quarta-feira, 9 de março de 2016

'Meu filho tá errado, mas a gente respeita': como ação contra Lula esquentou polarização dentro de famílias Felipe Souza Da BBC Brasil em São Paulo

Fora do tocador de mídia. Pressione enter para voltar ou tab para continuar.Vitor Ricciardi Chiarello, 26, assiste ao lado de sua família a uma reportagem na TV que exibe o ex-presidente Lula sendo levado para depor. Mas, enquanto seus pais e irmão comemoram a investida da Polícia Federal, Vitor afirma que a ação foi abusiva. Esse é o estopim para o início de mais uma acalorada discussão política.
As discussões entre os quatro membros da família Chiarello, de São Paulo, dão uma ideia da polarização que o Brasil enfrenta desde as últimas eleições - e que esquentou com a investigação do ex-presidente Lula pela Operação Lava Jato.
Na casa de Vitor, ele é o único defensor de políticas de esquerda. O jovem, bolsista do ProUni, cita programas sociais implantados no governo Lula como parte dos argumentos para defender o ex-presidente. Mas recebe contra-ataques de todos os lados.
"É muito claro que o Lula é uma pessoa egocêntrica, narcisista, que trabalha apenas por ele mesmo", diz a mãe dele Marly Alzira, 58. "O ProUni que o Vitor recebeu é apenas o retorno de parte dos impostos que nós mesmos pagamos", completa o pai Oswaldo Gabriel, 58.
O professor e pesquisador do núcleo de pesquisas em políticas públicas da USP (Universidade de São Paulo) Leandro Piquet Carneiro afirma que o cenário vivido pela família Chiarello é reflexo de uma intensa e inédita polarização da política brasileira.
"É a primeira vez que um governo de esquerda, que ainda não tinha alcançado o poder e contava com um apoio muito forte de setores escolarizados e populares, se vê numa situação de desconforto no país. Agora, vemos o apoio público e manifestações favoráveis a esses governos sob ataque, até mesmo em debates em família", afirmou.
Para Carneiro, porém, a discussão política ainda é moderada no Brasil, quando comparado a seus vizinhos. "Por mais animado que esteja o debate, estamos muito moderados se comparado à Argentina, Venezuela e Chile, por exemplo", afirmou.
O pesquisador compara a situação de divisão ideológica no país com a dos EUA e avalia que a internet e o amplo acesso à informação ajudaram a acirrar esses debates. Por outro lado, ele vê as redes sociais como uma ferramenta prejudicial à discussão política no país porque as pessoas se isolam, se afastam do mundo real e evitam o acesso a opiniões divergentes.
"As redes sociais não correspondem à sua expectativa inicial porque elas criam um processo de encapsulamento. Você se liga ao seu circuito e rede de contatos e isso vai definindo o que você recebe de informação. Junte a isso o fato de as pessoas lerem cada vez menos jornal e dependerem cada vez menos de jornalistas profissionais que moderam esses assuntos de forma equilibrada", afirma.
Lula governou o país de 2002 a 2010, sendo sucedido por Dilma Rousseff na Presidência. A última pesquisa de opinião do Instituto Datafolha, feita em fevereiro, aponta que Lula teria 20% dos votos dos eleitores brasileiros caso fosse candidato à Presidência, atrás apenas do senador Aécio Neves (PSDB), que tem a preferência de 24% da população.

Cercado

O ator Guilherme Carrasco Neto, 27, também vive um quadro explosivo quando discute os rumos políticos do país com sua família. O jovem, que vê as ações contra o ex-presidente Lula como uma "encenação para criar a imagem de um bandido", é bombardeado por argumentos contrários de seus parentes.
A mãe dele faz duras críticas contra o governo, enquanto o pai tenta fazer o meio de campo nos debates ao mesmo tempo em que tenta acalmar os ânimos de ambos os lados.
Mas Neto se sente ainda mais encurralado quando seu irmão e a cunhada visitam sua casa no fim de semana. "Meu irmão é filiado a um partido neoliberal e é contra as políticas do PT. Eu não sou petista, mas considero os avanços sociais trazidos por esse governo", afirma.
E quando o assunto é Dilma ou Lula, o tom de voz aumenta e os debates terminam de forma parecida: todos com a cara fechada. "São posições que não batem com a minha. Eu não consigo aceitar a deles e eles não me compreendem", conta Neto.
Image copyrightFabio Tanaka
Image captionMãe e filho se divertem após discussão política
Neto diz que acha incoerente sua cunhada ter sido "beneficiada pelo governo Lula" e rejeitar o ex-presidente. "Ela é formada em economia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) com bolsa do ProUni, é negra e morava na periferia da cidade", afirmou.
Neto disse que nunca usou isso como um argumento durante as discussões para evitar um possível "climão" familiar, mas tem vontade.
O debate mais acalorado, porém, ocorreu em janeiro deste ano, quando Neto defendeu as manifestações promovidas pelo MPL (Movimento Passe Livre), que pede a isenção das tarifas de ônibus, metrô e trem.
"Eu queria mostrar como esses jovens se organizam e que eles não são baderneiros aliados aos black blocs, como mostra a imprensa. Nesse dia, ainda estavam alguns tios meus que também ajudaram a criticar o Passe Livre com opiniões acaloradas", contou Neto.
O irmão dele, Daniel Carrasco Neto, 35, afirmou que Guilherme tem uma "visão romântica da política" porque ainda é muito novo.
"Ele acha que o mercado e o capitalismo são uma coisa ruim e pensa que os empresários devem ser controlados. A gente tenta ensinar que, se você não consegue ganhar dinheiro, não produz. Dar dinheiro para as pessoas não vai estimular ninguém a evoluir", afirma.
Para Daniel, a saída para a atual crise político-financeira passa pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff. "Esse governo é um fracasso total. Já esperávamos que seria ruim, mas nem tanto. Os escândalos de corrupção aliados à incapacidade dela de fazer política está afundando o país", afirma.
Na visão dele, o sucesso do presidente Lula se deve à estabilidade financeira e à alta do preço das commodities quando ele assumiu o país. "Ele só distribuiu o dinheiro extra que estava entrando. Ele é um safado porque formou a imagem dele em cima desse marketing e quis comprar o apoio de todos os partidos, o que deu origem ao Mensalão e Petrolão", diz.
Daniel afirmou que vai participar dos protesto marcado para o próximo domingo (13) na avenida Paulista para pedir o impeachment de Dilma Rousseff.

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