terça-feira, 22 de março de 2016

'Tudo pode acontecer, até um sério conflito social', diz historiador sobre crise política Fernando Duarte Da BBC Brasil em Londres Há 3 horas

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Image captionHistoriador preocupa-se com "hegemonia" do Judiciário
Um dos mais conhecidos historiadores brasileiros, em especial pela publicação, em 1987, de Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que Não Foi(livro que fez uma análise crítica sobre o processo de Proclamação da República no Brasil), José Murilo de Carvalho oferece uma visão pessimista do atual momento político brasileiro.
Em entrevista à BBC Brasil, por e-mail, o também cientista político mostra preocupação com a crise política - mais precisamente com o acirramento de ânimos desde as eleições de 2014.
Só não se mostra surpreso. Afinal, assim como outros colegas de profissão, Carvalho cita o longo histórico de revoltas e conflitos que marcam o Brasil República. Porém, diferentemente de outros analistas, o integrante da Academia Brasileira de Letras diz que a crise atual não pode ser meramente comparada a momentos anteriores de turbulência na história brasileira. Incluindo a constantemente citada crise de 1954, que culminou com o suicídio do presidente Getúlio Vargas.
O historiador mineiro vê na crise atual o que chama de "um misto de tradição e novidade". Uma combinação que ele considera preocupante diante do processo de desgaste na imagem dos poderes Executivo e Legislativo.
Confira os principais trechos da entrevista:
BBC Brasil - Como o senhor vê a atual crise política brasileira sob uma perspectiva histórica?
José Murilo de Carvalho - Nos 127 anos da República, houve dezenas de revoltas, guerras civis e vários golpes com o envolvimento dos militares. Desde 1930, de 14 presidentes (incluindo a atual), apenas oito foram eleitos diretamente. Destes, só cinco completaram os mandatos. Isso não é nada animador. E essa é mais uma das inúmeras crises de nossa claudicante República. O regime foi introdizido há 127 anos mas ainda não faz jus ao nome de república democrática. Pelo lado da inclusão política, até 1945 apenas 5% da população votavam. Pelo lado da inclusão social, o grande salto foi dado durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945) com a introdução da legialção trabalhista. Mesmo com os avanços do governo Lula, agora sendo revertidos, ainda somos um dos países mais desiguais do mundo. Os governos militares, por sua vez, não restringiram o grande aumento do eleitorado, mas impediram a formação de lideranças democráticas capazes de dar conta do grande aumento de participação, além de destruírem os valores republicanos da boa governança.
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Image captionConflito distributivo gera comparações com crise política de 1954
BBC Brasil - Historiadores e analistas políticos com certa frequência comparam o atual momento à crise que resultou no suicídio do presidente Vargas, em 1954. O senhor vê paralelos?
Carvalho - Hoje, creio que nenhum historiador dirá que a história se repete, como tragédia ou como farsa. A crise atual é nova, um misto de tradição e novidade. Há elementos comuns entre a crise atual e a de Vargas: a acusação de corrupção e o conflito distributivo.
O “pai dos pobres” (Vargas, responsável pelas leis trabalhistas) era acusado por setores da classe média de exercer ou tolerar práticas corruptas (o “mar de lama”). A grande diferença era a presença ativa dos militares em 1954, que forçaram a saída de Vargas, e da Guerra Fria. Hoje, o conflito é civil e nacional. Civil porque não há ameaça de interferência militar. Nacional porque não estamos mais Guerra Fria com suas pressões políticas, inclusive de intervenção dos Estados Unidos. O fator externo hoje resume-se às oscilações da economia internacional.
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Image captionManifestantes após ação da PM para desbloquear av. Paulista; historiador vê 'misto de tradição e novidade' na crise atual
BBC Brasil - O senhor se preocupa com o atual momento brasileiro no que diz respeito à segurança das instituições? Crê na possibilidade de uma ruptura mais séria mesmo sem a presença de um Exército, como em 64?
Carvalho - Há motivo para preocupação. O Poder Judiciário - incluindo aí o Ministério Público e a Polícia Federal - tornou-se quase hegemônico diante da desmoralização do Executivo e do Parlamento. Isso poderá sair pela culatra, como aconteceu na Itália durante a operação Mãos Limpas, e reduzir ou anular os efeitos do esforço de combate à corrupção. Por outro lado, a desmoralização do Parlamento e a descrença nos políticos e na política podem abrir caminho para aventureiros populistas.
BBC Brasil - Muito se fala em polarização política e ideológica no Brasil. O senhor concorda com as avaliações de que o acirramento de ânimos foi intensificado pela ascensão do PT ao poder ou estamos falando do retorno de antigas divisões?
Carvalho - O PT trouxe forças novas para a política brasileira, sobretudo os líderes sindicais. Junto com uma forte demanda por políticas sociais, o partido exibiu também um estilo mais agressivo de atuação, mantido mesmo após chegar ao poder. Sua militância é muito mais aguerrida do que a do PTB dos tempos de Vargas.
A radicalização política e a intolerância chegaram hoje a um ponto perigoso. Não há mais debate, apenas bate-boca e gritaria. Neste cenário dominado pelas paixões, tudo pode acontecer, mesmo um sério conflito social.
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Image caption"O PT exibiu também um estilo mais agressivo de atuação, mantido mesmo após chegar ao poder"
BBC Brasil - Qual o efeito que o eventual impeachment da presidente Dilma poderia ter nesse cenário?
Carvalho - Um impeachment não vai resolver a situação. Mudarão os lados, mas o conflito político continuará e a crise econômica não será resolvida. Não há, a meu ver, uma saída sem custos para a crise.
BBC Brasil - Podemos comparar o retorno do ex-presidente Lula ao governo (agora suspenso por determinação do STF) a algum momento de relevância semelhante na história política brasileira?

Carvalho - Ex-presidentes voltaram ao governo, como Nilo Peçanha (como ministro das Relações Exteriores, em 1987), mas não em situação de conflito. A nomeação desastrada deu-se em 29 de outubro de 1945. Os militares pressionavam o então ditador Getúlio Vargas a deixar o governo. Em reação, o presidente nomeou seu controvertido irmão Benjamin chefe de polícia. Os militares irritaram-se e o depuseram nesse mesmo dia.

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