Um dos personagens centrais nas maquinações políticas de Brasília, o presidente da Câmara, deputado
Eduardo Cunha, decidiu falar sobre as acusações de corrupção e lavagem de dinheiro, que têm como evidências contas na Suíça que até agora ele negou.
Em entrevista exclusiva ao Jornal da Globo, Cunha agora admite as contas, mas diz que ele não as controlava, e que o dinheiro nelas veio de negócios dele no exterior. Investigadores continuam duvidando da versão do deputado. A entrevista foi conduzida pelo repórter Júlio Mosquéra.
Eduardo Cunha recebeu a equipe da TV Globo em casa, na residência oficial do presidente da Câmara. Em uma conversa inicial, na presença de assessores, apresentou os principais argumentos que usará para tentar convencer os integrantes do Conselho de Ética que não tem nenhuma conta no exterior em nome dele.
Eduardo Cunha refutou a acusação de corrupção e lavagem de dinheiro. Ele admitiu que chegou a acumular um patrimônio jamais declarado ao Banco Central e à Receita Federal, no exterior, mas alegou que tudo foi fruto de transações licitas de comércio internacional e aplicações em bolsas estrangeiras, antes de iniciar sua carreira política.
Ele disse que, posteriormente, abriu mão da titularidade desse patrimônio, tornando-se apenas seu beneficiário. Cunha disse que esta experiência com exportação começou na década de 1980, quando ele diz que passou a vender produtos brasileiros na África.
Júlio Mosquéra: Quais eram os produtos que o senhor comercializava?
Eduardo Cunha: Eram produtos diversos alimentares, de natureza alimentar que eram basicamente produtos de consumo rápido, então consequentemente eu fazia trading, comércio exterior desse tipo de produto. Numa época onde teve muita proeminência que eu comercializei muito é o país que hoje é a República do Congo.
Júlio Mosquéra: Presidente, o senhor tem algum documento que prove esses negócios, a compra aqui no Brasil? A companhia que usou para levar esses produtos e lá fora?
Eduardo Cunha: A companhia era uma companhia constituída fora do Brasil. Obviamente eu estou falando de assunto de 30 anos atrás, eu não tenho documento nem contabilidade de assunto dessa natureza e essa empresa já foi encerrada, desfeita.
Depois, Cunha disse que multiplicou o dinheiro com a venda de mercadorias aplicando em bolsas de valores de Nova York e países da Europa, sempre no exterior, sem nenhuma remessa enviada do Brasil.
Júlio Mosquéra: O senhor tem algum comprovante dessas negociações da época, presidente?
Eduardo Cunha: Isso talvez, se retroagir ao banco que fez isso talvez possa tentar se obter alguma coisa. Eu posso até tentar.
Cunha diz que seu patrimônio no exterior chegou a US$ 4 milhões, que foram concentrados em uma conta no nome dele no banco Merril Lynch, em Nova York, até 2003. Dez anos antes, Cunha entrou para a vida pública como presidente da Telerj.
Júlio Mosquéra: O senhor chegou a declarar isso à Receita Federal e ao Banco Central?
Eduardo Cunha: Você não tinha naquela época uma legislação clara como você tem hoje sobre lucros no exterior ou sobre a obtenção de ganhos no exterior. Não houve uma evasão de divisa, uma transferência de recursos recursos do Brasil pra lá para ser utilizado, o que houve foi ganhos no exterior que não foram declarados aqui.
Em 2003, Cunha decidiu repassar o dinheiro para ser administrado por especialistas em dois trusts constituídos na Escócia com conta na Suíça, trust é uma entidade legal em muitos países, um instrumento pelo qual se transfere a propriedade de bens e direitos para serem administrados em favor de um ou mais beneficiários.
Depois, Cunha enviou o dinheiro dos dois trusts para um outro aberto em Singapura, também com contas na Suíça. Este ponto é importante para Cunha, porque ele afirmou na CPI que não tem conta no exterior. E mentir aos colegas é motivo para cassaçao de mandato. Ele agora tenta convencer o Conselho de Ética da Câmara de que ser beneficiário de um fundo trust não significa que ele seja o dono das contas.
Júlio Mosquéra: Mas de qualquer forma, presidente, o senhor é o dono do dinheiro?
Eduardo Cunha: Não, eu sou o dono do dinheiro, não. Eu sou usufrutário em vida, nas condições determinadas.
Júlio Mosquéra: Mas o senhor não acha que para a população brasileira, de uma maneira geral, é difícil não associar esse dinheiro ao senhor, ainda que o senhor seja a pessoa que vai usufruir, beneficiário, para a população, de uma maneira geral, o senhor é o dono do dinheiro.
Eduardo Cunha: Não, veja bem: primeiro lugar, a minha origem é lícita. Em segundo lugar, eu abri ão de ser o dono do dinheiro no momento que eu contratei o trust. Se eu quisesse continuar como dono do dinheiro, eu teria não só mantido a conta, tido a conta em meu nome com gestão livre, como eu teria, talvez, repatriado ou declarado aqui.
Cunha encomendou um parecer jurídico sobre sua situação financeira a advogados na Suíça para comprovar que não é o titular das contas no país, e portanto não teria mentido na CPI da Petrobras.
De fato, o documento afirma que ele "não é indivualmente ou conjuntamente titular das contas", mas o mesmo documento não deixa dúvidas de que o dinheiro é do presidente da Câmara, uma vez que "a lei suíça determina que o beneficial owner é aquele que tem poder efetivo para dispor dos ativos do ponto de vista econômico. O critério decisivo é, portanto, a possibilidade de efetivamente dispor dos ativos".
E "considerando a possibilidade de revogar o trust, Eduardo Cosentino da Sunha é, ao menos de acordo com o direito administrativo suíço, considerado beneficial owner dos fundos depositados no banco Julius Baer".
