O ex-presidente, como qualquer cidadão, teria direito a um julgamento justo. Não é o caso
"Se há suspeitas, o ex-presidente deve ser investigado como qualquer outro. A questão é assegurar um julgamento justo"
Nos próximos dias, Sergio Moro vai proferir a sentença no processo do “triplex do Guarujá”, no qual Lula é acusado de corrupção. As alegações finais do Ministério Público e da defesa foram apresentadas no dia 20. A partir de então, alea jacta est. Ou melhor, a sorte neste caso foi lançada há algum tempo.
As alegações confirmaram o que se viu ao longo de todo o processo: não há uma única prova consistente contra Lula, apenas “indícios” e “convicções”. A tese do MP é de que o apartamento teria sido uma contrapartida da empreiteira OAS pela obtenção de três contratos firmados com a Petrobras, referentes às refinarias Getúlio Vargas e Abreu e Lima.
O imóvel, entretanto, nunca esteve em nome de Lula ou de dona Marisa. Pertence à OAS. Os únicos vínculos efetivos com Lula são uma visita, quando Marisa era cotista da Bancoop e poderia então adquiri-lo, e o depoimento de Léo Pinheiro, ex-presidente da construtora.
O depoimento de Pinheiro deve ser visto, no mínimo, com reservas. Desde sua primeira prisão, em 2014, o executivo negou reiteradamente a relação de Lula com o triplex. Em novembro do ano passado, foi condenado a 26 anos de prisão pela Lava Jato. E passou a negociar um acordo de delação, alterando sua versão anterior.
Suponhamos, por um instante, que o apartamento pertencesse de fato a Lula. Ainda assim não haveria qualquer prova de crime, ainda que, hipoteticamente, a OAS tivesse pago a reforma em benefício do ex-presidente.
Isso apontaria uma relação imprópria com a construtora, passível de reprovação política, mas não judicial. A ilação criminal do MP vem com a associação do triplex aos contratos da Petrobras. E aí reside a parte mais incoerente da denúncia.
A reforma no triplex foi estimada por Armando Magri, engenheiro da OAS, em 770 mil reais. Lula é apontado pelo procurador Deltan Dallagnol, em seu hilário PowerPoint, como o comandante máximo da corrupção na Petrobras. Pois bem, Michel Temer foi acusado pela Odebrecht de negociar propina de 40 milhões de dólares em um contrato.
Eduardo Cunha foi acusado de receber 52 milhões de reais em mesadas das empreiteiras. Aécio Neves teria negociado 50 milhões só da Odebrecht. E Lula, o “comandante máximo”, recebeu uma reforma de 770 mil de um apartamento ? É por demais inverossímil.
Diante da ausência de provas efetivas, Dallagnol apelou ao relativismo filosófico para pedir a condenação em suas alegações: “A certeza, filosoficamente falando, é um atributo psicológico e significa ausência de capacidade de duvidar.
O estado de certeza diz mais a respeito da falta de criatividade do indivíduo do que a respeito da realidade”. Esse argumento sofrível mal serviria a um debate de epistemologia pirrônica, ainda menos como sustentação jurídica.
E não se trata aqui de uma defesa cega de Lula. Se há suspeitas, o ex-presidente deve ser investigado como qualquer outro. A questão é assegurar um julgamento justo, que respeite o direito de defesa, a presunção de inocência e que, portanto, só condene mediante provas. Ninguém deve estar acima da lei, tampouco abaixo dela.
Lamentavelmente, não é o que temos visto nesse processo. A postura de Moro até aqui indica presunção de culpa, que provavelmente irá se traduzir em uma condenação de Lula. O juiz age como promotor de toga e não esconde sua antipatia pelo ex-presidente e seus advogados.
A forma como conduz o processo, aliada à construção midiática de sua própria figura, leva a crer numa condenação em primeira instância. Se absolver Lula, Moro irá de herói nacional a vilão “petralha” da noite para o dia. Tão dependente dos holofotes como se mostrou, dificilmente terá coragem de desapontar a claque.
No caso de condenação, estará indicado um atalho para impedir Lula de se candidatar em 2018, se a decisão for confirmada em segunda instância. Seria tirá-lo do jogo no tapetão. Portanto, uma influência indevida e antidemocrática do Judiciário no processo político.
Não se trata, mais uma vez, de defesa política do projeto de Lula. Sou crítico de muitas opções tomadas por seu governo. Creio firmemente que a esquerda brasileira precisa de um programa mais ousado, que enfrente os privilégios da casa-grande e paute a democratização verdadeira do Estado e da mídia. Lula é vítima de um massacre midiático cometido por oligopólios que seu governo decidiu não enfrentar.
Independentemente da posição em relação a Lula e seu projeto, ele tem direito a um julgamento justo e a apresentar sua candidatura. Erro e crime são coisas diferentes. Moro e Dallagnol, integrantes de uma casta judicial cheia de privilégios, não têm nenhuma autoridade política para julgar os erros do ex-presidente. Quem não compreender isso cometerá um equívoco histórico.
O “caso do triplex” se juntará ao rol onde se encontram a “CPI da Última Hora” contra Getúlio Vargas e o “apartamento da Vieira Souto” de Juscelino Kubitschek. Em momentos como este é preciso saber escolher um lado sem titubear.
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