sábado, 17 de janeiro de 2015

Uma pequena bomba de gasolina no meio do Atlântico

Uma pequena bomba de gasolina no meio do Atlântico

Numa altura em que os norte-americanos anunciam uma forte redução do contingente na Base das Lajes, na Terceira, Açores, fomos falar com o embaixador norte-americano em Lisboa.
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 Última atualização há 11 minutos
Uma pequena bomba de gasolina no meio do Atlântico
 José Carlos Carvalho
A base das Lajes tem sido uma bomba de gasolina, uma "gas station" e é usada para isso. Foi assim que o embaixador americano em Portugal, Robert Sherman, justificou em entrevista ao Expresso a redução da base nº65 da Força Aérea norte-americana, anunciada na semana passada. Os militares americanos passarão de 600 para 165 e cerca de 500 funcionários portugueses serão dispensados.
Como é possível que passados três anos sobre o primeiro anúncio da decisão americana de reduzir os efetivos nas Lajes, depois das negociações havidas e das preocupações transmitidas pelo Governo português, nada tenha mudado e seja precisamente a mesma decisão que é agora anunciada?
É importante perceber o contexto. Isto não foi uma negociação com o Governo português, mas uma decisão militar americana de alinhar as forças militares segundo as necessidades operacionais. O que o Governo português fez foi expressar a sua preocupação sobre os efeitos desta decisão nos Açores, levantar questões sobre se os EUA queriam reduzir o seu compromisso estratégico com Portugal. O Governo americano fez uma reavaliação da decisão tomada em 2012, mas como parte da revisão da EIC (Comissão Europeia de Infraestruturas) em termos de todas as nossas forças. Demorou mais tempo porque o Governo americano levou a sério as preocupações portuguesas, mas sempre tendo em conta que o principal era encontrar o equilíbrio certo entre as nossas forças, atendendo tanto à segurança americana como à capacidade dos EUA de responderem às crises no mundo. E chegou à conclusão que a decisão original estava certa, segundo as nossas necessidades. Nos últimos quatro anos houve menos de dois voos por dia, em média, nas Lajes. E ter aproximadamente 650 militares e 1000 civis a apoiar dois voos por dia não faz nenhum sentido.
Reduzir a base nesta escala não é na prática transformá-la numa bomba de gasolina?
Tem sido uma bomba de gasolina e usada para isso. Mas também apoiamos algumas operações críticas no terreno, que continuarão a ser apoiadas.

Tais como?
Assistência de bombeiros, tráfego aéreo, apoio das operações de busca e salvamento realizadas pelos portugueses. Não haverá cortes no pessoal que se ocupa destas operações. Para reabastecer não precisamos do mesmo número de pessoas.

Então porquê manter a base? Os EUA não podiam prescindir dela ou há razões políticas que o impedem?

Não foi uma decisão política, mas uma decisão tomada em função das necessidades militares. A determinação é que Lajes sejam uma importante base operacional. A única coisa que sabemos que não podemos mudar no mundo é a geografia. E não sabemos como será o futuro. A decisão dos EUA - que se refere não apenas às Lajes, mas também às bases no Reino Unido, Itália, Alemanha, Holanda - é que a Força Aérea tem de ser flexível, móvel e capaz de ser projetada rapidamente, para responder às ameaças. Daqui ou dois ou três anos não sabemos como será o mundo. Ele hoje já é diferente do que era há dois anos. 
Por isso os EUA querem manter as Lajes?
Queremos manter uma presença, é importante para nós ter uma presença e por as nossas forças em linha com as nossas operações agora, sabendo que as coisas também podem mudar no futuro.

Na revisão da EIC, Portugal não teve reconfiguração de forças como em outros países?
Não, em Inglaterra houve reconfiguração de forças. Entre os que saem e os que entrarão, haverá uma perda limpa de 1800 efetivos. E a Inglaterra, tal como Portugal, é um forte aliado dos EUA. Quando acontece um problema no mundo, a chamada não é para Berlim, Londres, ou Pequim, é para Washington. Se há um tsunami nas Filipinas, um terramoto no Haiti, uma epidemia de ébola na África ocidental, o surgimento do Estado Islâmico no Médio Oriente, são os militares americanos os primeiros a responder às crises. Precisamos de estar mais perto destas crises, de ter flexibilidade para mover a nossa gente para lhes responder. E isto está a empurrar as nossas forças para leste e sul, não para o norte e oeste. Próximo de África, do Médio Oriente, de onde estão os problemas.

Quando fala de estar mais próximo de África, refere-se à base de Morón, em Espanha?
Falamos de onde as nossas forças são necessárias. Temos uma posição em Morón já, mas não se trata de deslocar forças para aqui ou ali. Temos de olhar para o mundo e decidir onde devemos estar para alcançar os pontos críticos.
Por que razão o processo em Portugal tem de ser concluído já até ao Outono?
Esse é o plano. Se as circunstâncias ditarem que as questões podem ser resolvidas em mais ou menos tempo, será feito de maneira que faça sentido para as forças militares americanas, baseado nas nossas necessidades e no que temos de fazer. Não negociamos segurança, fazemos o que pensamos é correto para nós e para o mundo.