Júlio Mosquéra: Agora, presidente, por que o senhor não declarou ao Banco Central e à Receita o dinheiro depositado nesses trusts?
Eduardo Cunha: Porque o Banco Central, eu teria que ter declarado se eu tivesse feito transferência do Brasil pra lá. Para isso tem que ter o registro no Banco Central. E não houve. O recurso foi originado fora.
O Banco Central afirma em sua página na internet que a declaração é obrigatória e que deverá ser feita sempre em nome do beneficiário residente. Tributaristas ouvidos pelo Jornal da Globo também afirmam que a legislação brasileira exige que esses valores sejam declarados à receita e tributados.
Eduardo Cunha considera que a única conta que deveria ter sido declarada com possível pagamento de impostos é a que está em nome de sua mulher, Claudia Cruz.
Eduardo Cunha: Veja bem, há uma discussão, sim, essa discussão pode afetar a conta que foi aberta, que era mantida pela minha esposa, já que o trust que se ocupava da educação, ele não poderia fazer o pagamento direto das despesas. Ele poderia somente reembolsar pela contratação. Então precisava ser pago primeiro para depois ser reembolsado. Então o trust reembolsou a minha esposa das despesas que foram efetuadas de educação. Então, consequentemente, você pode ter uma discussão que esses recursos que foram reembolsados poderia ser um rendimento não declarado
Júlio Mosquéra: Deixa eu contrapor duas posições diferentes em relação ao argumento do senhor, presidente. O Banco Central afirma que em todos os casos é preciso fazer uma declaração do beneficiário residente. O senhor é o beneficiário desses dois fundos. Agora apenas do Netherton, que é o que permanece. E também existe uma visão por parte do Ministério Público de que é preciso fazer a declaração do trust justamente para que esse trust não seja usado para esconder ativos no exterior.
Eduardo Cunha: Veja bem, eu discordo dessa interpretação, não sou só eu, os advogados também discordam disso. No caso, nós pegamos o advogado na própria Suíça, que fez o seu parecer com relação a situação contratual existente. Esse parecer está em inglês, com suas documentações todas, tem sua tradução em português, que está muito claro que eu não sou proprietário nominal dos ativos, que eu não detenho conta, obviamente eu não detenho conta e, não detendo ativo, eu não tenho que declarar. Então, essa é uma discussão, o trust é muito antigo no mundo.
O presidente da Câmara respondeu também sobre o depósito de R$ 1,3 milhão de francos suíços em uma de suas contas pelo lobista João Augusto Henriques preso na Operação Lava Jato em setembro.
Henriques disse, em depoimento, que fez o depósito na conta de Cunha, sem saber que pertencia a ele, a pedido do economista Felipe Diniz, filho do deputado Fernando Diniz, do PMDB de Minas Gerais, que morreu em 2009. Para o Ministério Público, este depósito é pagamento de propina pela participação em negócios da Petrobras.
Cunha afirmou que o depósito deve ter sido o pagamento de um empréstimo que fez ao deputado Fernando Diniz em 2003, antes de constituir o trust.
Júlio Mosquéra: Qual foi o valor?
Eduardo Cunha: Deve ter sido em torno, naquela época, em torno de R$ 1 milhão, mais ou menos.
Júlio Mosquéra: Mas esse dinheiro o senhor emprestou pra ele lá fora?
Eduardo Cunha: Lá fora.
Júlio Mosquéra: E ele teria usado esse dinheiro lá fora?
Eduardo Cunha: Ele teria usado lá fora.
Júlio Mosquéra: O senhor tem algum comprovante desse empréstimo?
Eduardo Cunha: Não, eu posso até tentar, se eu conseguir remontar o que aconteceu nesse período, tentar buscar alguma coisa, mas nesse momento comigo não tenho.
Júlio Mosquéra: Agora, presidente, o senhor nunca chegou a cobrar esse dinheiro? Porrque, de fato, é muito dinheiro...US$ 1 milhão.
Eduardo Cunha: Ele morreu! Quando ele estava vivo, sim, obviamente a gente falava sobre isso. e ele tinha, sim, no momento antes dele morrer, ele tinha, sim a orientação, se, por ventura, quando ele tivesse condição de me pagar, de como ele deveria fazê-lo. Ele tinha, sim, a conta, ele tinha o trust. Ele saberia que eu tinha que avisar previamente o trust. O trust deveria concordar.
Investigadores da Lava Jato ouvidos pelo Jornal da Globo disseram que as explicações de Eduardo Cunha visam ocultar que ele usou contas no exterior para esconder dinheiro. Segundo esses investigadores, há indícios de que cunha cometeu sonegação fiscal, evasão de divisas e lavagem de dinheiro por ter mantido recursos no exterior.
Sobre o argumento de Cunha de que não precisaria declarar ao Banco Central o dinheiro lá fora, investigadores disseram que do ponto de vista penal não é importante. Que mesmo sendo só beneficiário como ele diz, os documentos mostram que ele é o dono do dinheiro, que as contas estavam interligadas e que houve movimentação com cartão de crédito em uma delas.
Júlio Mosquéra: O senhor se arrepende de não ter declarado essas contas? Hoje o senhor teria tão menos problema.
Eduardo Cunha: Não, o problema daí, talvez, a única coisa que a gente possa ter se arrependido é não ter feito uma gestão mais forte para a descoberta desse recurso que o trust teve. Talvez é a unica coisa que eu possa me arrepender, porque é uma coisa que eu não contava como fazendo parte do patrimônio e como não tava sendo utilizado, seria uma coisa que a gente achava que no tempo acabaria sendo reclamada ou poderia ser resolvida, enfim.