segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Crise e escândalos levam desânimo e descrença a eleição municipal, diz especialista


Néli Pereira

Chão com propaganda eleitoral em São PauloImage copyrightMARCELO CAMARGO/ABR
Image captionA eleição deve ser de mudança, privilegiando candidatos de oposição, diz Almeida

As eleições municipais deste domingo serão marcadas pela descrença e pelo desânimo do eleitor com o sistema político em decorrência da crise e dos escândalos de corrupção.
Essa é a avaliação o sociólogo Alberto Almeida, autor de A Cabeça do Brasileiro eA Cabeça do Eleitor, que acredita que esse desânimo já existia, mas que ficou "acentuado" neste pleito de domingo.
Almeida acredita que esse cenário privilegiará candidatos de oposição e pequenos partidos em detrimento das candidaturas à reeleição e das legendas mais tradicionais e de mais peso no país.
Leia abaixo trechos da entrevista concedida à BBC Brasil:
BBC Brasil - Qual deve ser o impacto da crise política que o país enfrenta nos últimos dois anos nas eleições municipais?
Alberto Almeida - Vamos perceber esse impacto no aumento dos votos brancos, nulos e nas abstenções. Muito provavelmente haverá aumento desses comportamentos eleitorais.
É uma descrença generalizada, nós estamos há mais de um ano com o noticiário tendo como foco escândalos de corrupção, políticos envolvidos na Lava Jato e seus desdobramentos.
BBC Brasil - Como esse cenário pode afetar os partidos? É possível apontar quais devem se fortalecer?
Almeida - Devemos ter uma perda de densidade eleitoral do Partido dos Trabalhadores, que lançou agora metade dos candidatos que havia lançado nas últimas eleições municipais. Em 2012 foram 2 mil candidatos a prefeito, e agora são apenas mil. Só esse dado já é suficiente para que o PT tenha um resultado eleitoral muito abaixo que o da eleição passada.
O PMDB vem se mantendo no mesmo patamar há alguns anos, pode ser que tenha um pequeno aumento em função do acesso à máquina pública, o Partido Social Democrático (PSD) vem crescendo, pode crescer novamente, assim como o Solidariedade e outros menores. Mas, de fato, existe uma fragmentação grande e foram criados incentivos em função do escândalo da Lava Jato para o crescimento dos demais partidos, que não os quatro ou cinco principais.
E é provável que aumente a votação de outros partidos pequenos, que tendem a aumentar força eleitoral em termos de voto e controle de prefeituras - isso é uma tendência que já vinha ocorrendo em anos anteriores e deve se manter agora.

Alberto AlmeidaImage copyrightDIVULGAÇÃO
Image captionAlmeida acredita que saúde pública deve ser um tema central das eleições

BBC Brasil - Qual sua avaliação sobre essa proliferação de partidos para o sistema político como um todo?
Almeida - É muito ruim para o sistema político a proliferação de partidos. Não existe a quantidade de ideologias ou de propostas políticas diferentes que justifique a quantidade de partidos que há no Brasil. Vários países do mundo são administrados adequadamente somente por dois partidos.
Podemos imaginar que três, quatro, no máximo seis seriam mais do que suficiente para tocar o país, e nós temos hoje na Câmara dos Deputados uma representação de praticamente 30 partidos, outros buscando legalização. No nível local há uma enorme quantidade de partidos e isso torna a negociação política muito custosa, muito difícil, e obviamente se tornou uma anomalia da democracia brasileira.
BBC Brasil - Quais são, na sua avaliação, os pleitos representativos ou significativos e que devem ser olhados com atenção?
Almeida - Se você toma São Paulo na eleição passada, há quatro anos, Fernando Haddad era um ilustre desconhecido e foi eleito prefeito. Dois anos depois, Dilma (Rousseff) foi reeleita presidente com dificuldade, com pouco mais de 3% de vantagem sobre Aécio Neves. E agora o Haddad dificilmente chegará ao segundo turno.
Este pleito, então, antecipa o quê? Ela antecipa o tamanho de bancadas de deputados federais - há correlação, que não é tão forte, mas há. Uma perda de densidade eleitoral do PT hoje, nas eleições municipais, pode significar que daqui a dois anos o PT pode perder bancada de deputado federal na Câmara em Brasília e consequentemente, que outros partidos que não os principais possam avançar na próxima eleição caso não seja tomada nenhuma medida em termos de reforma política que dificulte a representação dos pequenos partidos.
BBC Brasil - No início do ano, o senhor previa que essas eleições municipais seriam da oposição, de mudança de governo. O senhor ainda acredita que esse deve ser o cenário?
Almeida - Nos municípios a tendência é de vitória dos candidatos de oposição. Recentemente saiu uma bateria de pesquisas sobre as eleições nas capitais e em apenas duas delas o prefeito ou a prefeita tinham percentual de avaliação positiva que pudesse levar à reeleição. Todos os demais provavelmente perderão a eleição, não serão reeleitos e dificilmente conseguirão eleger um sucessor do mesmo partido.


