Setenta anos após os ataques atômicos a Hiroshima e Nagasaki, no Japão, um grupo de 106 sobreviventes está lutando para que o Brasil abandone todas as suas atividades nucleares.
O grupo é formado majoritariamente por japoneses, já idosos, que imigraram para o Brasil após a Segunda Guerra. Eles são chamados de hibakusha, o termo em japonês para os afetados pelas explosões.
Neste domingo o ataque nuclear a Nagasaki, que matou entre 60 mil e 80 mil pessoas em 9 de agosto de 1945, completa 70 anos.
Uma emocionante cerimônia ocorreu neste domingo em Nagasaki, com sobreviventes e autoridades de diversos países. A homenagem foi marcada pela crítica feita especialmente pelos sobreviventes aos planos do premiê japonês, Shinzo Abe, de afrouxar as restrições dos militares no país - algo que, segundo eles, tiraria o caráter pacifista da Constituição japonesa.
"Nós somos contra qualquer tipo de utilização da energia nuclear. O Brasil tem um território enorme e sol o ano inteiro. Por que usar a energia nuclear?", disse Yasuko Saito, de 68 anos, uma das diretoras da Associação Hibakusha Brasil pela Paz.
Atualmente duas usinas nucleares instaladas em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, respondem por 2,87% da energia elétrica produzida no país.
A associação luta hoje contra os esforços do governo brasileiro para aumentar a capacidade nuclear do país com a construção da usina de Angra 3 – prevista para ser entregue em 2019.
Na área militar, cientistas da Marinha trabalham no desenvolvimento de submarinos movidos a energia atômica.
Associação
A Associação Hibakusha Brasil pela Paz foi criada em 1984 por sobreviventes que viviam no Brasil e se uniram para solicitar ao governo japonês assistência médica durante a velhice.
Segundo Saito, esse tipo de ajuda era fornecido apenas para japoneses que viviam no Japão e por isso foi necessário formar o grupo e entrar com processos na Justiça japonesa.
A solicitação foi apenas parcialmente atendida – parte dos sobreviventes passou a receber ajuda de custos ter acesso a atendimento médico. Mas o grupo decidiu então se dedicar a divulgar os horrores da guerra e os efeitos da bomba atômica.
Entre suas ações estão a realização de palestras direcionadas a jovens e até protestos de rua – um deles durante a visita do premiê japonês Shinzo Abe a São Paulo no ano passado.
Desde a criação da associação, 270 sobreviventes participaram da associação. Hoje, 106 estão vivos.
Estima-se hoje que o Brasil tenha uma das maiores comunidades de descendentes de japoneses: 1,5 milhão.
Capacidade nuclear
O Brasil começou a construção de usinas nucleares em 1972. Angra 1 começou a operar em 1982 e Angra 2 entrou em funcionamento em 2001. Juntas elas produzem quase 2 mil MW.
Em um projeto paralelo de 1979, a Marinha iniciou esforços para dominar o ciclo do combustível nuclear e construir um laboratório de geração de energia nucleoelétrica – a base para o desenvolvimento de um submarino movido por um reator nuclear.
A embarcação ainda está em fase de desenvolvimento em uma base naval no Rio de Janeiro.
Na década de 1980 o uso da energia nuclear civil foi alvo de muitas críticas quando uma cápsula com césio foi extraviada de um hospital abandonado, contaminando vítimas e causando mortes em Goiânia.
Autoridades do governo estimam que quando a usina Angra 3 estiver pronta, cerca de 60% da energia consumida no Rio de Janeiro possa ser de origem nuclear.
O Plano Nacional de Energia – 2030 prevê a instalação de novas usinas no nordeste e sudeste.
O governo diz apostar em uma matriz energética múltipla e por isso investe em outros tipos de geração além das usinas hidrelétricas, hoje responsáveis por mais de 78% da produção elétrica do país.
As usinas nucleares seriam uma opção porque o país produz urânio, domina o ciclo de produção nuclear e porque esse tipo de energia seria uma opção em cenários de escassez hídrica.
Riscos
A Associação Hibakusha Brasil pela Paz disse porém que a utilização desse tipo de energia não é barata nem segura.
Segundo Yasuko Saito, o Brasil não tem terremotos ou maremotos – como o que causou o acidente nuclear de Fukushima, no Japão, em 2011 – mas um eventual erro humano nas usinas brasileiras poderiam condenar boa parte da população de Angra dos Reis.
"A energia nuclear não tem cheiro nem cor. Em quem podemos confiar?", disse.
Ela afirmou que o Japão sofre até hoje para limpar a região de Fukushima após o acidente – o que mostraria quanto uma falha pode ser custosa.
Outra bandeira de luta da associação é o destino dado a resíduos da extração de urânio, que são guardados hoje em uma instalação em Santo Amaro, um populoso bairro da zona sul de São Paulo.
Mas apesar das dificuldades, os 106 membros da associação já se sentem vitoriosos.
"Eu nasci no Japão dois anos depois das bombas. Um dia perguntei ao meu pai, Takashi Morita: "Como o senhor teve coragem de ter uma filha quando diziam que ninguém atingido pela bomba sobreviveria mais de dois anos?", afirmou Yasuko Saito.
"Ele respondeu que conheceu a minha mãe, que também era uma sobrevivente, logo depois do ataque. Ele viu que as plantas e o capim estavam nascendo e crescendo em Hiroshima e achou que não teria problema (ter filhos)".
Takashi, presidente da associação, voltou ao Japão para acompanhar as celebrações e está neste domingo em Nagasaki. Uma missa é rezada na manhã de hoje no bairro da Liberdade, em São Paulo.
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