A oposição a Dilma Rousseff (PT) abraçou de vez o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), tudo em nome da meta de provocar uma tormenta no Planalto e abrir caminho para um possível pedido de impeachment. Rompido oficialmente com Rousseff após ser implicado por um delator na Lava Jato, Cunha precisou de menos de 24 horas no primeiro dia da volta dos trabalhos no Legislativo para selar um acordo com DEM e PSDB sobre o pedido de impugnação e, de quebra, retirar o PT do comando de quatro incômodas novas CPIs.
A manobra para o impeachment entre Cunha e os opositores começou a ser costurada na noite de segunda-feira, conforme deputados da base e da própria oposição. Foi quando o peemedebista reuniu em sua residência oficial, em Brasília, lideranças do DEM, do PSDB e do Solidariedade, os principais partidos de direita contrários à Rousseff, e de membros do segundo escalão do PR e do PSD, duas legendas que compõem o governo petista inclusive com ministérios. Lá ficou combinado a jogada ensaiada: Cunha vai rejeitar um pedido de impeachment, a ser apresentado pelos opositores, no futuro, com base na possível rejeição das contas de 2014 do Governo Rousseff pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A oposição, então, entraria com um recurso, que seria aceito por ele após uma breve análise da procuradoria jurídica da Câmara. Seria oficializado, assim, o pedido de destituição presidencial que teria de ser votado pelo plenário da Casa. Cunha, na avaliação dos que fecharam o acordo, pareceria menos golpista ou açodado para assumir o poder, já que é o segundo na linha de sucessão presidencial atrás apenas do vice-presidente, Michel Temer.
Parte da estratégia para viabilizar o pedido de impeachment já começou a ser posta em prática. O primeiro passo foi preparar o terreno para que a Câmara possa avaliar o parecer do TCU sobre Dilma. O problema é que julgar as conta do Executivo não acontece desde os anos 90. Para julgar as da petista, os deputados terão de resolver o acumulado e, por isso, Cunha capitaneou no plenário nesta terça a aprovação o regime de urgência para análise das contas de quatro ex-presidentes, de Itamar Franco (PMDB) a Lula (PT). Agora, a análise do passivo pode acontecer a qualquer momento.
A primeira sessão do plenário também serviu para Cunha fazer avançar a chamada pauta-bomba, que impõe aumento de despesas para o Governo que tenta ajustar as contas públicas. Deve ser votado nesta quarta-feira, proposta de emenda constitucional que vincula salários de advogados públicos e delegados de polícia à remuneração dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o mais alto do funcionalismo. “A aprovação dessa PEC no texto que aí está é um sinal horrível para os mercados e para a manutenção do grau de investimento do País e vai sinalizar definitivamente que o governo não tem base. Então, o governo tem de se reconstruir”, tripudiou Cunha, citado pela Agência Câmara.
Quatro CPIs
Não chega a surpreender as estratégias de Cunha para irritar o Planalto, mas elas ganharam maior voltagem desde meados de julho, quando o presidente da Câmara se declarou um opositor aberto ao Governo. O pano de fundo foi a operação Lava Jato. Seu rompimento ocorreu depois que um delator do esquema de corrupção na Petrobras denunciou ter pago 5 milhões de reais a ele como propina para manter negócios com a empresa pública, e sua estratégia agora é tentar ampliar os ataques para de defender de uma possível denúncia do Ministério Público Federal no caso.
A tentativa de fazer o Governo Rousseff sangrar não parou nas articulações para o pedido de destituição e avanço na pauta-bomba. Nessa mesma reunião de segunda-feira à noite, Cunha e seus neoaliados decidiram que os comandos de quatro CPIs que serão instaladas nos próximos dias não teriam nenhum representante do PT. Excluir o partido que tem a segunda maior bancada de deputados é uma exceção às regras do Legislativo. Normalmente, indicam os presidentes e relatores das CPIs as legendas que têm o maior número de representantes na Casa. Conforme o deputado Mendonça Filho, líder do DEM e aliado de Cunha, as próximas quatro CPIs a serem criadas teriam a seguinte estrutura de comando. A do BNDES, seria presidida por um deputado do PMDB e relatada por um representante do PR. A dos fundos de pensão, comandada pelo DEM e relatada pelo PMDB. A de crimes cibernéticos seria presidida pelo PSDB e a de maus-tratos aos animais, pelo PSD. As relatorias dessas duas comissões não foram definidas.