BBC Brasil - O senhor acha que esse pleito ganha um peso diferente do que eleições anteriores? É possível pensar em voto mais consciente por conta da carga política dos últimos meses?
Almeida - Acho que o voto será mais desanimado, mais descrente nessas eleições. As pessoas sabem que precisam da política, que vai haver um prefeito, vereadores, mas elas estão desanimadas em função de todos os escândalos. Há uma certa descrença com relação à atividade política, que sempre houve, mas está mais acentuada. Então que será uma eleição marcante nesse aspecto.

Urna eletrônicaImage copyrightELZA FIUZA/AGENCIABRASIL
Image caption'Nos municípios a tendência é de vitória dos candidatos de oposição', diz sociólogo

BBC Brasil - Será difícil mudar essa sensação de desânimo e descrença?
Almeida - Isso leva tempo, eu acho que existe um peso relevante da crise econômica, porque quando você tem uma piora no bem-estar da população como nós tivemos nos últimos dois anos, somado a escândalos de corrupção, o cenário se complica. Tem impacto relevante na credibilidade do sistema.
BBC Brasil - Essas eleições municipais marcam o início de algumas mudanças na lei eleitoral, com destaque para as campanhas mais curtas e o fim das doações de empresas. Essas mudanças alteraram de fato alguma coisa?
Almeida - Desse experimento, há dois destaques: alguns apontam que os candidatos mais conhecidos serão beneficiados, outros estão aguardando. No meio político, há um consenso de que a duração menor da campanha foi positiva porque retirou um peso de gasto de campanha. Agora, a proibição de doação de empresas pode ser revertida porque dificultou o financiamento de uma campanha.
BBC Brasil - Pensando em 2018, que papel tem essa eleição agora no próximo pleito presidencial?
Almeida - É mais limitado porque são lógicas diferentes. Na eleição presidencial, o que se aplica é uma lógica nacional do voto, embora os prefeitos possam ser importantes para esse apoio daqui a dois anos.
BBC Brasil - Ainda pensando na "cabeça do eleitor", é fácil perceber que há uma confusão sobre as responsabilidades e a alçada de cada uma das esferas do governo: municipal, estadual e federal. Pensando nisso - e que essa separação nem sempre é clara para o eleitor - o que exatamente pesa na hora de ele escolher um candidato a prefeito ou vereador?
Almeida - Essa confusão é normal porque o sistema é confuso mesmo. Pense no exemplo da educação, que no nível fundamental é do município, no médio é do estadual e no superior, federal. Apesar da confusão, o eleitor sabe quem cuida do quê. Ele sabe, por exemplo, que desemprego e inflação estão na esfera do governo federal.


O Brasil já teve muitas agendas municipais. Até recentemente, a pauta principal era a pavimentação - as pessoas moravam em ruas não asfaltadas, sem calçamento, mas esse problema vem sendo resolvido nos últimos 20 anos - não está completamente sanado, mas vem melhorando e essa agenda se tornou menos importante. E assumiu um destaque maior uma agenda que já estava presente nos últimos anos, que é a agenda do serviço público de saúde, caótico na maioria dos municípios brasileiros.
Não por acaso muitos prefeitos são médicos. De modo geral, o candidato que conseguir conjugar, durante a campanha, a colocação como candidato de oposição e se posicionar como aqueles que melhor conseguirão lidar com os problemas da saúde pública e encontrar saídas e soluções, se tornarão favoritos. O médico é uma pessoa distante dos mais pobres no Brasil, e com as prefeituras quebradas como estão, as soluções para a saúde ganham um papel fundamental nesta eleição - esse é um problema que as prefeituras ainda não conseguiram lidar de maneira adequada.


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