O Governo de Dilma Rousseff vive hoje uma administração de crises, e a tendência é que esse processo piore antes de melhorar. Diante de tantos embates, a política terá um papel cada vez mais relevante que a economia para determinar a trajetória do “longo e doloroso ajuste” de contas do Governo, essencial para a retomada do crescimento do Brasil. A avaliação é do diretor da consultoria global de risco político Eurasia, João Augusto de Castro Neves.
Em entrevista ao EL PAÍS, Neves afirmou que apesar do rebaixamento da nota de classificação de risco pela agência Moody’s ter sido um movimento esperado, a decisão deve pressionar ainda mais o Governo e o Congresso a encontrarem um caminho comum para aprovar as medidas do ajuste fiscal.
Para ele, a eventual perda do selo de bom pagador do Brasil, o chamado grau de investimento, assim como a aprovação de projetos que aumentem os gastos públicos podem se tornar uma bomba-relógio para o próximo Governo que suceder a presidenta Dilma, seja via impeachment - cuja chance é de 30%, segundo a Eurasia - ou seja em 2018.
Pergunta. O que significa o rebaixamento da nota do Brasil pelaMoody’s? Complica ainda mais o cenário político-econômico do país?
P. Diante desse cenário, o Brasil vai perder o grau de investimento?Resposta. A decisão já era esperada. Não surpreenderá se a Fitch acompanhar em breve. Acho que uma parte relevante já estava precificada pelo mercado, ainda que a confirmação sempre desencadeie mais volatilidade momentânea. A decisão pressionará mais o Governo e o Congresso a encontrarem um caminho para aprovar medidas de ajustes e reformas. O anúncio de segunda-feira de Renan Calheiros é um exemplo do tipo de coisa que vamos a ver mais. No entanto, os riscos, nesse segundo semestre, continuarão elevados. A grosso modo, a política será mais importante que a economia para determinar a trajetória da política fiscal no curto prazo.
R. Ainda não é dado como certo, mas estamos mais perto dessa perda. Estamos em um equilíbrio muito frágil da situação tanto econômica como política. A dinâmica econômica está muito ruim e não deve sofrer grandes alterações nos próximos meses, pois tem um curso próprio. Então não vai haver tantas novidades, o que faz que a dinâmica política tenha, a curto prazo, um valor mais importante. Se a lógica da moderação do Congresso se materializar, acredito que o Governo consegue tempo e evitar uma perda desse grau de investimento neste ano, empurrando com a barriga até que a situação comece a melhorar lentamente.
P. Mas mesmo sem essa perda, os investidores já estão sentindo uma mudança?
O nosso cenário é um longo e doloroso ajuste. Por mais que acreditemos que a presidenta sobreviva à crise, sabemos que o restante do mandato dela não será brilhante.
R. Sim, com certeza muitos investidores já sentem. Parte dessa perda já está precificada, mas é uma questão simbólica também a perda de investimento. É importante ressaltar que há muitos fundos que fechariam a porta de acesso ao Brasil, já que consideram a necessidade do país ter o grau de investimento de duas agências de risco. É uma linha vermelha que o Governo está disposto a cruzar, está bem perto e vai continuar perto por um bom tempo. Qualquer novidade mais negativa vinda da política, se houver, por exemplo, uma pauta-bomba aprovada no Congresso fora do controle, aí aceleraria o fim do selo de bom pagador.
P. Qual a percepção estrangeira da crise político-econômica brasileira?
R. A preocupação estrangeira é grande já que o país é um mercado importante. O próprio ritmo da deterioração, tanto política como econômica, foi uma surpresa e já há uma percepção que essas duas dinâmicas devem se misturar e se atrapalhar nos próximos meses. Essa preocupação aumenta a cautela e dificulta a recuperação do Governo, já que os investimentos, neste contexto, ficam em compasso de espera. Por outro lado, o Brasil continua sendo pelo seu tamanho e escala, pela quantidade de matérias-primas, um país relevante. Por mais que haja uma crise, há instituições robustas no país que reduzem a chance de radicalismo. E esses fatores são considerados por investidores que estão pensando mais a longo prazo. Ainda que muitos deles possam perder dinheiro a curto prazo - nos próximos seis meses ou até mesmo um ano - , olhando mais para frente, quando a percepção da crise tenha passado, acho que os investidores terão uma nova motivação para voltar ao Brasil. O país está mais barato com o câmbio desvalorizado, várias empresas estão tendo que vender ativos, como a Petrobras e as construtoras. Enfim, isso pode fazer com que o Brasil volte a ser visto como uma oportunidade interessante para os estrangeiros. No entanto, é um processo econômico ainda vai piorar antes de começar a melhorar lentamente.
