreo da Turquia, pouco depois que aterrissou o primeiro avião da Turkish Airlines procedente de Madri, depois da suspensão de voos decretada em consequência do levante. “Tayyip é nosso presidente!”, ecoavam grupos partidários de Erdogan em um ambiente festivo quando ainda não havia raiado o dia.
Na praça de Taksim, o coração da zona europeia de Istambul e epicentro dos protestos populares, dezenas de manifestantes cochilavam ao meio-dia à sombra das poucas árvores que rodeiam o monumento à reunificação e independência moderna da Turquia depois da I Guerra Mundial. À espera do entardecer, quando foi convocada uma nova concentração massiva de apoio a Erdogan, um casal com um carregamento de bandeiras turcas começou a montar um posto de venda na praça. “A pequena custa 10 liras (cerca de três euros) e a grande, 25”, explicavam diante da perspectiva de um bom negócio.
Enrolado em uma bandeira turca, o eletricista Taner, de 34 anos, garantia ter atravessado em 24 horas todo o país desde o sudeste da Anatólia, onde estava trabalhando na sexta-feira, até a porta da casa de Erdogan, no distrito de Uskudar, em Istambul. “Não foi nosso Exército que atacou o povo”, argumentava em frente a residência privada do presidente turco, transformada em forte por unidades policiais de elite da Direção Geral Antiterrorista, cuja sede em Ancara foi bombardeada pelos golpistas. “Tive de tomar vários ônibus e pedir carona”, dizia este eleitor fiel do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP, na sigla em turco), “e continuarei aqui esperando as ordens do nosso líder”.
Centenas de manifestantes aproveitavam para tirar fotos diante dos veículos 4 x 4 blindados pintados de preto das unidades antiterroristas — muito parecidos com os que o Exército israelense utiliza para patrulhar a Cisjordânia — junto a agentes armados com sub-fuzis automáticos e vestidos com coletes à prova de balas. “Estou aqui há quase três dias”, contou Derya, de 36 anos e mãe de três filhos, enquanto ondulava a bandeira nacional vermelha com a meia lua e a estrela à passagem da comitiva presidencial de Erdogan. A caravana de mais de 20 veículos — havia vários guarda-costas aparecendo nas janelas, de armas engatilhadas — com vidros escuros, para não ser possível identificar em qual deles viajava Erdogan, foi aclamada com entusiasmo. “Não sairemos até que a ameaça acabe”, afirmou Derya, junto com outras duas mulheres cobertas com véu e vestidas segundo a tradição conservadora islâmica, apesar do clima sufocante e úmido das margens do Bósforo.
Erdogan não deixou de mobilizar seus seguidores ante o temor de que uma unidade golpista descontrolada tente continuar a rebelião por conta própria em uma ação de consequências imprevisíveis. Os tiroteios continuavam sendo ouvidos no aeroporto de Sabiha Gokcen, o segundo da cidade, já na parte asiática. “Esta semana que começa é muito importante. Não podemos abandonar as praças”, proclamou o presidente na mesquita de Fatih. A multidão lhe pediu mais tarde que voltasse a adotar a pena de morte na Turquia, abolida antes do início das negociações de adesão à União Europeia, para os condenados por golpismo.
O apoio popular a Erdogan desperta receios no Ocidente de que o presidente aproveite para restringir liberdades na Turquia. Os Governos dos Estados Unidos, Alemanha e França expressaram preocupação com a magnitude da onda de prisões que se seguiu ao golpe frustrado. "[O golpe] não pode ser um cheque em branco para Erdogan ", disse o ministro das Relações Exteriores francês, Jean -Marc Ayrault, enquanto os Estados Unidos pediram Ankara não viola o seu compromisso com a democracia .
O secretário de Estado dos EUA, John Kerry, disse por sua vez: "Nós pedimos a eles [os turcos] para não ir tão longe e, assim, criar dúvidas sobre seu compromisso com o processo democrático." O presidente Barack Obama já havia chamado atenção para a liderança turca. O ministro da Justiça alemão Heiko Maas, por sua vez alertou, contra uma "vingança arbitrária" após o golpe de Estado na Turquia.

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