domingo, 29 de maio de 2016

Proposta de reforma da Previdência tem desafio de equilibrar caixa com expectativas de aposentadoria

Com o aumento na expectativa de vida da população, os tombos da economia e a desoneração da folha, as despesas do INSS tiveram crescimento exponencial ante as receitas
Por: Juliana Bublitz e Fábio Schaffner
28/05/2016 - 02h00min | Atualizada em 28/05/2016 - 02h00min

Uma preocupação comum aflige governo e trabalhadores: o futuro da Previdência. Diante da projeção de déficit de R$ 133,6 bilhões no caixa do regime geral em 2016, o Planalto planeja uma reforma que evite o colapso do sistema. Temendo regras mais rígidas, os segurados correm para antecipar a aposentadoria.
As angústias são legítimas, mas guardam interesses conflitantes. Com o aumento na expectativa de vida da população, os tombos da economia e a desoneração da folha, as despesas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) tiveram crescimento exponencial ante as receitas. Somente de 2014 para 2015, os desembolsos subiram 10%, enquanto o volume de contribuições, 3%. Esse descompasso gerou rombo de R$ 85,8 bilhões. No ritmo atual, estudos apontam que em 2019 o passivo alcançará R$ 200 bilhões — quantia seis vezes superior ao atual orçamento da Educação e equivalente ao dobro das verbas da Saúde.
Trabalhadores tentam preservar direitos consolidados e evitar novas perdas. Se a criação do fator previdenciário já impôs redução de até 50% no valor dos benefícios, as medidas agora em discussão cogitam extinguir a concessão de reajuste acima da inflação para o piso e fixar idade mínima para aposentadorias, inclusive para quem está na ativa.
— A situação é absolutamente insustentável. É como se 300 mil pessoas tivessem comprado ingressos para ver um jogo de futebol em um estádio com 80 mil lugares. Todas elas têm a expectativa de assistir à partida, mas é lógico que não vai caber todo mundo. É irreal. Com a Previdência é a mesma coisa. Temos de parar de nos iludir — diz o economista Renato Fragelli, professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getulio Vargas.
Tão logo o governo de Michel Temer anunciou a intenção de fazer a reforma, o movimento cresceu em média 30% nos escritórios especializados na área. Mesmo que a equipe econômica ainda não tenha apresentado proposta oficial, há quem aceite se aposentar mais cedo, recebendo menos a cada mês, ante à iminência de ter de contribuir por um período maior.
— O governo diz que não vai ferir direitos, mas ninguém acredita. E estamos sem saber o que dizer porque o governo tampouco fala algo coerente — diz a presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Jane Berwanger.
Como tem sido recorrente na gestão de Temer, o Planalto age com avanços e recuos. Na primeira entrevista após assumir a pasta da Fazenda — à qual foi incorporada a Previdência —, o ministro Henrique Meirelles foi taxativo sobre a necessidade de reformulação no sistema, partindo de idade mínima de 65 anos para todos:
— Haverá uma idade mínima. Estamos estudando quais as regras de transição. Existem grupos com estudos bastante avançados sobre isso. O que precisa é uma determinação de governo. Vamos fazer.
A reação foi imediata. As centrais sindicais repudiaram a ideia e Meirelles chamou as entidades para uma mesa de debates, afiançando que a idade mínima não é inegociável. O que alimenta as suspeitas dos sindicalistas é a origem da proposta. Um dos principais especialistas em seguridade social do país, o novo secretário de Previdência, Marcelo Caetano, é um entusiasta da idade mínima. Em entrevista a ZH em fevereiro, o economista defendeu essa tese como uma das soluções para sanar as contas do INSS:
— O Brasil registra envelhecimento acentuado e gasto crescente. Estamos atrasados nesse debate de idade mínima.
Procurado na última terça-feira, não quis falar sobre as propostas em discussão.
— Estamos trabalhando muito, pensando bem e vamos negociar com calma — limitou-se a comentar.
Nos bastidores, a avaliação é de que o governo lançou a ideia de 65 anos como um teste, para avaliar a repercussão e começar as negociações. O objetivo seria partir de um piso elevado para, ao cabo das discussões, equiparar os trabalhadores privados aos servidores públicos: 60 anos para homens e 55 para mulheres, com 35 e 30 anos de contribuição.
— O governo está botando o bode na sala. E é um bode bem grande — afirma Jane.
Para a presidente do IBDP, tal fórmula tem boas chances de ser aprovada pelo Congresso, desde que amparada em transição de 10 anos. Assim, no princípio, a idade mínima seria de 48 anos para mulheres e 53 anos para homens.
Por via das dúvidas, o gerente de produção Luiz Henrique Alves de Lima, 53 anos de idade e 36 de carteira assinada, está separando a papelada. Lima poderia ter se aposentado em dezembro, mas preferiu esperar para evitar perdas devido ao fator previdenciário. Agora, vai protocolar o processo em julho, diz:
— Espero que, até lá, não mude nada. Assim como eu, muita gente deve estar apreensiva. Quem está empregado, tudo bem. Mas e quem não está? Torço para que a discussão demore pelo menos alguns meses.