P. E qual a previsão dessa retomada?
R. O nosso cenário é um longo e doloroso ajuste. Por mais que acreditemos que a presidenta sobreviva à crise, sabemos que o restante do mandato dela não será brilhante. Vai ser um ajuste que continuará acontecendo, mas aquém do prometido pela situação político-econômica ainda difícil. Dilma não vai conseguir recuperar sua popularidade a níveis mais tranquilos. Ainda vamos ter dados ruins no mercado de trabalho e a inflação ainda seguirá a níveis elevados. O Governo vive hoje, basicamente, uma administração de crises. Não há muita margem para grandes reformas, não há possibilidades para uma recuperação rápida, tanto da popularidade como do crescimento econômico. A esperança do Governo é que, no melhor cenário, em 2018, comece a haver um crescimento mais robusto que gere alguma chance de argumento para o PT nas próximas eleições. Porém, vai ser difícil, mesmo passada a crise, conseguir apagar do inconsciente do eleitorado o impacto desse momento crítico.
Enquanto não houver uma prova mais contundente contra ela, se reduz o incentivo dos partidos empurrarem o impeachment.
P. Quais são as possíveis estratégias de reação da presidenta?
R. Você tem algumas medidas, aquelas receitas extraordinários que o Governo pode tentar recorrer, como vender ativos, listar algumas empresas do sistema Petrobras, privatizar outras. É uma maneira de comprar tempo e mitigar os danos das pautas-bomba no Congresso. A outra solução é uma reforma ministerial, em que se faria uma redução do ministérios, que do ponto de vista fiscal é quase irrelevante, mas que seria uma sinalização política importante, com um valor mais simbólico. E a outra parte da reforma consistiria em reequilibrar o balanço de poderes entre a coalizão de uma forma mais eficiente que a atual. E, por fim, o Governo deve tentar explorar esse medo crescente das elites econômicas. Já temos a Fiesp e a Firjan, por exemplo, começando a se preocupar com a situação econômica e dizendo que, pelo bem do país, o Congresso não pode sair aprovando essas pautas-bombas. Até parte da oposição, principalmente no Senado, também está começando a ter uma postura semelhante. Sabem muito bem que uma pauta dessas agora, muitas vezes, é uma bomba relógio que vai explodir no próximo Governo, seja ele assumindo via impeachment, seja via eleição normal. Muitas dessas pautas, como a do fim do fator previdenciário, terão um impacto muito mais significativo daqui a alguns anos. Estão começando a pensar duas vezes sobre o custo político-econômico do quanto pior melhor. O Governo deve explorar um pouco isso e deve tentar abrir um espaço para algum tipo de negociação para evitar danos maiores. São iniciativas para tentar manter o percurso de ajuste, mas, mesmo assim, será um caminho extremamente difícil e tudo dependerá dos desdobramentos futuros da Lava Jato.
P. Como você avalia a força das manifestações e dos panelaços nesse momento de crise?
Sem dúvida nenhuma, como presidente do Congresso, Eduardo Cunha tem força para atrapalhar enormemente, mas o poder dele atingiu um certo ápice.
R. As manifestações deste domingo têm tudo para serem fortes e com um número grande de adesão, no país todo. Temos muito ingredientes, fornecidos nas últimas semanas e meses, para justificar essa insatisfação: a piora na economia, o aumento do desemprego e a relativa ineficiência do Governo em lidar com decisões que são óbvias. No entanto, o mais preocupante é a possibilidade desse ato de domingo desencadear manifestações mais frequentes em sequência e, também, motivar protestos e greves de grupos de interesse específico. Por exemplo, se os Correios entram em greve, a Receita Federal, rodoviários, isso tudo seria complicado. E dado a economia atual, esse risco aumenta.
