Fábio Ostermann tem 30 anos. É loiro, branco e, formado no Rio Grande do Sul, dá aulas de Direito em São Paulo. Fernando Holidaytem 18 anos e acabou de passar no vestibular da PUC São Paulo. É negro, franzino e morador da periferia da cidade. Trancou a matrícula na faculdade recentemente porque, dentre outros motivos, "sofreu críticas do movimento negro por ser contra as cotas raciais", que ambos rejeitam.
A dupla de perfil distinto é espécie de vitrine para que o ultraliberalMovimento Brasil Livre, criado no ano passado, tente se mostrar como um movimento capaz de atrair um público diversos para levantar bandeiras como a extinção dos bancos públicos, o fim do atendimento público na saúde no país (aliado ao fim das regulações e tetos de preços para os planos de saúde), as privatização e críticas aos programas sociais como o Bolsa Família.
No momento, porém, não são as teses liberais que estão no foco. O MBL está obcecado por uma meta concreta: tirar o PT do poder, por ser um partido de esquerda com "alianças espúrias" como movimentos sociais com o MST. Para tal, é preciso derrubar Dilma. Enquanto tentam atrair sócios no sistema político para a empreitada, eles seguem tentando marcar o passo da crise, com a convocatória dos atos como o deste domingo. Nesta conversa com o EL PAÍS, Ostermann e Holiday contaram que o MBL vai ter candidatos nas próximas eleições e não descartaram fundar um partido.
P. Podemos dizer que vocês estão em uma espécie de aliança tática com Eduardo Cunha, que é um político investigado por corrupção na Lava Jato, esquema que vocês dizem condenar. Vocês não fizeram nenhuma menção às acusações a Cunha desde que ele foi denunciado. Não é contraditório?
Se vierem a ser comprovadas as denúncias contra Eduardo Cunha, não vamos pestanejar em criticá-lo e possivelmente incluí-lo na nossa pauta de reivindicações
R. A prioridade hoje é retirar do poder a presidente Dilma Rousseff, principalmente porque ela já demonstrou não ter condições políticas, jurídicas e especialmente morais [para permanecer no poder]. Acreditamos que a saída de Dilma possa servir como um sopro de esperança para o futuro político do Brasil. A questão com o Cunha é que o processo de requerimento do impeachment dela tem que ser feito pelo presidente da Câmara. Se vierem a ser comprovadas as denúncias contra ele, não vamos pestanejar em criticá-lo e possivelmente incluí-lo na nossa pauta de reivindicações. Se viermos a ter Michel Temer na presidência, lidaremos com isso. Eduardo Cunha é o presidente da Câmara, ele nem é o chefe do Legislativo. O chefe do poder legislativo é o mais novo cão de guarda de Dilma Rousseff, Renan Calheiros.
P. Podemos esperar cartazes contra Renan neste domingo?
R. Podem esperar. Tomamos a iniciativa assim que ficamos sabendo das tratativas que ele estava tendo com Dilma para fornecer a ela uma certa blindagem. E aí percebemos que ele queria morrer abraçado com ela. E se ele queria morrer abraçado com ela, nós vamos ajudar e dar um empurrãozinho.
P. Um processo de impeachment tem custos políticos e econômicos, é um desgaste grande e a crise econômica irá piorar, segundo afirmam os economistas. Por que é tão crucial a saída da presidenta
R. A gente acha que o que realmente vai piorar é que esse governo se mantenha em frangalhos por mais 40 meses. A gente acha que isso causa uma série de incertezas. Tem gente que fala até que esse acordo realizado agora com Renan significa uma espécie de renúncia da presidente Dilma ao seu próprio governo. A existência de uma presidente de direito, mas que não exerce sua função de fato, é ruim, porque gera uma incerteza inclusive sobre a responsabilização por eventuais maus caminhos que o governo venha tomar. Se ela não renunciar, temos que levar a cabo a nossa bandeira do impeachment.
P. Nos últimos dias, empresários, analistas e atores políticos saíram na arena para jogar água na fervura da crise. De certa forma a aposta do establishment neste momento não é pelo impeachment. Vocês não se veem isolados nessa posição radical?
R. Não. Tanto é que a maioria da população defende o impeachment. Se o establishment não defende, talvez aconteça um descompasso entre o establishment e o sentimento popular. E acho que isso é uma falha democrática, que só pode ser corrigida por meio do livre trabalho da imprensa.
P. Qual é o plano de vocês a médio prazo? Se a Dilma cair pelo impeachment, entraria o Temer. E aí?
Eu acredito muito numa frase do Roberto Campos que dizia que a gente precisa ter perspectiva histórica, senão a gente acaba se tornando refém da perspectiva histérica
R. No dia seguinte, iniciaremos nosso trabalho de pressão popular.
P. Para cair o Temer?
R. Não necessariamente.
P. Temer é moralmente melhor que a Dilma?
R. Sim. Temer é menos ruim que Dilma.
P. Dilma foi eleita pelo PT, que está cheio de acusações de corrupção. Temer, é do PMDB, que tem mais deputados sendo investigados pela Lava Jato. E terceiro ponto: Dilma acaba de reconduzir o procurador-geral Rodrigo Janot, o inimigo número 1 que Cunha está tentando derrubar. Você acha que moralmente Temer é melhor que o PT?