A decisão sobre as CPIs irritou o líder do Governo na Casa, José Guimarães (PT-CE). Antes de saber do acordo, ele esteve com o próprio Cunha em um encontro reservado na manhã de terça-feira e disse que as conversas iam em outro sentido. Quando ficou sabendo da articulação dos opositores respaldados pelo peemedebista demonstrou irritação e disse que tentaria reverter o quadro. “Era só o que faltava. O segundo maior partido ficar de fora das CPIs. Isso está errado”, afirmou. Guimarães disse que vai cobrar de Cunha uma postura isenta, como deveria ter qualquer presidente de um poder, e que não pretende criar um clima de animosidade maior do que o que já existe.
Mendonça Filho e o líder do PMDB, Leonardo Picciani, disseram que o culpado pela exclusão do PT foi o próprio partido. “Quem vem se isolando aqui é o PT”, disse Mendonça. “Quem se isolou teve suas razões para isso e não foi isolado por ninguém”, complementou Picciani.
Contraponto governista
A moeda de troca do Governo é a liberação de emendas parlamentares e a nomeação de 200 cargos comissionados nos Estados
Rousseff se movimentou nesta semana para tentar conter o desgaste. Também na segunda-feira reuniu 80 líderes, vice-líderes e presidentes de partidos aliados para pedir uma união contra a pauta-bomba do Congresso Nacional. O objetivo é evitar que projetos que influenciem no ajuste fiscal ou que aumentem os gastos do Governo sejam barrados no Legislativo.
Na reunião, Rousseff pediu para que seus aliados fossem corajosos e não agissem como “carneirinhos” votando conforme a vontade do presidente da Câmara. No primeiro semestre não foram poucas as traições entre seus aliados. Projetos como da lei da terceirização, do reajuste das aposentadorias, do aumento salarial dos servidores do Judiciário e até da redução da maioridade penal registraram infidelidades da base governista. A moeda de troca do Governo, neste momento, é a liberação de emendas parlamentares que estavam represadas e a nomeação de 200 cargos comissionados nos Estados.
Como na Câmara a gestão Rousseff perde uma batalha atrás da outra, nas últimas semanas os articuladores políticos do Planalto decidiram investir no Senado, onde sua base é mais ampla. Aparentemente, a estratégia tem dado certo. Nesta terça-feira, por exemplo, presidente desta Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse que não botaria em votação nenhuma pauta-bomba que onere ainda mais o Governo.
PSOL pede que Cunha se licencie, mas aliados o defendem
A.B.
Assim que voltou do recesso parlamentar, a única voz que destoa dentro do parlamento brasileiro voltou a ecoar. Na reunião de líderes de bancadas, o PSOL solicitou que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), tirasse uma licença de sua função até o fim das investigações contra ele. Cunha foi acusado por um réu da Lava Jato, o lobista Julio Camargo, de receber 5 milhões de reais de propinas para que a empresa Toyo Setal mantivesse contratos com a Petrobras.
Como tem uma bancada ínfima, com quatro membros, e não conta com o apoio de nenhum partido oposicionista, nada ocorreu com o pedido do PSOL. “Todos os líderes defenderam o presidente. Só o PT se calou. Os outros líderes todos o apoiaram”, relatou o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ). “Já vimos outras autoridades se licenciarem para serem investigadas e, se nada fosse provado, elas voltavam para seus cargos. É uma atitude de grandeza”, completou o parlamentar.
Há pouco mais de três meses, o mesmo PSOL pediu uma abertura de sindicância contra 22 deputados que foram citados como receptores de propinas por empreiteiros, doleiros e lobistas investigados pela Lava Jato. Até esta terça-feira, a Mesa Diretora da Casa não havia se manifestado sobre essas solicitações.
As declarações de Calheiros ocorreram logo após ele se reunir com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Na ocasião, ele disse, conforme o portal de notícias G1, que não se considera governista, nem oposicionista. “Vou me pautar sempre como presidente do Congresso Nacional, um poder independente, autônomo, que quer colaborar com o país, com o olhar sempre da sociedade”.
Com todos os movimentos, a tensão em Brasília não dá sinais de arrefecer, especialmente com o aprofundamento das investigações da Lava Jato, que se aproxima do núcleo político do esquema criminoso, e a provável denúncia de novos políticos. A tendência é que os atritos entre Legislativo e Executivo tenham muitos novos capítulos.
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