P. Qual o posicionamento da Eurasia sobre o impeachment?
R. Já faz mais de um mês que nosso posicionamento sobre a chance da Dilma não terminar o mandato é de 30%. No início do ano, já tínhamos colocado 20% de chances incorporando um pouco a dificuldade que ela enfrentaria do ponto de visto político e econômico, a piora da situação econômica, os desdobramentos da Lava Jato. Há mais de um mês ampliamos para 30% pois o cenário se agravou. Hoje, ainda achamos que ela sobrevive à crise política, mesmo considerando que nos próximos meses há espaço para uma piora. Ainda não achamos que há todos os fatores necessários para que o pedido de impeachment aconteça.
P. E quais seriam esses fatores?
R. Você tem uma combinação, alguns existem outros não. Um é a popularidade dela muito baixa. O segundo é um isolamento político dela em relação aos movimentos sociais. Embora tenha havido um desgaste da relação, ainda não houve um isolamento. Se houver esse isolamento, a situação piora muito para a presidenta, aí sim ela ficaria muito mais parecida com o Collor em 1992. O terceiro é que haja um alinhamento de interesses e incentivos do PMDB e do PSDB no Congresso em relação à saída dela. Afinal, dificilmente você terá um processo de impeachment se movendo enquanto as lideranças desses dois partidos não concordem. Dentro dos dois partidos temos visões diferentes e entre eles também. Acho que parte dessas visões diferentes se devem ao medo do que um cenário pós-impeachment representaria. Você pode ter um impeachment que beneficie muito mais o PMDB que o PSDB, no caso do Temer assumir. Mas poderiam ter cenários que beneficiem o PSDB caso fosse proposto uma eleição direta. O último fator é a prova concreta. Embora reconhecemos que o impeachment é um processo político também, você consegue interpretar as provas existentes, há um certo grau de subjetividade nisso tudo. Enquanto não houver uma prova mais contundente contra ela, se reduz o incentivo dos partidos empurrarem o impeachment. Se for só com uma interpretação política mais subjetiva isso pode ameaçar a legitimidade do próximo Governo, já que teria um cheiro de golpe. Quanto mais fraca ela está, mais fácil é tirá-la mas não achamos que esses quatro fatores existam. Para um impeachment seria necessário a intensificação dessas variáveis e a coexistência delas por um tempo.
P. E quais possíveis provas investigadas são mais fortes?
R. Se fosse apenas pelo fato da popularidade abriria um precedente perigoso. Mas já há alguns indícios que dariam margem para um pedido como a violação da lei de responsabilidade fiscal do ano passado, o julgamento do TCU do TSE, embora alguns juristas tenham opiniões divergentes se a violação da lei de responsabilidade fiscal por sí só seria prova suficiente para tirar um presidente do poder. Você tem alguns caminhos possíveis, a questão da improbidade administrativa, a culpa de quando ela era a presidente do conselho da Petrobras, mas até o momento nenhuma dessas vias dão essa prova contundente. Agora se realmente encontrarem provas da ilegalidade de pagamento da campanha já mudaria o cenário. Por enquanto não há essas provas. Por mais que a doação de algumas empresas tenham sido motivada por negócios escusos, é difícil você argumentar que o PT tivesse obrigação de saber.
P. E a força da oposição do presidente da Câmara, Eduardo Cunha?
R. Sem dúvida nenhuma, como presidente do Congresso, o Eduardo Cunha tem força para atrapalhar enormemente, fazer muito barulho, mas a nossa visão é que o poder dele atingiu um certo ápice. Já está começando a cair. Óbvio que quanto mais envolvido ele estiver, se estiver na lista do procurador, vai ter mais incentivo para retaliações com a questão fiscal e o processo de impeachment. Como presidente da Câmara ele tem poder de fazer um dano. Só que por outro lado, o tempo corre contra ele. Ele vai gradualmente perdendo esse poder. Mas é muito difícil imaginar um processo de impeachment conduzido por um presidente da Câmera que está indiciado. Até mesmo a influência dele sobre a sua bancada, a bancada Cunha, vai se reduzindo, menos e menos deputados vão querer defendê-lo. Caso ele seja indiciado, tornaria mais longo um processo de impeachment contra a presidenta Dilma.
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