O que sabemos para já é que terão sido dois ou três homens, que levavam metralhadoras, que se introduziram pelas 11:30 horas de quarta-feira, 7, nas instalações do semanário satírico Charlie Hebdo, que mataram pelo menos 12 pessoas e feriram mais uma dezena, dos quais quatro se encontram em estado muito grave.
Foi em Paris, hoje. O Charlie Hebdo estava na mira de terroristas islâmicos desde que em 2011 publicou caricaturas do profeta Maomé. Em 2013, conta o Libération, uma lista de 11 pessoas "procuradas vivas ou mortas por crimes contra o Islão" foi publicada pela Al Quaeda: Charb, o diretor da publicação, fazia parte dessa lista. Os atiradores estavam informados: à quarta-feira de manhã o semanário realizava a sua reunião de redacção.
Depois do massacre - os jornais franceses classificam-no como o mais mortífero dos ataques terroristas em Paris desde 1835 -, os homens encapuzados fugiram num carro de alta cilindrada. Trocaram de viatura numa das saídas da cidade e continuaram a sua fuga. Segundo testemunhos recolhidos pelos jornais franceses, os homens terão gritado Allah Akbar  ("Deus é grande") enquanto atiravam sobre os trabalhadores do jornal. Segundo o testemunho de uma desenhadora do jornal publicado no site de L'Humanité, os homens forçaram a entrada e disseram pertencer à Al Quaeda.
Tudo isto acontece no mesmo dia em que é lançado, em França, o novo livro de Michel Houellebecq, autor dePartículas Elementares, o romance que o alcandorou à fama. Soumission (tradução: Submissão) é publicado pela Flammarion e satiriza uma república francesa governada por muçulmanos. Na fábula de Houellebecq, depois de uma chegada camuflada ao poder, os muçulmanos islamizam a universidade, acaba com a igualdade entre homens e mulheres, instituem o uso do véu e legalizam a poligamia.
Os intelectuais de esquerda franceses apressaram-se a dizer que se tratava de um favor a Marine le Pen, que fez (e faz) do combate à imigração, sobretudo de muçulmanos, o cavalo de batalha que lhe permitiu ser eleita para o Parlamento Europeu e uma séria candidata às próximas presidenciais no Hexagone. Outros atacaram-no por ter tornado os muçulmanos alvos dos medos mais secretos e hediondos dos franceses. Outros, ainda, apelidados de direita, dizem que se trata de uma obra corajosa contra a "cegueira, o silêncio e a passividade" da esquerda francesa, no que toca ao modo como vê os 6% de habitantes do país muçulmanos.
Certo é que nunca uma obra foi tão atual: no dia em que é lançado o romance que parodia uma subida ao poder dos muçulmanos, radicais islâmicos (ao que, para já, se sabe) limpam uma dezena de jornalistas infiéis na capital. Já não é uma obra sobre os "medos" secretos dos franceses - é sobre os medos reais de um ataque que matou pelo menos 12 pessoas, algumas delas guardadas a sete chaves pela polícia francesa desde as primeiras ameaças à sua integridade, há três anos. Passou a ser sobre o medo provocado a uma civilização que, mal ou bem, há quase 250 anos defende a não discriminação - hoje também com com base no sexo, na orientação sexual ou na cor da pele - e na liberdade. E isto, para todos nós, é muito - muito - preocupante.