domingo, 23 de setembro de 2018

Com crise na Venezuela, Roraima tem em média dois apagões por dia




Abastecimento elétrico local é suprido por geração do país vizinho e estado registrou 65 quedas de energia em 2018


Reprodução/ Eletrobras Amazonas


Ingred Suhet



Dois apagões por dia. Essa é a média de blackouts enfrentados pela população roraimense, segundo informações da Eletrobras Roraima, empresa responsável pela distribuição da energia elétrica no estado. A região é alvo constante de insegurança energética. Isso se deve a dois motivos: o estado depende da compra de suprimento gerado em usinas hidrelétricas na Venezuela – que passa por crise política, econômica e humanitária atualmente –, e também por ter que contar com produção de energia complementar por meio de fonte térmica, considerada mais cara e suja.
Diante desse cenário, a população tenta adaptar suas rotinas a interrupções diárias no fornecimento de eletricidade e possíveis prejuízos. Segundo relatos da historiadora e moradora de Boa Vista (RR), Cecylia Brasil, 70 anos, ultimamente as interrupções se tornaram mais frequentes.
“Agora mesmo, estamos sem energia. Muitos eletrodomésticos queimam por conta disso”, afirmou ao Metrópoles na terça-feira (18/9). “Vejo muita gente reclamando todos os dias. Estou pensando em aderir um sistema de energia solar para não ter mais de passar por esse problema”, concluiu.
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A cidadã ainda contou que a oscilação no fornecimento elétrico também atinge a economia local. Uma das principais atividades do estado é a agropecuária. “Sem eletricidade não dá para movimentar esse tipo de trabalho, nem irrigar o solo”, ressaltou.


Para o senador e candidato ao governo de Roraima, Telmário Mota (PTB), o estado sempre teve “energia insegura”. De acordo com o parlamentar, até o ano de 2001, Roraima era atendida por um parque térmico local e, desde então, pela energia comprada da Venezuela – gerada no complexo hidrelétrico de Guri e Macaguá e transmitida ao Brasil por meio do Linhão de Guri.
“Ao invés de buscar soluções para conectar o estado ao Sistema Interligado Nacional (SIN), há anos estamos dependendo de ações paliativas, como termelétricas, responsável por gerar energia cara, instável e poluente, e projetos de hidrelétricas que não suprem o estado como ele precisa”, destacou à reportagem por meio de nota. “Um exemplo disso é a UHE Jatapu, localizada no Sul da região”, citou o postulante ao mencionar que “o governo resolveu reinaugurar a hidrelétrica em junho, mas a localidade também já apresentou diversos apagões”, completou.
Dependência de energiaRoraima é a única unidade federativa do país não conectada ao SIN, responsável pela interconexão de todos subsistemas elétricos, por meio de linhas de transmissão, e pela transferência de energia entre eles. Ou seja, praticamente toda a eletricidade que chega aos consumidores brasileiros passa por esse mecanismo de grande porte.
No caso do território roraimense, dois terços do abastecimento elétrico local é suprido por geração do país vizinho. Para complementar, segundo dados de 2017 da Eletrobras Roraima, a distribuidora mantém 189,1MW de geração termelétrica. No entanto, esse volume poderia aumentar, pois o Brasil possui dívida de mais de US$ 30 milhões com a Corpoelec, empresa venezuelana de geração e transmissão de energia elétrica.
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Segundo autoridades brasileiras, a transferência do montante ainda não ocorreu em decorrência de sanções econômicas aplicadas contra Caracas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Em 24 de agosto, a Venezuela ameaçou cortar o fornecimento elétrico caso o pagamento não fosse efetuado. A notícia assustou o governo brasileiro e a população de Roraima.

Na última quinta-feira (20), a governadora do estado, Suely Campos, reuniu-se com o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, para tratar sobre o assunto. Após o encontro, o mandatário do país vizinho descartou qualquer tipo de interrupção no fornecimento de eletricidade ao Brasil, mesmo com a dívida em aberto entre os dois países.
De acordo com a gestora do governo de Roraima, Maduro teria se comprometido a expandir e melhorar o serviço prestado. Ele também teria garantido a prorrogação do contrato até a construção do Linhão de Tucuruí.
Políticos locais culpam governo federal
Na avaliação da deputada federal e candidata a reeleição, Shéridan Oliveira (PSDB), a questão dos apagões frequentes tem sido negligenciada pelo governo federal, assim como outras pautas prioritárias de Roraima. “Compramos energia de péssima qualidade da Venezuela e somos forçados a complementá-la com geração vinda de termelétrica de pior qualidade e ainda pagamos caríssimo por isso, pois o custo destas usinas é muito elevado”, afirmou ao ressaltar que apenas em Boa Vista, 53 blackouts foram registrados neste ano.
De acordo com a Eletrobras Roraima, em todo o estado, ocorreram 65 apagões até o momento. Contudo, segundo a empresa, há média diária de dois blackouts no estado. A parlamentar ainda disse ao Metrópoles que “recentemente a Boa Vista Energia – a própria Eletrobras Roraima –, distribuidora de energia responsável por atender todos os 15 municípios do estado, foi vendida em leilão por cerca de R$ 50 mil, arrematado pelo consórcio Oliveira-Atem. A venda aconteceu em meio a incertezas cambiais e políticas, com dólar flutuando e eleições se aproximando”, concluiu.
Já o candidato ao governo do Estado Telmário Mota (PTB) acredita que “o risco do corte definitivo da energia do Linhão de Guri é real. “Quem vai ficar prestando serviço pelo qual não é pago? Além disso, a situação econômica da Venezuela já ameaça o fornecimento por si só”, enfatizou.
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Licenciamento ambiental e reserva indígena

