Na segunda-feira dia 8 de Dezembro de 2014, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) apresentou o seu relatório. Neste relatório, apresentado anualmente por altura do Dia Internacional dos Direitos Humanos, foram abordados os casos considerados mais urgentes: a questão das prisões de ativistas, começada na altura da Copa das Confederações (junho de 2013) e que ainda hoje se verifica, e o caso de Rafael Braga. Ambos os casos têm processos a decorrer na justiça brasileira hoje, Janeiro de 2015.
Rafael Braga foi preso preventivamente a 20 de Junho de 2013 com base numa presunção: a de que iria praticar um crime futuro. A polícia presumiu que o jovem faria um explosivo com uma lata de lixívia e outra de Pinho Sol, um detergente desinfetante. Por este motivo foi levado para uma esquadra de polícia: flagrante delito por posse de material explosivo, que daria origem a um cocktail molotov. 

 

No dia em que Rafael foi preso estavam nas ruas do Rio de Janeiro mais de um milhão de pessoas. Apesar de muita gente "não estar consciente politicamente", sentiam que "alguma coisa estava mal", diz Eloísa Samy, 52 anos, advogada e ativista de Direitos Humanos. Tudo começou uns dias antes em São Paulo, através do MPL (Movimento Passe Livre), contra o aumento dos bilhetes de autocarro. O resto são estórias já contadas. Naquele dia 20 de Junho, as luzes da Avenida Presidente Vargas foram apagadas por volta das oito da noite, ao mesmo tempo que gás lacrimogénio era lançado. Vídeos documentam a perseguição de milhares de pessoas, por parte da polícia.
A presunção de que Rafael estaria na posse daquelas garrafas para fabricar um cocktail molotov foi contestada pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro (Ministério Público em Portugal), através de um pedido de revogação da prisão preventiva. O pedido foi negado por um juíz de segunda instância e, só um ano mais tarde, em Outubro de 2014, é que Rafael começou a cumprir a pena, já estando condenado de facto. Cinco anos, regime fechado. 
No Brasil existe a presunção de que os polícias têm fé pública e o ónus da prova está invertido, o que significa que em caso de acusação feita por um polícia, cabe ao suspeito provar a sua inocência (a regra em Direitos Penais mais garantísticos está na presunção de inocência e o ónus da prova em quem faz a acusação).
 

"Vamos prender. É morador de rua e já tem antecedente criminal". É assim que Felipe Coelho, advogado, 30 anos, interpreta a prisão de Rafael por parte da polícia. A prisão, considerada por advogados e ativistas como arbitrária, é vista como exemplo paradigmático daquilo que muitos consideram ser a atuação de um Estado "repressivo", que quis ter no Rafael um exemplo para "assustar as massas".
Felipe Coelho, além de exercer advocacia privada é advogado voluntário no Instituto de Defensores dos Direitos Humanos (DDH), uma "ONG pobre", localizada na Avenida Presidente Vargas, no centro do Rio. Felipe tem acompanhado o processo do Rafael desde o início e mais tarde de forma mais profunda, quando o DDH começou a prestar apoio judiciário a Rafael, depois do recurso de apelação, para a segunda instância.
"A situação do Rafael Braga é hoje o caso mais emblemático do sistema judicial brasileiro", conta Felipe. "Rafael, de 26 anos, não tem habitação certa e trabalhava como 'catador de latinhas'. Foi preso numa rua paralela à Presidente Vargas, perto da casa abandonada onde dormia há alguns meses".
"O Rafael tinha estes materiais para poder desinfetar o sítio onde dormia". As únicas testemunhas contra o jovem foram alguns polícias e segundo o advogado, Rafael nem sabia o estava a acontecer: "Ele não tem se quer consciência política suficiente para participar de uma manifestação, começou a aprender a ler apenas aos 13 anos de idade". Vindo de uma família de 7 irmãos, há anos que Rafael dormia ora num casarão abandonado no centro da cidade, ora em casa da mãe, no norte do Rio, que passava por muitas dificuldades. Entrevistado por coletivos de ativistas e pelo DDH, Rafael disse não saber se quer o nome do governador ou do perfeito do Rio de Janeiro. 

 

Em agosto de 2014 o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro reduziu a pena em dois meses, no recurso de apelação. Mais tarde, em outubro, graças ao pedido do DDH, a Vara de Execuções Penais do Rio concedeu a Rafael o direito de trabalhar fora do complexo prisional de Gericinó (antigo e conhecido complexo penitenciário de Bangu). Rafael tem estado desde meados de outubro a cumprir a pena em regime semiaberto,  no Instituto Penal Edgard Costa, em Niterói, no norte do Rio de Janeiro.
Em entrevista concedida ao Coletivo Mariachi (grupo de "midiativistas" [em Portugal chamar-se-iam "ativistas dos média ou jornalistas ativistas"]) ainda em 2013, Rafael reafirma que apenas tinha consigo uma garrafa de lixívia e outro de Pinho Sol (desinfetatante): "A primeira vez que vi uma manifestação de perto foi quando fui preso".
Rafael conseguiu então o direito a sair da prisão de Bangu para trabalhar num escritório de advogados, ajudando com as limpezas.
Em finais de Novembro de 2014, o DDH tirou uma fotografia a Rafael que foi publicada em perfis pessoais dos advogados, no Facebook. A fotografia não foi publicada na página oficial da ONG mas ainda assim foi encontrada pela Secretaria de Estado da Administração Penitenciária (SEAP). A Secretaria achou o ato desrepeitoso e condenou Rafael a ficar 10 dias na solitária. "Trata-se de uma perseguição sem fim, já que nem existe nenhuma lei que proíba os presos de tirarem fotografias", diz Felipe Coelho. 
O caso de Rafael já chamou a atenção da Amnistia Internacional. O DDH vai continuar a recorrer das decisões dos tribunais já que Rafael ainda tem 4 anos e 8 meses de pena por cumprir.