R. Tem uma diferença fundamental entre o PT e o PMDB. O PMDB é um partido fisiológico, com vários casos de corrupção, que a gente deplora obviamente. Mas o PMDB não é um partido como o PT, que se utiliza da corrupção para subverter as instituições democráticas expandir seu projeto de poder.
P. Vocês comparam a crise atual com a queda de Collor, quando o Brasil sofria profunda crise econômica, hiperinflação, confisco de poupança. Não é exagero comparar aquela época com a atual?
R. A Dilma pegou uma casa já arrumada e tratou de desarrumá-la, então ela tem um demérito muito grande, guardadas as devidas proporções. Eu acredito muito numa frase do Roberto Campos [economista, diplomata e político liberal, foi ministro do governo Castello Branco, durante a ditadura] que dizia que a gente precisa ter perspectiva histórica, senão a gente acaba se tornando refém da perspectiva histérica.
P. Uma das coisas que a gente mais tem ouvido aqui é um dos fatores da paralisia do Brasil é a histeria, discursos inflamados de parte a parte. Você não acha que hoje estamos sob uma perspectiva histérica?
R. Eu não acredito que o Movimento Brasil Livre seja um movimento histérico. Possivelmente temos em algumas das manifestações uma abordagem mais efusiva ou com um pouco mais de sentimento, mas de forma alguma se caracteriza como histérico. Acho que a gente vive um momento de polarização, causado por tudo o que o governo tem feito nos últimos 12 anos e meio. Lula é um dos maiores artífices dessa polarização que se criou, justamente por essa questão de tratar todos aqueles que fazem oposição como inimigos do Brasil, algo que ele certamente pegou emprestado do período da ditadura, que é um período que nós deploramos. Da nossa parte, fazemos uma oposição pacífica, responsável e pautada por princípios e valores. Se existem pessoas que têm um discurso mais exaltado, fazendo oposições mais extremas...
P. Como nos vídeo que vocês divulgam, por exemplo. Na Internet vocês criticam programas sociais recebidos por milhares de pessoas, falaram que a justiça social "é gozar com o pau dos outros". Isso não ajuda a jogar lenha na fogueira? Vocês acham que estão isentos dessa responsabilidade de participar de uma perspectiva histérica?
R. Responsabilidade é uma coisa que as pessoas atribuem a quem elas quiserem. Eu não considero que nós somos responsáveis por uma exacerbação negativa dos ânimos ou uma histeria generalizada. Somos responsáveis e temos muito orgulho por engajar a oposição a esse Governo, a se manterem vigilantes a maus feitos públicos em relação a qualquer governo, inclusive no âmbito municipal e estadual.
P. Qual o prazo de vocês para Dilma cair?
Para o ano que vem, especificamente, pretendemos apoiar candidatos que saiam dentre as nossas lideranças que vão vir a optar por partidos políticos
R. Acreditamos que provavelmente até o recesso do final do ano Dilma já vai estar sob suspensão, o que é praticamente uma queda já. O ideal seria que no dia 16, ela sensibilizada pelas manifestações e diversas demonstrações de desapreço do povo brasileiro, ela simplesmente tivesse a dignidade de renunciar no dia 16 e permitisse que o Brasil se recuperasse e se organizasse um governo de transição. Mas a gente sabe que essa possibilidade é um tanto quanto improvável.
P. Se forem convocadas novas eleições, quem vocês vão apoiar?
R. Não temos posição formada em relação a isso.
P. Quais os planos políticos de vocês? Pretendem participar das eleições municipais?
R. Para o ano que vem, especificamente, pretendemos apoiar candidatos que saiam dentre as nossas lideranças que vão vir a optar por partidos políticos, mas em nenhum momento nós pretendemos fazer um apoio institucional a esses partidos. Não somos um movimento antipartidários, somos suprapartidários. Podemos apoiar candidatos, claro que não os de esquerda, mas que defendam as nossas ideias. Apoiamos pessoas comprometidas com as nossas ideias, não apoiamos partidos porque nenhum partido hoje apoia as nossas ideias.
P. Estamos falando de quais eleições?
R. 2016 e 2018.
P.É possível que o MBL se torne um partido futuramente?
R. Não descartamos essa possibilidade, dado o fato de que hoje não encontrarmos eco das nossas reivindicações e posições em nenhum partido. Até porque, não existe um partido liberal hoje no Brasil.
Com a colaboração de Carla Jiménez e Flávia Marreiro.
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