domingo, 3 de abril de 2016

A ética dá dinheiro. REVISTA EXAME

Clayton Netz, de EXAME

A direção de uma empresa deve se preocupar apenas com os interesses de seus acionistas. Afinal de contas, são eles que assumem o risco do negócio, colocando seu dinheiro em jogo. O resto - comunidade, fornecedores, clientes, empregados - é o resto. O mesmo vale para questões como o trabalho infantil, a Aids, o apoio às minorias e a preservação do meio ambiente: devem ser preocupação do governo. Experimente pronunciar frases como essas na frente deste senhor de óculos. Ele atende pelo nome de Robert Haas e é o presidente mundial da Levi Strauss, o maior fabricante de jeans do mundo. Polido, no máximo deixará de sorrir para você, fechando um pouco o semblante. Mas prepare-se: com a paciência de um pregador, Haas tentará convencê-lo exatamente do contrário. Apóstolo do chamado capitalismo de stakeholders, que presta conta a todos os públicos envolvidos com a empresa, fará também uma profissão de fé nas virtudes da postura ética como estratégia de negócios. "Não somos poéticos, somos extremamente práticos", diz Haas. "A longo prazo, um comportamento ético acaba se refletindo nos resultados da empresa." Um dos ícones no mundo da moda, a Levi s transformou-se num laboratório bem-sucedido das idéias de Haas, na última década. Fundada há 147 anos por seu tetratio, Levi Strauss, um comerciante alemão que imigrara para a Califórnia durante a corrida do ouro, a Levi s vivia momentos difíceis quando Haas assumiu o comando, em 1984. Suas receitas estavam estagnadas, a lucratividade era pífia, a participação de mercado diminuía e a motivação do pessoal se arrastava ao nível do rodapé. Uma estratégia de diversificação malsucedida, que fez a empresa entrar em negócios como a produção de chapéus, capas de chuva, ternos masculinos e até agasalhos para esqui, a levou a perder o foco, na avaliação de Haas. Ele debitou parte dessas mazelas à abertura de capital, feita em 1971, por seus antecessores no cargo. A ditadura de Wall Street, segundo Haas, traduzida na pressão por lucros da parte dos investidores, havia induzido Levi Strauss a aventurar-se por praias que não eram as suas. Não por acaso, uma de suas primeiras iniciativas foi fechar novamente o capital da empresa, recomprando um terço das ações por 1,7 bilhão de dólares, em 1985. "Nosso negócio não é vender apenas uma vez ao cliente, é tornar nosso jeans o seu jeans favorito", diz Haas. "Para isso, você deve investir em pessoal, em propaganda, em qualidade. E essas coisas costumam ser difíceis quando sua empresa é aberta, porque os investidores querem ver a valorização de suas ações a cada quadrimestre." De sua cadeira no Q.G. da Levi s, em São Francisco, Haas, hoje com 55 anos de idade, deu início ao maior turnaround da história da empresa. Um quarto das 26 fábricas americanas foi vendido ou desativado. Cerca de 15 000 funcionários dispensados. O foco dos negócios ficou assestado na produção de jeans (à frente o venerável 501), camisetas e casual pants, com as marcas Dockers e Slates. De uma empresa orientada para o produto, a Levi s voltou-se para o marketing, dirigido especialmente ao público jovem, entre 15 e 19 anos. Bem, esse tipo de mudança qualquer executivo de bom nível, com um MBA em Harvard, como Haas, faria. Mas talvez fosse preciso ser um ex-ativista pelos direitos civis dos anos 60, voluntário do Peace Corps na Costa do Marfim e ter casado com uma advogada dos Panteras Negras para valorizar, como ele, o componente ético na reorganização da Levi s. E, sobretudo, para implementá-lo. Codificados numa declaração de princípios, esses preceitos, no papel, pouco diferem dos existentes em outras companhias. Falam do respeito às minorias, no apoio às causas comunitárias, na preservação ecológica, no empowerment dos empregados. "Mas poucos como nós levam essas questões até as últimas conseqüências", diz Haas. Pode parecer uma demonstração de soberba explícita, mas o fato é que Haas não deixa de ter certa razão. A Levi s mantém permanentemente um corpo de 50 funcionários encarregados de divulgar e zelar pelo cumprimento dessas regras. Sua oposição ao trabalho infantil faz com que chegue ao extremo de descredenciar fornecedores. "Não fazemos negócios com gente que não observa esses padrões", diz Haas. Em alguns casos, a Levi s paga os salários dessas crianças (desde que freqüentem uma escola regularmente) até que atinjam a idade legal para trabalhar. Uma das causas mais caras a Haas é o combate à Aids. A Fundação Levi Strauss, bancada com 2,5% do lucro bruto anual da empresa, foi a responsável, por exemplo, pela vinda do ex-astro de basquete Magic Johnson ao Brasil para uma série de palestras sobre a doença. A fidelidade aos princípios é um quesito importante na avaliação dos executivos da Levi s, feita no sistema de 360 graus (inclusive os subordinados participam). Dos quatro principais itens analisados, um envolve as questões éticas. Uma nota baixa pode comprometer o recebimento do bônus, que representa até dois terços da remuneração anual. Poesia pura? Pois olhe para os números da Levi s, sob Haas. Desde que ele assumiu a direção, o faturamento triplicou para os 7,1 bilhões de dólares do ano passado. O lucro de 735 milhões é 18 vezes maior do que o de 1984. O valor de mercado da empresa multiplicou-se por 14, chegando aos 10 bilhões de dólares (o da Coca-Cola cresceu 15 vezes, no mesmo período). "Temos uma grande história, uma boa marca, um excelente produto", diz Haas. "Mas sem o nosso pessoal, e seu comprometimento com nossas crenças, não teríamos obtido sucesso."

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