Presumo que falou com o Governo português antes de fazer o anúncio público. 
Sim. Eu falei aqui em Portugal e o nosso secretário de Defesa falou pessoalmente com o vosso ministro da Defesa.

Apesar disso, o presidente do Governo açoriano considerou a decisão como uma "monumental bofetada na face do Estado português". Como comenta?

Compreendo o desapontamento do Governo português, mas há duas componentes. Uma é a relação estratégica entre os EUA e Portugal e há várias coisas nas quais estamos a trabalhar, incluindo algumas que não estamos preparados para anunciar e que apontam para o futuro em termos da nossa relação estratégica e necessidades do mundo. Em termos gerais, a segurança marítima e a cibersegurança são áreas do maior interesse para os EUA e onde há uma capacidade assinalável em Portugal, e são importantes numa relação estratégica no século XXI. Também temos relações na área do combate ao crime. Estamos a elaborar um acordo de partilha de ativos confiscados, com origem em atividades como o tráfico de droga. Estamos a aumentar a relação entre as nossas Forças Armadas e as vossas, não por causa das Lajes, mas porque os militares portugueses são bons e isso dá-nos oportunidades de juntar esforços para tornar o mundo mais seguro. Tudo isto é estratégico.
Está a falar de quê?
De exercícios militares. Pondo em conjunto recursos militares americanos e portugueses para ajudar a aumentar o nível de conhecimento e capacidade técnica que os militares portugueses têm. Colocamos recursos naquilo que conta. Em 2014, assisti a um exercício conjunto entre fuzileiros e marines. Depois falei com o comandante americano desse exercício e ele disse-me: 'foi ótimo, foi muito fácil arranjar isto com os portugueses, os soldados falam inglês e são muito bons'. Este tipo de coisas são aquelas nas quais devemos comprometer-nos.

Mas a decisão foi uma "bofetada monumental"?
O presidente Cordeiro tem um problema económico e percebemo-lo muito bem. Na embaixada consideramos prioritário o compromisso económico nos Açores. Meses antes de a decisão ser anunciada, pusemos a funcionar um grupo de trabalho com representantes do governo regional para tentar identificar - e identificámos e comunicámos - ideias para o desenvolvimento económico e criação de empregos nos Açores, refletimos sobre o facto de ser boa ou má ideia ser tão dependente de um empregador. Sejam os militares americanos ou uma empresa, é sempre arriscado. O melhor que podemos fazer é aumentar a base económica, criar diferentes tipos de oportunidades económicas.

Exemplos?
Fizemos algumas sugestões que poderiam funcionar nos Açores. Mas tem de ser o povo e o governo açoriano a decidirem o que faz mais sentido, nós não podemos indicar a maneira de resolver. O que podemos fazer é fornecer iniciativas que ajudem a diversificar a economia e o crescimento do emprego, desenvolver essas iniciativas.
Não quer especificar?
Não. Comunicámos algumas ideias ao governo e estamos à espera de uma resposta. Na semana passada encontrei-me com o representante de uma empresa internacional que não é americana que pode ter interesse em estabelecer uma base de operações nos Açores. Não nos limitamos a oportunidades ou empresas americanas, queremos ajudar os Açores. O que disse ao primeiro-ministro é que o desenvolvimento económico dos Açores é uma prioridade da Embaixada que será mantida enquanto eu aqui estiver.

Na conferência de imprensa falou em indemnizações generosas. O que quer dizer, já está decidido?
É algo que o Pentágono está a tratar. É dirigido aos trabalhadores portugueses, que deverão receber um pacote generoso para os ajudar a fazer a transição entre um trabalho na base e outro. 
A declaração feita pelo congressista republicano luso descendente Devin Nunes diz que o Congresso deve encontrar agora uma solução apropriada. Espera uma solução diferente do Congresso?
Até agora o que aconteceu foi que o Pentágono tomou uma decisão. O Congresso tem um papel separado a desempenhar. O Congresso iniciou o processo de revisão do EIC, redigiu a legislação dirigida ao secretário da Defesa para fazer os cortes e mudanças tendo em vista as nossas necessidades estratégicas. Foi uma iniciativa do Congresso. O Executivo tomou uma decisão. Se o Congresso quiser emendar, acrescentar ou mudar, pode fazê-lo.

Ele falou também numa limpeza ambiental (na ilha Terceira). Tencionam fazê-la?
Tenha em mente que nós cumprimos os padrões internacionais nessa matéria, os de Otava. Se há questões ambientais nós corrigi-las-emos. Mas monitorizamos continuamente estas questões. Os padrões ambientais são muito importantes para nós.

Em fevereiro haverá uma comissão bilateral para discutir o assunto. Portugal pode exigir a renegociação do acordo de Cooperação e Defesa com os EUA.
Não ouvimos nada relativamente a isso, nem vou falar sobre questões hipotéticas. Mas é importante perceber que há vários aspetos na comissão bilateral. Um é claramente as Lajes, mas não queremos focar-nos nas relações passadas, mas no futuro, porque há iniciativas importantes estratégicas, de combate ao crime, militares, económicas, que podem ser feitas em conjunto e têm futuro. Não apenas as relações dos EUA em Portugal, mas a economia portuguesa e a capacidade das empresas portuguesas crescerem e terem sucesso.


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