Longe vão os tempos em que Alexis Tsipras era apontado como um "perigoso bolchevista". O líder da oposição grega e da Coligação de Esquerda Radical (vulgo Syriza) continua a ter o retrato de Che Guevara no seu gabinete e não seria de estranhar que o levasse para a sede do Governo, caso se torne no próximo primeiro-ministro da Grécia. Uma aparente inevitabilidade histórica, como demonstram todas as sondagens sobre as eleições legislativas antecipadas de 25 de janeiro.
O antigo engenheiro civil é um homem de convicções e tem uma tal admiração pelo herói da revolução cubana que um dos nomes do seu filho mais novo é precisamente Ernesto. O passado comunista de Tsipras, a sua agenda política e a hipótese da Europa ter um Governo de extrema-esquerda é algo que ainda parece incomodar muita gente. A começar pelos principais credores da Grécia. O país deve mais de 300 mil milhões de euros e o Banco Central Europeu (BCE), a Comissão Europeia e o FMI estão preocupados com um eventual incumprimento do futuro Executivo helénico. No entanto, à famosa troika deve acrescentar-se a Alemanha, principal crítica das intenções de Tsipras suspender os programas de ajustamento impostos nos últimos cinco anos.
O Governo de Angela Merkel considera que os compromissos resultantes dos dois resgates à economia grega são para cumprir integralmente e que Atenas tem de continuar a aplicar as reformas ditadas por Bruxelas e Berlim, sob pena de abandonar a Zona Euro e a moeda única. Isso mesmo se encarregou de explicar a revista Der Spiegel. Como inúmeros analistas fizeram questão de sublinhar, Angela Merkel pretende chantagear os eleitores gregos e dizer-lhes que um Governo do Syriza é sinónimo de regresso ao dracma, de um agravamento do custo de vida e de caos. Um cenário que é repetido pelo atual primeiro-ministro grego Antonis Samaras, a cujo partido - Nova Democracia - os estudos de opinião atribuem 27% das intenções de voto.
Futebol e cartões vermelhos
No entanto, toda esta polémica pode não passar de um enorme bluff. De acordo com as contas feitas pela agência Reuters, os bancos germânicos ainda têm 23 500 milhões de euros aplicados na economia grega, um valor irrisório se comparado com o existente há três anos. Ou seja, os riscos sistémicos e um possível efeito de contágio a outros países como Portugal parecem fora de questão. Já ninguém parece acreditar num cenário de implosão do euro. E se ainda se discute uma possível insolvência da Grécia, os argumentos têm mais a ver com política do que com os delicados problemas económicos e financeiros da nação cuja economia encolheu 25% desde 2009, onde os salários e as reformas caíram praticamente para metade no mesmo período e onde 2,5 milhões de pessoas deixaram de ter acesso ao sistema de saúde.
A possibilidade do Grexit - o neologismo inglês que é suposto traduzir a saída da Grécia da Zona Euro - é vista como mais uma demonstração da conhecida intransigência da Alemanha em matéria de austeridade. Como admitiu na segunda-feira, 5, o ministro da Economia e vice-chanceler Sigmar Gabriel, as reformas na Grécia são para continuar "independentemente de quem venha a formar governo".
Na prática, Berlim continua a defender que a Grécia tem de pagar - a qualquer preço - a fatura pelos anos de desvario e despesismo irresponsável das suas elites políticas. Algo que não é segredo para ninguém. O ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Timothy Geithner, descobriu isso mesmo em junho de 2012, na ilha de Sylt, quando se reuniu com Wolfang Schauble, o todo-poderoso ministro das Finanças alemão, e revelou no seu livro Stress Test quanto os "alemães estavam obcecados em esmagar os horríveis gregos". Pelos vistos, o diktat e as ações punitivas contra Atenas estão para durar e não lhe faltam adeptos. O diário Bild, o mais vendido  jornal alemão, é o melhor exemplo: "Se os radicais de esquerda ganham as eleições [na Grécia], o Governo [de Berlim] vai mostrar-lhes o cartão vermelho. Uma medida que já deveria ter sido tomada há muito tempo!" As tiradas futebolísticas dominavam o editorial do tabloide no dia 5: "O que acontece a um jogador que viola as regras e comete uma falta brutal? (...) É expulso do relvado. (...) O que acontece a um país que não cumpre as regras ou só as aplica de forma relutante? É apoiado e recebe biliões, como temos visto até agora no caso da Grécia."
Está tudo mais do que negociado
Palavras que o sempre atento Alexis Tsipras terá lido, mas que o não devem inquietar por aí além. O Bild pode descrevê-lo como um radical que está às portas do poder com o propósito de destruir a União Europeia. Mas esse rótulo pertence à História. Os eleitores gregos já não se deixam intimidar como sucedeu em 2012 e sabem que o líder do Syriza é hoje a única alternativa de que dispõem face aos partidos tradicionais e à austeridade que lhes é imposta. Sabem muito bem que Tsipras é fanático, mas pelo Panathinaikos, o clube de que é sócio e a cujos jogos tenta assistir sempre que a agenda lhe permite. E depois também já perceberam que ele, nas artes da política, se comporta mais como um jogador de xadrez do que como um craque da bola. Algo que até o New York Times e o Financial Times reconhecem.
Tsipras tem sido um mestre na sua estratégia para a conquista do poder e estas duas publicações consideram-no um "realista" com os "instintos certos" para resgatar o seu país da desgraça em que caiu. Quanto mais não seja porque a dívida se tornou insustentável. Uma constatação cada vez mais óbvia e consensual. "Um Governo do Syriza terá a vantagem de não aceitar a ficção que, neste momento, impera na Zona Euro. A Grécia é um estado falido. E dizer a verdade representa um grande passo em frente", defendeu James Galbraith, há três semanas, numa entrevista ao jornal catalão La Vanguardia. Para o catedrático de Ciências Económicas da Universidade do Texas, Tsipras e os credores da Grécia estão condenados a entender-se e terá de haver uma reestruturação negociada da dívida helénica. Uma tese que também aflora no seu livro mais recente, The New Normal, onde considera que o regime de Atenas pode iniciar uma "rebelião política" contra o statu quo da União Europeia.
Talvez por levarem a sério essa possibilidade, Angela Merkel e François Hollande têm marcada para o próximo domingo, 11, em Estrasburgo, uma reunião em que é suposto discutirem os principais desafios que as lideranças comunitárias enfrentam - incluindo a questão grega e o plano de "alívio monetário" do Banco Central Europeu para adquir dívida pública em larga escala, à semelhança do que fez a Reserva Federal dos EUA entre 2010 e outubro de 2014, numa clara tentativa de evitar a deflação e estimular o crescimento e o emprego.
No entanto, uma outra hipótese não pode ser descartada. Tsipras, os credores e os representantes de Angela Merkel já têm tudo mais do que planeado para o dia seguinte à previsível vitória do Syriza. Como noticiou na passada semana o diário italiano La Stampa, há muito que decorrem negociações secretas entre todos. E até revelou o nome do principal negociador/mediador: Jorg Asmussen, um social-democrata que  foi administrador do BCE e é hoje um dos colaboradores de confiança da chanceler alemã. Como se não bastasse, é público que alguns dos possíveis ministros de Tsipras - John Milios, Giorgios Stathakis e Euclid Tsakalotos - têm andado num frenesim diplomático entre Washington, Paris, Londres e Berlim. E nem vale a pena especular porquê.