domingo, 3 de dezembro de 2017

CPI Dos Ônibus: ‘A Propina Vem Da Tarifa Que A População Paga’, Diz O Vereador Do Rio




  • 03/12/2017






A descoberta de uma divergência nos dados fornecidos pelas empresas de ônibus pode esconder uma manobra para defender o reajuste da tarifa. Essa é a suspeita do vereador Tarcísio Motta (PSOL), integrante da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Ônibus. De acordo com ele, o portal Armazém dos Dados, mantido pela prefeitura, mostra que a quantidade de passageiros transportados nos ônibus no Rio aumentou de 2010 para 2016. Já os relatórios emitidos pelas empresas à CPI, apontam uma queda no número de passageiros, no mesmo período. Com a meta de abrir de vez a caixa-preta dos transportes, Tarcísio pretende usar até o poder de polícia da comissão: propôs fazer a busca e apreensão de documentos guardados a sete chaves pelos empresários.
O que revela essa divergência nos dados sobre passageiros?


Tarcísio: A discrepância de dados não nos parece ser um mero erro. Ela revela, mais uma vez, que temos uma caixa-preta nos transportes do Rio. Como as informações não podem nem mesmo ser auditadas, como a lei determina, é impossível saber qual é o dado real sobre o sistema. E como tudo o que envolve esses empresários é obscuro, somos levados a crer que esses dados dos relatórios diários de operação possam estar propositalmente subnotificados, gerando a possibilidade de que as empresas pleiteiem uma revisão tarifária.
É um reflexo da falta de fiscalização por parte da prefeitura?
Tarcísio: Se a gestão passada, quando fez a licitação, tivesse cumprido a Lei Orgânica do Município, criando uma empresa pública de transportes e retirando da Fetranspor o controle da bilhetagem eletrônica e do caixa, muitas das coisas que estamos vendo surgirem hoje poderiam ter sido evitadas. Portanto o município está descumprindo algo que é sua obrigação. Há um contrato e o município deveria estar pressionando as empresas a abrirem esses dados, isso tudo devia ser público. As despesas administrativas, as despesas financeiras, outras empresas correntes, os balanços e balancetes de ônibus são propositalmente indecifráveis. A ausência de uma empresa pública de transportes que opere a bilhetagem só serve de interesse para os próprios empresários.
Mas não foram feitas auditorias nas empresas de ônibus?
Tarcísio: Todas as auditorias feitas até agora têm dito que não conseguiram acesso aos dados contábeis. Ou seja, isso é puro confete, desvio de foco. Como eles não abrem os dados, continuam mantendo seu monopólio. A sociedade não sabe, de fato, quanto custa para operar o sistema de ônibus. Transporte é direito, não é mercadoria. Mas esses empresários tratam há muito tempo o transporte como propriedade deles.
Como surgiu a CPI?
Tarcísio: A CPI surgiu por conta da repercussão da operação “Ponto Final”. Nos elementos achados pelo Ministério Público Federal (MPF) em nível estadual há indícios de que o esquema de corrupção tenha sido reproduzido no município. E isso só aconteceu porque existe uma caixa-preta e uma máfia tanto do lado dos transportes quanto do lado de quem governava a cidade. A petição do MPF aponta que seis empresas que operam só no município do Rio pagaram, ao todo R$ 30 milhões em propina. São elas a Viação Acari, América, Futura, Redentor, Rubanil, Madureira e Candelária. A razão de ser da CPI é atacar os dois lados da máfia. Há malversação de dinheiro público e há o desrespeito às regras de uma concessão pública, assim como há irresponsabilidade dos agentes públicos.
As empresas estão resistindo a entregar os documentos?
Tarcísio: As empresas têm resistido muito em entregar os documentos que pedimos. Muitas vezes os documentos são enviados, mas vêm em formato físico, em vez de digital, só para dificultar a análise. As empresas fazem de tudo para que a gente não consiga entender como operam o sistema. Portanto, ter mais tempo para conseguir analisar os documentos que chegaram era fundamental, e a gente conseguiu isso, alargando o prazo para a entrega do relatório final da CPI. Além disso era preciso mais tempo para fazer os interrogatórios de agentes públicos e políticos responsáveis por essa má gestão.
Como se pode pressionar a entrega dos documentos?
