O Brasil elegeu quatro presidentes após sua redemocratização, em 1985. Apesar das diferenças entre Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso (FHC), Lula e Dilma Rousseff, todos esses Governos têm um personagem de destaque em comum. Atual presidente do Senado e mais novo fiador da estabilidade do Governo Dilma Rousseff, Renan Calheiros frequenta o Palácio do Planalto desde 1990, e, apesar de ter enfrentado vários percalços pelo caminho, sempre dá um jeito de se reinventar para permanecer exatamente no mesmo lugar.
Depois de se apresentar como contraponto para o incendiáriopresidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), o Senado comandado por Calheiros conseguiu retirar do colega de parlamento a prerrogativa de julgar as contas de 2014 do Governo Dilma, protegendo a presidenta de um dos flancos abertos para um possível pedido de impeachment. Dias depois de conseguir essa vitória no STF, o presidente do Senado se reuniu, nesta segunda-feira, por 15 minutos com o responsável pelo seu pedido de investigação no STF, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Segundo Janot, o encontro foi "institucional" e ocorreu apenas para que ambos tratassem de sua recondução ao cargo — já formalizada pela presidenta Dilma Rousseff. A reunião serviu para aumentar as suspeitas sobre as razões pelas quais Calheiros resolveu se unir ao Palácio do Planalto após meses de tensão e atrito. Para os críticos do Governo, o senador fechou acordo com o Planalto, costurado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, na esperança de se livrar do indiciamento pela Lava Jato. Para elevar ainda mais a desconfiança de que o acordo envolve mais elementos do que a governabilidade do país, Rousseff indicou hoje para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) o desembargador Marcelo Navarro, aliado de Calheiros que era apenas o segundo colocado de uma lista tríplice elaborada por ministros da Corte. O senador foi rápido em negar que tenha tido influência na escolha.Líder do partido do Governo Collor (1990-1992) na Câmara, ministro de Justiça de FHC (1994-2002) e presidente do Senado nos Governos Lula (2003-2010) e Dilma (2011-), Calheiros se tornou o ponto de estabilidade de Rousseff após meses de turbulência política em Brasília depois de apresentar o plano Agenda Brasil, com 28 propostas para enfrentar a crise. Acossado até então por estar entre os investigados pela Operação Lava Jato no Supremo tribunal Federal (STF), o presidente do Senado lançou sinais contraditórios sobre sua lealdade ao Governo por meses, mas agora, com seu gesto de conciliação, não apenas garantiu um refresco para o Palácio do Planalto, como pode ter encaminhado sua permanência na cúpula decisória de Brasília.
Eleito deputado estadual em Alagoas em 1979, o atual presidente do Senado não ficou mais de dois anos sem um cargo público desde então — enquanto esteve sem um posto eletivo, entre 1991 e 1994, ocupou a vice-presidência da Petrobras Química, uma subsidiária da estatal. Em 2007, o peemedebista enfrentou seu maior desafio e foi forçado a renunciar à presidência do Senado após a denúncia de que a pensão alimentícia de seu filho com a jornalista Mônica Veloso era paga por um lobista da empreiteira Mendes Júnior. À época, o senador chegou a ser absolvido em plenário pelo colegas em um processo por quebra de decoro parlamentar, mas não suportou a pressão popular e, apesar de manter o cargo, deixou o comando do Senado.
Com a queda do comando do Senado, foi decretado o fim político de Calheiros. Seis anos depois, contudo, em 2013, o senador conseguiria, para a surpresa do país, retornar ao mesmo cargo ao qual havia renunciado por suspeita de corrupção. Mesmo sob protestos de parte da população, o peemedebista voltou a presidir a Casa e garantiu a tranquilidade necessária para Rousseff, que já enfrentava resistência na Câmara, no Congresso. Neste início tumultuado de segundo mandato, conseguiu ainda mais: se tornou indispensável para o Palácio do Planalto.
Incômodo na Câmara
O protagonismo alcançado no Governo atraiu também a atenção das ruas para Calheiros. Pesquisa Datafolha feita durante os protestos deste domingo na avenida Paulista indica que 79% dos 135 mil manifestantes (nos números do próprio instituto) que criticavam o Governo consideram o trabalho do presidente do Senado ruim ou péssimo; e apenas 2% o aprovam como ótimo ou bom. Segundo a mesma pesquisa, Eduardo Cunha, que, ao contrário do colega de partido, já foi mencionado por um delator como beneficiário de cinco milhões de dólares do esquema investigado pela Lava Jato, mas segue símbolo de oposição ao Governo, é considerado ruim ou péssimo por apenas 43%.
O acordo de Calheiros com o Governo Rousseff também causa incômodo dentro do próprio Congresso Nacional — e mesmo em seu próprio partido. Quatro parlamentares ouvidos pelo EL PAÍS nesta segunda-feira afirmaram que a legenda não gostou de ser excluída da confecção da Agenda Brasil. Eles dizem que se a ideia era levantar um unificado PMDB como salvador da pátria, ela falhou. “O PMDB não é um só. Ele sempre foi vários. Mas isso só reforça o sentimento da Câmara de que querem nos tratar como segundo escalão”, disse um dos parlamentares.
“A cisão entre o PMDB da Câmara e o PMDB do Senado só tende a aumentar daqui pra frente. Nós [deputados] não temos representação no Governo Dilma. Eles têm. Se o objetivo era unir a base, acho que não deu certo essa tentativa do Renan”, disse outro parlamentar. Nenhum dos deputados que conversaram com a reportagem quis ter seu nome divulgado, pois temem sofrer alguma represália do partido, que atualmente está com um pé na canoa governista e outro na oposicionista. “Nessas horas, quanto menos aparecermos melhor. Não é covardia, mas estratégia”, explicou um dos deputados. E de estratégia, como mostra a história recente, Renan Calheiros entende.
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