quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

“Só consideram provocação quando desenhamos Maomé”

“Só consideram provocação quando desenhamos Maomé”

Leia reportagem sobre diretor da 'Charlie Hebdo', Stéphane Charbonnier, publicada em 2012

Charb morreu nesta quarta-feira após atentado a revista que foi invadida por atiradores

Diretor do semanário satírico Charlie Hebdo, Charb, em Paris. / FRED DUFOUR (AFP)
Leia abaixo reportagem sobre o diretor da "Charlie Hebdo", Stéphane Charbonnier, conhecido como Charb, publicada no EL PAÍS no dia 19 de setembro de 2012. O diretor morreu nesta quarta-feiraapós atentado a revista francesa que foi invadida por homens com fuzis Kalashnikov .
O diretor da Charlie Hebdo,Stéphane Charbonnier, Charb, vive sob escolta policial desde novembro de 2011. Na quarta-feira foi fotografado com o punho no alto e mostrando sua capa, defendeu as vinhetas “em nome da liberdade de imprensa” e afirmou que “respeitam as leis da República”. Charb explicou que não fizeram nada de extraordinário, e que é muito mais perigosa a autocensura do que a publicação: “Se nos fizermos a pergunta: temos direito de desenhar ou não Maomé, é perigoso ou não publicar, a questão que virá depois será se podemos representar os muçulmanos no jornal, e depois nos perguntaremos se podemos mostrar seres humanos... E no final, não publicaremos mais nada, e o punhado de extremistas que se agitam no mundo e na França terão ganhado.”
Charb foi o protagonista indiscutível da quarta-feira na França. Percorreu todos os meios concedendo entrevistas, rechaçou a condenação divulgada por seu Governo e afirmou que o primeiro-ministro, Jean-Marc Ayrault,“deveria defender a liberdade de imprensa e a República em vez de ficar impressionado pelos palhaços que se manifestam”. O advogado da revista, Richard Malka, lembrou que o presidente da República, François Hollande, defendeu em 2007 a liberdade de crítica às religiões e considerou “insuportável a ideia de que existam tabus dos quais não se pode falar. Estamos em um país laico, a tradição de fazer caricaturas do fato religioso se remonta a mais de um século e o delito de blasfêmia não existe.”
Teoricamente irreverente e surdo aos desejos do poder, o semanário fundado em 1992, que sucedeu outra publicação chamada Hara Kiri, há muitos anos faz sátira e humor mais ou menos pesado com todos os tipos de fundamentalismos, principalmente o católico e o islâmico. E ao mesmo tempo se beneficiou da popularidade e da mercadotecnia que em um país tão laico como a França gera o fato religioso.
Em fevereiro de 2006, o semanário republicou as 12 caricaturas de Maomé da revista dinamarquesa Jyllands Posten — que geraram uma onda de protestos e dezenas de mortes nos países islâmicos – e acrescentou outras em uma edição cuja capa mostrava o profeta chorando e dizendo: “É difícil ser amado por babacas.”
Aquele número vendeu 300.000 exemplares e ganhou uma reprimenda do presidente Jacques Chirac e um processo de três organizações islâmicas por “racismo”. Durante o julgamento, Nicolás Sarkozy enviou uma carta apoiando a tradição da sátira e Hollande se juntou à defesa da imprensa livre. O diretor, Philippe Val, bom amigo de Carla Bruniterminou absolvido.
Em 2010, Val foi substituído por dois desenhistas: Charb e Riss (Laurent Sourisseau). E hoje, apesar de serem chamados de irresponsáveis, os diretores não assumem a acusação de jogar gasolina no fogo: “É como reprovar uma mulher que foi violentada porque estava usando minissaia. Somos os provocadores porque usamos minissaia, ou o estuprador que é o provocador?”
“Fazemos caricaturas de todo mundo e só quando sai o Maomé é uma provocação”, acrescentaram. “É a mesma provocação de todas as semanas. Tivemos 14 disputas com a extrema direita católica e só uma com o Islã. Qual é o problema na França, o Islã ou a extrema direita católica? Estamos de acordo com apelar para a calma. Se alguém tem problemas conosco, que faça o que é feito na República. Apresentem uma denúncia, vamos ao tribunal e depois jogamos a partida tranquilamente, no marco da lei.”
Charb fez ironias sobre sua vida sob escolta policial. “Se esta é a condição para se expressar livremente na França, seremos protegidos pela polícia. Prefiro ter dois agentes ao meu lado durante um tempo, assim não se dedicam a expulsar ciganos”, brincou.

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