domingo, 13 de março de 2016

'Vão caçar o que fazer', diz promotor sobre confusão entre Hegel e Engels Ricardo Senra - @ricksenra

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"É claro que nós sabemos a diferença entre Engels e Hegel. Numa peça de 200 laudas, falando de crimes essenciais, vão preferir ficar discutindo a filosofia?"
Quem pergunta é o promotor José Carlos Blat, do Ministério Público de São Paulo, um dos responsáveis pelo pedido de prisão preventiva do ex-presidente Lula, nesta quinta-feira. Ele se refere à confusão, feita no pedido encaminhado ao tribunal, entre Friedrich Engels, coautor do Manifesto Comunista junto a Karl Marx, e Georg Wilhelm Friedrich Hegel, filósofo morto em 1831, 17 anos antes da publicação do Manifesto.
"Vão caçar o que fazer. Vão catar coquinho", continua o promotor estadual, questionado pela BBC Brasil sobre a repercussão em torno do erro presente na peça. "Isso é uma tolice, é um erro material que já foi verificado e será retificado. Tudo continua como está, não há qualquer gravidade nisso."
A polêmica foi além da citação filosófica e dos comentaristas de redes sociais.
Juristas e advogados como Carlos Sampaio, coordenador jurídico do PSDB, e Gilson Dipp, ex-ministro do STJ, criticaram a fundamentação técnica da peça jurídica, afirmando que “não é usual fazer a denúncia e pedir a prisão do investigado" e que as chances de Lula fugir do país são pequenas.
A BBC Brasil levou os questionamentos ao promotor do MP-SP. “São ilustres juristas especulando sem conhecer os nossos autos”, afirma Blat.
“Nós fizemos todos os pedidos com absoluta convicção de segurança. Entendemos que houve efetiva afronta ao principio da garantia da ordem pública com a incitação (no discurso feito por Lula após depoimento à Polícia Federal), que é totalmente diversa de manifestação política".
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'Condutas'

O texto, assinado por Blat ao lado dos promotores Cássio Conserino e Fernando Henrique Araújo, afirma que "as atuais condutas do denunciado Luiz Inácio Lula da Silva, que outrora chegou a emocionar o país ao tomar posse como Presidente da República em janeiro de 2003 ('o primeiro torneiro mecânico' a fazê-lo de forma honrosa e democrática), certamente deixariam Marx e Hegel envergonhados."
A troca entre os filósofos alemães provocou uma tempestade de piadas e críticas nas redes sociais. Adversários do ex-presidente, entretanto, contra-atacaram, alegando que a atenção exagerada sobre o erro seria uma forma de minimizar a discussão sobre corrupção.
"A 'viralização' é inevitável", comentou Blat à BBC Brasil. "Mais um meme", brinca.

Denúncias

Na denúncia contra o ex-presidente, a Promotoria afirma que o petista escondeu a posse de um tríplex no Guarujá e que este teria passado por reformas feitas pela empreiteira OAS para Lula.
O ex-presidente alega que não é dono do apartamento e que ele e a ex-primeira dama, Marisa Letícia, visitaram o imóvel apenas uma vez para avaliar a possibilidade de adquiri-lo.
A aquisição, de acordo com os promotores, teria ocorrido por meio de cotas negociadas pela cooperativa Bancoop, mas a defesa do ex-presidente alega que ele desistiu da compra após a quebra da cooperativa e porque a obra teria encarecido demais.
Em nota, o Instituto Lula afirma que a Promotoria “possui documentos que provam que o ex-presidente não é proprietário nem de triplex no Guarujá nem de sítio em Atibaia, e tampouco cometeu qualquer ilegalidade”.
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A denúncia não significa que o ex-presidente tenha virado réu na ação criminal - isso só acontecerá se a juíza Maria Priscilla Ernandes Veiga Oliveira, da 4ª Vara Criminal de São Paulo, acatar o pedido.
A confusão entre os pensadores no pedido de prisão preventiva ocorre junto à menção a uma frase, captada em um vídeo gravado pela deputada federal Jandira Feghali (PCdoB), em que é possível ouvir Lula dizendo "eles que enfiem no c* todo este processo”.
"São justamente essas condutas, ora deliberada e intencionalmente ofensivas às instituições do Sistema de Justiça e que sustentam o Estado Democrático de Direito que se ajustam à violação da garantia da ordem pública", concluem os promotores a partir do episódio.
O MP-SP, que afirma que Lula teria uma "rede violenta de apoio”, justifica o pedido de prisão preventiva pela condição supostamente privilegiada do ex-presidente. "Sabidamente possui poder de ex-presidente da República, o que torna sua possibilidade de evasão extremamente simples”, diz o texto.
Ainda segundo a Promotoria, "ninguém está acima ou à margem da lei" e Lula "atentou contra a ordem pública ao desrespeitar as instituições que compõem o Sistema de Justiça".
Em nota, o advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, afirmou na quinta-feira que a fundamentação apresentada pelos promotores para justificar o pedido é “uma tentativa de banalização do instituto da prisão preventiva”.
“Lula jamais se colocou contra as investigações ou contra a autoridade das instituições. Mas tem o direito, como qualquer cidadão, de se insurgir contra ilegalidades e arbitrariedades. Não há nisso qualquer ilegalidade ou muito menos justificativa jurídica para um pedido de prisão cautelar”, diz o texto.
O advogado argumenta que o pedido não traz um fato concreto para justificar as acusações contra o ex-presidente e seus familiares, e que não há nada além de “hipóteses”.
  • Colaborou Mayra Sartorato, da BBC Brasil em São Paulo

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