Haiti, um país em estado zombieCinco anos depois do terramoto que matou 220 mil pessoas e arrasou as estruturas do país, a VISÃO regressou ao Haiti, que continua a depender em absoluto da solidariedade internacional
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Cinco anos depois do terramoto que matou 220 mil pessoas e arrasou as estruturas daquela que já era a nação mais pobre do hemisfério ocidental, são ainda ténues os sinais de regresso à vida. Sem capacidade de gerar riqueza, com 70 por cento da população no desemprego e um clima de grande instabilidade política, o Haiti depende em absoluto da solidariedade internacional
Nos socalcos escavados nas montanhas que envolvem Port au Prince, os bairros de tetos azuis - a cor das tendas fornecidas pela ONU - começam a ficar escondidos pelas copas das árvores, que encontram no clima tropical terreno fértil para crescer a uma velocidade sobrenatural. Mas não há arvoredo que rompa nas favelas de cimento, plantadas em cada pedaço de terreno livre da cidade. "Enquanto nós construíamos 5 mil casas, os haitianos faziam 50 mil...", assume um alto quadro da União Europeia (UE), um dos principais financiadores da recuperação do país, a par dos Estados Unidos da América. Antes do terramoto, os bairros de lata já se impunham na paisagem. Mas hoje, a capital assumiu toda ela um aspeto de favela, com as suas construções toscas e mal acabadas, fazendo uso de qualquer material a que se deita a mão (contraplacados, chapas de zinco, sacas de comida), com puxadas de eletricidade a cruzar os céus, esgotos a escorrer pelas ruas e porcos a chafurdar nas pilhas de lixo que se amontoam a cada esquina. Nos arredores, nasceu mesmo uma nova cidade. Batizaram-na de Canaã - mas qualquer semelhança com a terra prometida na Bíblia, onde tudo existia em fartura, é mera coincidência. Ali vivem amontoadas, em barracas sem água nem luz, cerca de 300 mil pessoas, na mais abjeta pobreza.
O cenário impressiona quem chega de fora mas, com o passar do tempo, aprende-se a filtrar o bom do mau. Apesar da miséria, esta não deixa de ser uma ilha nas Caraíbas, com palmeiras a recortar o horizonte, contra o mar. No centro da cidade pintaram-se as fachadas dos casebres com cores garridas (do rosa, ao verde e amarelo), há sempre música no ar, miúdos a dar chutos numa bola, anúncios do regresso de Jesus e de happy hours nos bares de alterne, velhos a dormitar nos alpendres para digerir o rum e meninas impecavelmente fardadas a caminho da escola, com laços de cetim prendendo o cabelo. E negócios, muitos negócios preenchendo cada pedaço de passeio nas ruas. Vende-se comida e sapatos, telemóveis e roupa interior, brinquedos e motores de automóveis. Há de tudo, e a todos um haitiano oferece de troco um sorriso.
Há hoje na vida do país a mesma dualidade que nos mortos-vivos popularizados pelos cultos vudus, seguidos por mais de metade da população - por um lado, a horizonte negro da pobreza, o luto por aqueles que morreram, a tristeza melancólica nos olhares que não alcançam futuro; por outro, a energia de quem vive nos trópicos, a resiliência de um povo que teima em manter-se de pé, a face solar das crianças. Como cantam os evangélicos nas suas grandiosas missas campais, enquanto fazem soar tambores por toda a capital, "ainda há um coração que bate, bate, bate... sim, é o Haiti".
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