Tarcísio: A comissão tem o poder de solicitar a busca e apreensão pela polícia desses documentos, por isso já estamos propondo à CPI que promova busca e apreensão de documentos que não foram entregues até agora. Eles não podem se negar a entregar esses documentos. Apresentamos alguns requerimentos que foram negados, mas vou voltar a fazer os pedidos nas próximas sessões e acho que vai ficar muito mal para alguns vereadores se eles não aprovarem a busca e apreensão de documentos que eles próprios precisam para ter a clareza do que estão discutindo na CPI. Uma CPI para valer precisa ter esses documentos e, portanto, precisamos aprovar essa busca e apreensão.
Quem foi convocado para falar na CPI até agora?
Tarcísio: O único empresário que nós convocamos até agora, que foi o Orlando Pedroso Lopes Marques, presidente do consórcio Santa Cruz, mandou o advogado no lugar, que não sabia responder nada. Já ouvimos o Alexandre Sansão, que foi secretário na gestão Paes, e na próxima sessão vamos ouvir o Fernando McDowell (atual vice-prefeito e secretário municipal de transportes). Portanto, precisamos convocar ainda dois ex-secretários de trasnportes, Carlos Osorio e Rafael Picciani, que vão fechar a lista dos secretários que ocuparam a pasta desde a licitação até hoje, além do ex-prefeito Eduardo Paes. Precisamos também convocar outros empresários, como o Jacob Barata Filho (um dos principais empresários de ônibus do Rio, cuja atuação se estende a 35 empresas). São figuras que precisam vir aqui se explicar.
Além da má gestão do sistema, como esse esquema de corrupção afeta os passageiros?
Tarcísio: A população está muito espantada com o volume de dinheiro envolvido na propina. A pergunta é: de onde está vindo esse dinheiro? Esse dinheiro vem da tarifa. Esse dinheiro vem do bolso do trabalhador que paga a passagem. As pessoas acham que o dinheiro é dos políticos, que são ricos. Não. A tarifa está cara para dar lucro para esses empresários e é dessa tarifa cara que se paga a propina para garantir que a tarifa continue cara. Portanto, quem paga todo esse sistema de corrupção é o trabalhador que pega ônibus todo dia. Esse é um elemento que o trabalhador muitas vezes não está percebendo. Ele está vendo o escândalo, mas não percebeu a gravidade do problema. Quando se trata da operação “Lava-Jato”, as pessoas pensam que o dinheiro impacta indiretamente nos impostos. Nesse caso, o dinheiro é da tarifa. Essa é a fonte do dinheiro que vai para a mão dos políticos, por fazerem vista grossa e não fiscalizarem o ônibus. Quem paga tudo isso é o trabalhador.
NOTA DO RIOÔNIBUS:
O Rio Ônibus esclarece que não há divergência entre os dados enviados à CPI e as informações disponíveis no site Armazém de Dados da Prefeitura. Os números citados representam cenários distintos levando em consideração análises diferentes do sistema de transporte municipal do Rio de Janeiro.
No Armazém de Dados da Prefeitura, os dados contemplam os quatro consórcios (Internorte, Intersul, Transcarioca e Santa Cruz) e sistema BRT, revelando uma queda mais acentuada de passageiros a partir de 2015, quando são mais nítidos os efeitos da crise econômica no país. Já o outro documento encaminhado à CPI, apresenta apenas um cenário dos quatro consórcios, sem contar o BRT, implantado em 2012, que considera um número maior de passageiros no sistema de transporte por ônibus. Quando analisamos os dados totais de passageiros, os números são similares.
Considerando o número de passageiros equivalentes (aqueles que efetivamente pagaram a tarifa completa, no seu valor integral), houve queda de 9,7% entre janeiro e setembro de 2017, na comparação com o mesmo período em 2016.
Essa redução foi ainda maior que a observada entre janeiro e setembro de 2016 na comparação com o mesmo período de 2015, quando o total de passageiros equivalentes diminuiu 4,1%.
O Rio Ônibus esclarece que tem atendido a todos os pedidos de informações vindos da CPI e vem alertando de forma transparente o cenário de crise desde o início do ano – situação agravada pelo congelamento da tarifa e pelas duas reduções do valor da passagem, além da queda de passageiros.
Além disso, todos os relatórios operacionais e financeiros do sistema são apresentados regularmente à Prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Transportes, conforme previsto no contrato de concessão assinado em 2010.

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