Tida como principal alternativa para acabar com os apagões no estado, o chamado Linhão de Tucuruí ainda é uma ideia que não saiu do papel. As obras licitadas em 2011 para interligar Boa Vista a Manaus não foram concluídas. A principal justificativa seria a falta de licenciamento para construção da rede. Dos mais de 700 Km de linhas de transmissão a serem instaladas, 123 Km passariam pela reserva indígena Waimiri-Atroari, onde vivem 1.600 índios, em 31 aldeias.
Em agosto, representantes do governo decidiram dividir o licenciamento para destravar o processo. A previsão era que a primeira parte da licença ambiental seria concedida no fim de setembro  – para viabilizar as obras previstas para os trechos fora da área indígena. No entanto, por meio de nota, a assessoria de comunicação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) informou que “até o momento, não foi apresentado requerimento para emissão de Licença de Instalação (LI)”.
Para o professor de engenharia elétrica da Universidade de Brasília (UnB), Marco Antônio Egito Coelho, a energia adquirida do país venezuelano é limpa, mas  “a confiabilidade não é muito boa.” A solução do “ponto de vista técnico”, segundo Egito, viria do linhão de Tucuruí. “Mas esse sistema de transmissão passa pela floresta amazônica. Trata-se de um problema mais politico que técnico”, explicou.
Outra hipótese levantada pelo especialista é o aproveitamento hídrico para gerar eletricidade e auxiliar no abastecimento do estado.”Há bons rios na região, mas não posso afirmar que há potencial para atender esse tipo de demanda. Se viável, isso não poderia ser feito a curto prazo, levaria vários anos”, acredita.
Propostas
Sobre a questão, a candidata a deputada federal Sheridan disse que a interligação é fundamental para solucionar o problema. “É isso que eu defendo e que vou continuar lutando para que seja concretizado. Sem essas obras, nós, roraimenses, teremos que conviver com energia cara e ruim e essa instabilidade elétrica”, declarou. “Privatização não é a solução”, completou.
De acordo com o postulante Telmário Mota, o linhão ainda não saiu “porque o governo federal e a Funai estão sentados nessa obra e não deixam seguir”, afirmou. “Os indígenas estão abertos  ao diálogo. É só utilizar as diversas tecnologias para dar continuidade à obra. Seja subterrâneo, enfim. Falta vontade política”, pontuou.
Outro lado
Em relação às interrupções de energia ocorridas nesse ano no estado, a Eletrobras Roraima informou que, segundo informações da Corpoelec, empresa venezuelana de geração e transmissão de energia, árvores próximas aos condutores da LT Linha de Transmissão causam atuações constantes das proteções do sistema de interligação Brasil/Venezuela. Além disso, a empresa citou “descarga atmosférica, entre outras”, como causas responsáveis por dar início aos apagões na região.
De acordo com a companhia, ela não tem ação sobre o problema, no entanto está buscando solução junto ao Ministério de Minas e Energia (MME) e a Eletronorte para colaborar com apoio técnico. A empresa brasileira afirmou ainda “não ser responsável pela manutenção da LT 230 kV da Corpoelec, a Eletrobras só é responsável pela manutenção da LD Linhas de Distribuição de 69 kV e RD Redes de Distribuição em 13,8 kV”.
MMEA reportagem entrou em contato com a assessoria de comunicação do Ministério de Minas e Energia (MME) para questionar em relação aos apagões ocorridos em Roraima, bem como sobre ações previstas pelo governo federal para assegurar o abastecimento elétrico no estado roraimense. Em resposta, a pasta afirma que “as tratativas de conversa estão sendo conduzidas pelo governo federal e não há riscos de desabastecimento da região, porque há térmicas”.



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Por Aguiasemrumo: Romulo Sanches de Oliveira
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