Acredito que devemos começar a nos preocupar mais intensamente com o futuro da nossa trôpega democracia. Uma série de indícios apontam para uma rápida deterioração do princípio da tolerância, base na qual se assenta o diálogo. Somente por meio do diálogo se alcança o consenso que nos faz caminhar para a frente. Sem tolerância não há diálogo; sem diálogo não há consenso; sem consenso não há democracia. Infelizmente, o que temos visto nos últimos tempos são manifestações do que há de pior na cultura brasileira: a xenofobia, o racismo, a homofobia, o machismo – o ódio, enfim.
No sábado, dia 1º, um carro cinza parou em frente a uma igreja que auxilia imigrantes estrangeiros, no centro de São Paulo, e um dos ocupantes, após gritar “Haitianos, vocês roubam nossos empregos”, atirou, atingindo seis deles. As vítimas buscaram socorro em um posto de atendimento médico na Sé, onde foram obrigados a aguardar durante quatro horas, sem atendimento, até serem levadas para a Santa Casa de Misericórdia. Lá, receberam antibióticos, mas ainda não tiveram os fragmentos de chumbo extraídos. Recorreram, então, a um terceiro hospital, no Tatuapé, onde conseguiram afinal internação.
No dia 30 de julho, o Instituto Lula, onde está localizado o escritório político do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sofreu um atentado com uma bomba de fabricação caseira. Por sorte, o artefato era pequeno e causou poucos estragos. Como escreveu o colunista daFolha de S. Paulo, Ricardo Melo, em qualquer país mais ou menos sério esse ataque, “num ambiente envenenado como o atual”, seria classificado como ato terrorista.Uma semana depois, a atriz transexual Viviany Beloboni foi agredida por fanáticos religiosos, que a deixaram com os olhos e o nariz inchados e o rosto cortado. Segundo seu depoimento, os homens diziam que ela não era de Deus e que teria que pagar por isso. Viviany desfilou crucificada na parada gay de São Paulo, em junho. Depois disso, relatou que vem sofrendo ameaças de morte por redes sociais e ligações telefônicas. Diagnosticada com síndrome de pânico, não sai mais de casa.
Frei Betto, um dos mais respeitados intelectuais brasileiros, foi hostilizado quando lançava livros no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. O escritor, que mantém uma coerência política raramente encontradiça entre nossos homens públicos, é amigo pessoal do ex-presidente Lula e da presidente Dilma Rousseff, embora não deixe de ser também um dos mais lúcidos e contundentes críticos do PT. É dele o melhor diagnóstico da mudança de rumo do partido, quando afirma que o PT trocou um projeto de governo por um projeto de poder.
Inconformados com a derrota em um pleito legal e legítimo, os tucanos exigem agora a realização de um terceiro turno. O que eles estão pregando chama-se golpe
Na semana passada, chamei de leviana a atitude do PSDB de convocar manifestações para pedir oimpeachment de Dilma – não havia e não há qualquer fundamento jurídico para a ação. Mas os tucanos resolveram abandonar essa reivindicação e abraçar outra, mais radical, mais inconsequente e mais perigosa: a da destituição da chapa Dilma-Temer e a convocação de novas eleições. Inconformados com a derrota em um pleito legal e legítimo, exigem agora a realização de um terceiro turno. O que os tucanos estão pregando chama-se golpe.
Aliás, a administração de Dilma Rousseff vem sendo solapada de todas as maneiras. Preocupado, o tucano José Serra alertou que o Congresso está promovendo “loucuras fiscais”. Os senadores e deputados, liderados por Renan Calheiros e Eduardo Cunha, ambos envolvidos com denúncias de corrupção na Operação Lava Jato, pretendendo atrapalhar o Governo estão na verdade inviabilizando o país. O PMDB age com o oportunismo que sempre o caracterizou: usufrui dos benefícios de ser situação e oposição ao mesmo tempo. Difícil é compreender a posição do PT. Na votação da Proposta de Emenda Constitucional que vincula o salário das carreiras jurídicas ao dos ministros do Supremo Tribunal Federal, 59 dos 63 deputados petistas, desobedecendo orientação do Palácio do Planalto, votaram contra o Governo – incluindo o líder do partido na Câmara, Sibá Machado.
Xenofia e racismo contra os haitianos, homofobia contra a transexual Viviany Beloboni, violência contra militantes ou simpatizantes partidários (sejam de que coloração forem) são demonstrações claras de intolerância e incitação ao ódio. E uma pergunta vem à tona: não haverá na antipatia generalizada contra a presidente Dilma Rousseff uma evidente demonstração de machismo? Será que o Congresso, o PT, o ex-presidente Lula, enfim, tudo e todos que a vêm pressionando teriam o mesmo comportamento caso quem estivesse exercendo o poder fosse um homem?
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