Às vezes, tenho receio de me repetir nestas crónicas. Mas os acontecimentos de Paris destes últimos dias, a impotência que vejo e ouço nas caras e nas teses de muitas personalidades com elevadas responsabilidades, para não falar em ideias de arrepiar que vou ouvindo, leva-me a voltar a algumas das ideias que aqui tenho defendido ao longo dos últimos meses.
Pergunta de base, imperiosa: qual a causa de tudo isto?
Pergunta leninista suplementar, embora tardia: que fazer? 
Vou tentar responder com alguma progressão de teses pessoais.
Tese 1: de uma maneira geral, e infelizmente, nós somos a educação que tivemos. Se pegarmos em dois recém-nascidos no Peru andino e no Malawi e os colocarmos em famílias tradicionais japonesas, esses dois futuros adultos serão perfeitos japoneses - se não forem, claro, marginalizados pela sua morfologia. Logo, os jihadistas fanáticos são, como nós, fruto da educação que tiveram. 
Tese 2: a educação é indissociável da cultura e esta da religião. As perspectivas sobre o mundo, e a fé, são ditadas pela cultura local. Razão pela qual a distribuição das religiões não é aleatória. Tal pessoa não é católica por acaso. Ou por as suas convicções pessoais inatas irem nesse sentido. Não. A pessoa tem a religião X porque nasceu numa determinada região e porque foi integrada numa determinada cultura. 
Tese 3: um objectivo primeiro da cultura é a constituição de uma identidade cultural. Assim, cada povo tem a sua identidade cultural, que aplica através da educação e da tradição, na escola e na família.
Tese 4: a identidade cultural serve para nos diferenciarmos dos outros, pela positiva. Por isso, o nosso estudo, sobretudo de História, tenta mostrar que somos os melhores, mesmo que seja através de irrelevâncias (como bolos, galos com cores esquisitas, etc.). Quando manifestamente não somos os melhores, procura demonstrar que já o fomos há um conjunto de anos (conjunto que pode ter a quantidade de anos que se desejar). Para os portugueses, são 500 anos. Neste enquadramento, há uma tentativa de provar que o passado e o presente se misturam e que continuamos a ser os mesmos. Éramos bons, somos bons. 
Tese 5: eufóricos de identidade cultural e de fé, invadimos e dizimámos tudo em redor para impor o que nos apeteceu. Foi com este espírito que os ocidentais inventaram as cruzadas, o colonialismo, a escravatura, a Inquisição e assim. Fizemo-lo aos árabes. Neste enquadramento - e quando acusados de atrocidades -, há uma tentativa da nossa parte de provar que o passado e o presente são completamente diferentes. Éramos maus, somos bons agora. 
Tese 6: num momento de iluminação, ou iluminismo, inventámos os direitos do Homem, a ciência moderna, enfim, a civilização. Não é preciso explicar muito sobre isto. Mas aconteceu em França. 
Tese 7: apesar desse rasgo de génio, continuámos, civilização ocidental, a privilegiar a cultura em detrimento da civilização. É por essa razão que não sabemos integrar os imigrantes. Então não é que eles comem coisas diferentes, adoram outros deuses, vestem-se de forma estranha? Por sermos superiores, respeitamos a sua cultura - mesmo quando ela é selvática e atentatória dos direitos do homem -, mas longe de nós, no gueto. Por isso o labrego autóctone, que não tem mais do que a instrução primária, nem uma compreensão básica do mundo, põe o físico nuclear romeno a acartar pedras nas obras. 
Conclusão, com resposta à primeira pergunta: a culpa é de todos. Mais especificamente, a culpa é da educação que temos todos, que sobrepõe a cultura à civilização. No quotidiano da formação, das escolas e das famílias, são mais importantes os deuses, os antepassados, os mitos fundadores, a pátria e afins do que os seres humanos do planeta, sem distinção de origem, e do que os princípios inquestionáveis dos direitos humanos, iguais para todos. 
Conclusão, com resposta à segunda pergunta: mudar a educação, de alto a baixo. Sem piedade. Sem passados grandiosos ou orgulhos bacocos por sermos os únicos no mundo a ter a palavra saudade no nosso vocabulário. 
Máxima, para quem quiser fazê-la sua: o que define um homem não é a sua origem, mas antes o futuro que decidiu construir para si.