As resistências das centrais sindicais
Não será fácil para o governo negociar a reforma da Previdência com as centrais sindicais. Das três maiores entidades do país, duas nem sequer aceitam conversar com a gestão interina de Michel Temer. A única que sentou à mesa com a equipe econômica rechaçou os principais termos da proposta. Juntas, Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical e Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB) representam 50 milhões de contribuintes. Apenas a Força Sindical, presidida pelo deputado federal Paulo Pereira da Silva (SD-SP) — defensor do impeachment e aliado de Temer —, tem comparecido às reuniões. Ainda assim, não há muita disposição para o diálogo.
— Não vamos apresentar contraproposta. O problema da Previdência se revolve com medidas administrativas. Basta cobrar as dívidas das empresas, fazer uma devassa nos benefícios irregulares, acabar com as desonerações. Não aceitamos que o trabalhador pague essa conta — diz João Batista Inocentini, presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados e um dos vice-presidentes da Força Sindical.
Enquanto a entidade se reúne nesta segunda-feira para firmar posição diante de uma nova rodada de negociação com o governo, prevista para sexta-feira, as demais centrais preparam atos de protesto contra a reforma. Na terça-feira, CUT e CTB realizam em todo o país o Dia Nacional de Luta em Defesa da Previdência Pública. Em Porto Alegre, a mobilização ocorrerá às 10h, em frente à sede do INSS, no Centro. Presidente da CTB no Estado, Guiomar Vidor se sente pessoalmente afrontado. Aos 53 anos, ele planeja se aposentar em dezembro e teme que eventuais alterações no sistema atrasem os planos.
— Vamos lutar até o fim para impedir mudanças prejudiciais aos trabalhadores. Muita gente está apreensiva. É um absurdo o que querem fazer — diz Vidor.
Na CUT, a disposição é semelhante. A central não reconhece o governo Temer — o qual considera ilegítimo — e cogita convocar uma greve geral contra a perda de direitos. De acordo com o secretário-geral, Sérgio Nobre, a reforma está sendo conduzida com "afobação". Ele também sustenta que a fórmula 85/95, adotada ano passado, garante mais 30 anos de fôlego financeiro à Previdência.
— Não há negociação com golpistas, mas a CUT respeita a autonomia das outras centrais que negociam com Temer. No futuro, cada um vai arcar com a responsabilidade das decisões tomadas. Espero que tenham juízo — afirma Nobre.
Mesmo que ignore a discordância das centrais sindicais, o governo tem pela frente um interlocutor bastante suscetível às pressões populares: o Congresso. Como a maioria das propostas em debate altera o texto constitucional, para produzir efeito será preciso o voto favorável de três quintos dos parlamentares (308 deputados e 49 senadores). Nos bastidores, aliados do Planalto já sugerem que eventuais mudanças só sejam submetidas a plenário após as eleições deste ano — ou seja, em novembro. Até lá, ninguém quer se desgastar com o eleitorado com medo de colher prejuízo nas urnas. Ainda assim, o deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), um dos responsáveis pela aprovação da fórmula 85/95 no ano passado, diz que o governo precisa flexibilizar as propostas iniciais.
— Idade mínima de 65 anos não passa de jeito nenhum. Se cair para 60 anos, já dá para começar a conversar, ainda assim vou brigar com todas as minhas armas. Vou atrapalhar — avisa o deputado.
Alívio para uma, angústia para outra
Marisa (D) está aposentada, mas Simone ainda aguardaFoto: Arquivo pessoal / Arquivo pessoal
Elas são irmãs, têm quase a mesma idade, são colegas de trabalho e acompanham com apreensão a possibilidade de reforma na Previdência — só que de um jeito diferente.
Na última quarta-feira, aos 53 anos, a analista de sistemas Marisa Camargo conseguiu encaminhar os papéis para formalizar a aposentadoria integral. Com isso, escapou de eventuais alterações nas normas previdenciárias. O alívio só não foi completo porque a irmã, a analista de projetos Simone Camargo, 50 anos, vive situação distinta.
— Temos apenas três anos de diferença, mas ela ainda corre o risco de ser afetada pelas mudanças — diz Marisa.
Simone tem 28 anos de carteira assinada e, conforme as regras atuais, precisa trabalhar mais alguns anos para assegurar o benefício integral. Dependendo das modificações que vierem a ser aprovadas, o prazo pode se estender.
— Por sorte, tenho um emprego que me garante alguma estabilidade, mas, se não tivesse, estaria me sentindo bem insegura — afirma Simone.
As duas são funcionárias do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

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